Centenário
de um auto-de-fé
Editorial
Reformador (FEB) Outubro 1961
Faz precisamente cem anos veio
juntar-se, à História da Igreja Católica Apostólica Romana, mais uma página
sombria e grotesca.
Desde o começo do século XIX, o
absolutismo e o liberalismo viviam, na Espanha, em constantes lutas entre si. A
Igreja ora ganhava, ora perdia privilégios. A negra Inquisição, ali existente
desde 1481, era abolida e restabelecida, até que o movimento revolucionário de
1820, contra o qual se opunha o clero, a suprimisse definitivamente. Dirigido
pela Junta apostólica, o partido dos tonsurados suscitava várias insurreições a
favor de D. Carlos, o representante
do absolutismo extremo e do clericalismo escravizante.
O grande povo de Barcelona, capital
do antigo Principado de Catalunha, participava ativamente do movimento nacional
contra a cegueira ultramontana. As revoluções se sucediam, sempre com a classe
clerical mancomunada com as forças absolutistas. Por volta de 1834, o povo
oprimido praticava uma série de autos-de-fé. Turbas de homens ensandecidos, com
machado em uma das mãos e tocha incendiária na outra, assaltavam, furiosos,
mosteiros e templos, matando padres e freiras. Pouco mais tarde, em nome da Concordata
de 1851, impunha-se a intolerância religiosa às Constituintes. E os anos
corriam...
Em 1861, justamente no ano em que
saía a lume, na França, "O Livro dos Médiuns", era posta à venda, na
Espanha, notável síntese da doutrina kardequiana na célebre "Carta de un espiritista a don Francisco de
Paula Canalejas", ilustre escritor espanhol, futuro membro da Academia
de Letras. Alberico Peron (Enrique Pastor), conhecidíssimo nos círculos
filosóficos e literários como ardoroso discípulo de Allan Kardec, foi o autor
da citada Carta, que produziu grande sensação. Mas, mesmo que Alberico Peron
houvesse escrito centenas de cartas semelhantes e as distribuísse a torto e a
direito, talvez não conseguisse a retumbância que teve o "auto-de-fé"
cujo centenário ora comemoramos.
O famoso escritor e editor francês
Maurice Lachâtre, a quem se deve a autoria da "História dos Papas"
(10 volumes) e da "História da Inquisição", achava-se refugiado em
Barcelona, "albergue de los
extranjeros", condenado que fora a cinco anos de prisão pelo regime
absolutista de Napoleão III, por ter editado o célebre "Dicionário
Universal Ilustrado". Naquela cidade, onde permaneceria até 1870, ele
fundou uma livraria. Profundo admirador
de Allan Kardec, cujo nome e obra enalteceu no primeiro volume do seu
"Novo Dicionário Universal" e a cujos ideais se unira, solicitara
dele uma certa quantidade de obras espíritas, para expô-las à venda e propagar,
assim, a nova Revelação. "A
Doutrina. Espírita, tal como ressalta das obras de Allan Kardec - declarava
Lachâtre -, encerra em si os elementos de
uma transformação geral das ideias, e a transformação nas ideias conduz
forçosamente àquela da sociedade. Assim considerando; ela merece a atenção de
todos os homens progressistas. Já se
estendendo a sua influência a todos os países civilizados, ela dá à
personalidade do seu fundador uma importância considerável, e tudo faz prever
que, num futuro talvez próximo, ele será
tido como um dos reformadores do século XIX."
As obras remetidas a Lachâtre, em número
de trezentas, foram expedidas em duas caixas, com todos os requisitos legais
indispensáveis. Na Alfândega de Barcelona, cidade que Cervantes qualificou de
"archivo de la cortesía",
as caixas de livros foram inspecionadas, cobrando-se do destinatário os
direitos alfandegários de praxe. A liberação estava prestes a ser dada, quando
uma ordem superior a suspendeu, com a declaração de que se fazia necessário o
consentimento expresso do bispo de Barcelona, Antonio Palau y Termens. Este se
achava ausente da cidade. À sua volta, foi-lhe apresentado um exemplar de cada
obra. Não precisou muito tempo para que ele concluísse pela perniciosidade de
tais livros, logo ordenando que fossem lançados ao fogo, por serem "imorais e contrários à fé católica".
Reclamou-se contra esta sentença, em
frontal desacordo com as leis do país, as quais poderiam, no máximo, proibir a
circulação daquelas obras, não havendo, porém, nenhum artigo que justificasse a
sua destruição pelo fogo. Pediu-se ao Governo que, em vista de não se permitir
a entrada desses livros na Espanha, pelo menos consentisse na sua reexpedição
ao país de origem. Por absurdo, que pareça, isso foi recusado, apresentando o bispo
- homem de ampla cultura, doutor em Teologia, catedrático do Seminário de
Barcelona, cônego magistral de Tarragona, e autor de várias obras religiosas -
esta alegação medieva: "A Igreja
Católica é universal, e, sendo esses livros contrários à moral e à fé católica,
o Governo não pode permitir que eles pervertam a moral e a religião dos outros
países."
Os livros foram confiscados pelo
Santo Ofício, que tomou a si o poder absoluto de juiz e carrasco, sem sequer
reembolsar o proprietário no que dizia respeito aos direitos aduaneiros.
Allan Kardec - declarou Henri Sausse
- teria podido levantar uma ação diplomática, obrigando o Governo espanhol a
devolver as obras. Mas os Espíritos o dissuadiram disso, aconselhando que seria
preferível, para a propaganda do Espiritismo, deixar essa ignomínia seguir o
seu curso.
