Em paz e paciência
Manuel Quintão
por W. Vieira
Reformador (FEB) Dezembro 1961
Quando te rendes à revolta e à
tristeza e caminhas algum tempo sem olhos para contemplar a Natureza, sem
ouvidos para escutar o trilo dos pássaros e sem tato para sentir, num aperto de
mão, as palmas calosas dos prisioneiros da adversidade, perdes a eficiência
pessoal na ação cotidiana por te distanciares da realidade fundamental. É aí,
não raro, que estrepita a insatisfação rouquejante e se desenfreia a violência
explosiva em forma de cólera.
E quando o nosso coração intumescido
cabriola ao ritmo espasmódico da cólera, resvalamos invariavelmente na voragem
da obsessão, seja obsessão para cinco minutos, cinco horas, cinco dias ou cinco
anos.
Existe a cólera convulsiva e
gritante e a cólera íntima e surda. Ambas, definindo causas de efeitos diversos,
por trás de outros acontecimentos, têm reconduzido, antes da hora demarcada,
multidões de espíritos encarnados à Espiritualidade, através de mortes
repentinas e inexplicadas, crises cardíacas e nervosas, paralisias, acidentes e
delitos de toda ordem.
Ninguém renasce na carne para
revestir-se de sombras e a morte é a ressuscitadora das culpas mais disfarçadas
pelas aparências do homem ou mais absconsas nas profundezas do espírito.
Por isso, ante as catástrofes da
consciência geradas nos desvarios coléricos, vemos fardões brasonados a se
transfigurarem em armaduras ignescentes; coroas, cujas pedrarias espelharam
frontes outrora respeitáveis, se tornarem espinhos de tortura; colares a
parecerem baraços asfixiantes; medalhas que enfeitaram antigos peitos
orgulhosos a se exibirem quais ferretes queimantes; luvas que fulgiram no
comando de legiões transformarem-se, trágicas, em manoplas de fogo, e anéis que
rebrilharam entre dedos aristocráticos
se metamorfosearem, medonhos, em brasas vivas...
Horresco rejerens! O próprio Dante
não conseguiria dizer as repercussões do mal nos vales do horror.
Cólera! Por essa ebriez de loucura,
muitos de nós temos experimentado e milhares experimentam, no imo do próprio
ser, as comichões endoidecedoras do remorso.
Nela observamos, no sangue
efervescente da tez, nas expressões contorcidas do rosto, nas trepidações
nevróticas das mãos e nas descargas terríveis da palavra desgovernada, a volta
da personalidade à zona inferior do espírito, aos porões da alma, ao fragor dos
instintos tempestuados.
Para ela, a nossa vigilância e a
nossa prece.
Semelhante expulsão do bom-senso
carreia apenas prejuízos de estarrecer. Ela, em si, humilha e ridiculariza
muito mais a criatura do que qualquer pretexto invocado para motivá-la.
Transporta, meu amigo, as cruzes
pequeninas das dificuldades de cada dia, em paz e paciência.
Desenruga a face nos sorrisos da
bondade constante.
Reprime o gesto de precipitação e
abençoa sempre.
Mergulha o próprio pensamento no
pensamento cintilante da atualidade espírita e, se contrariado, perdoa... se
perseguido, perdoa... se humilhado, perdoa... para compores o clima cada vez
mais puro da confraternidade entre os homens, com esforços e lutas, serviços
desinteressados e iniciativas redentoras, junto aos vanguardeiros da Verdade e
do Amor.
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