9 de Outubro de 1861! À esplanada da
Cidadela de Barcelona, de triste memória, verdadeira cópia da Bastilha de
Paris, erguida no mais florescente bairro da cidade, o de La Ribera, já pela manhã o povo afluía para assistir ao
auto-de-fé das publicações espíritas incriminadas pela Igreja. Essa odiosa
Cidadela espanhola, de forma pentagonal, com cinco baluartes e rodeada de
fossos sobre os quais se lançavam pontes levadiças, fora mandada construir pelo
rei Filipe V, em 1716, no terreno ocupado por 1262 casas, casas cuja demolição ele
ordenara, após a sua entrada triunfal na cidade semidestruída.
Na imensa fortaleza, que pelos
tempos afora sufocara nas prisões de sua famosa Torre de Santa Clara, ou
suprimira pelo cutelo e pela forca, os gritos de liberdade de milhares de
barcelonenses, ia ser coroada a obra nefasta de Filipe V.
O efeito que tal acontecimento
produzia nos assistentes era de estupefação em uns, de riso em outros e de
indignação entre o maior número. Às palavras de aversão àquele ato arbitrário,
partidas de mais de uma boca, misturavam-se as zombarias e os ditos chistosos e
mordazes dos que apenas queriam divertir-se.
De acordo com a descrição que Allan
Kardec recebeu de Barcelona, a inquisitorial cerimônia se efetuou com toda a
solenidade do ritual do Santo Ofício, às dez horas e meia da manhã, justamente
no local onde eram condenados os criminosos à pena de morte.
Trezentos volumes espíritas
substituíam os "hereges"
que a Igreja já agora não podia queimar vivos, "hereges" que, no
passado, "perfumavam a atmosfera com
os aromas dos ossos torrados". Empilhavam-se, silenciosas e
impassíveis, as seguintes publicações francesas: "O Livro dos Espíritos", "O Livro dos Médiuns", "O que é o Espiritismo", todas de
Allan Kardec; coleções da "Revue
Spirite", dirigida e editada por Allan Kardec, e da "Revue Spiritualiste", redigida por
Piérard; "Fragmento de sonata",
ditado pelo Espírito de Mozart ao médium Sr. Brion Dorgeval; "Carta de um católico sobre o Espiritismo",
pelo Dr. Grand, antigo vice-cônsul de França; "História de Joana d'Arc", ditada por ela mesma à Srta. Ermance
Dufaux, de 14 anos de idade; e, por fim, "A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta", do
Barão de Guldenstubbé.
Presidiu àquele espetáculo de
fanatismo um cura revestido dos trajes sacerdotais próprios para o ato, tendo
numa das mãos uma cruz, e na outra uma tocha. Acompanhavam-no um notário,
encarregado de redigir a ata do auto-de-fé; o ajudante do notário; um
funcionário superior da administração aduaneira; três serventes (mozos) da Alfândega, incumbidos de
atiçar o fogo; e um agente da Alfândega representando o proprietário das
publicações que o bispo condenara ao batismo do fogo.
A grande multidão, que atravancava
os passeios e enchia a vasta esplanada onde se levantara a pira ardente,
assistia, espantada, àquele ridículo processo que o século não mais comportava,
e, quando o fogo acabara de consumir os trezentos volumes e o cura, com seus
auxiliares, se ia retirando, essa mesma multidão cobriu-os com assuadas e
imprecações, aos gritos de - "Abaixo a Inquisição!"
Um certo Capitão Lagier, comandante
do grande vapor "El Monarca",
teve a oportunidade de presenciar aquele auto-de-fé, e conta ele que, ao ver
muitas pessoas se acercarem da fogueira extinta e recolherem parte das cinzas e
algumas folhas não inteiramente
destruídas, com o objetivo de conservá-las como testemunho da violência
clerical, não pode conter-se e exclamou em alta voz: "Eu vos trarei, na próxima viagem de Marselha, todos os livros que
quiserdes." E dessa forma, através dos navios que frequentemente
aportavam em Marselha, muitos exemplares das obras de Kardec entraram na
Espanha, vendidos ou distribuídos gratuitamente pelos comandantes e
subordinados.
Kardec disse ter recebido um punhado
daquelas cinzas históricas, nas quais ainda se via um fragmento de "O
Livro dos Espíritos", havendo sido ainda presenteado com uma aquarela,
feita in-loco por um distinto
artista, representando a cena do auto-de-fé. As cinzas e os restos de folhas
queimadas, ele as conservou numa urna de cristal, que foi destruída
pelos nazistas na 2ª Grande Guerra.
Com a gravidade, a clareza e a
concisão que lhe eram peculiares, o insigne Codificador do Espiritismo escreveu
na "Revue Spirite", de 1861, admirável artigo a propósito desse
auto-de-fé, mui sensatamente ponderando:
"Se examinarmos este processo
sob o ponto de vista de suas consequências, desde logo vemos que todos são
unânimes em dizer que nada podia ter sido mais útil para o Espiritismo. A
perseguição foi sempre vantajosa à ideia que se quis proscrever; por esse meio
exalta-se a importância da ideia, chama-se a atenção para ela, e faz-se que
seja conhecida daqueles que a ignoravam. Graças a esse zelo imprudente, todos
na Espanha ouvirão falar de Espiritismo e quererão saber o que ele é, e isto é
o que desejamos.
"Podem queimar livros, mas não
se queimam ideias; as chamas das fogueiras as superexcitam, em vez de
extingui-las. Ademais, as ideias estão no ar, e não há Pireneus bastante
elevados para detê-las; e quando é grande e generosa uma ideia, encontra milhares de
corações dispostos a almejá-la. Façam o que quiserem, o Espiritismo já possui
numerosas e profundas raízes na Espanha; as cinzas dessa fogueira as
multiplicarão. Não é só na Espanha, porém, que se obterá esse resultado: os
efeitos da repercussão do fato o mundo inteiro os sentirá."
Concluindo, o mestre lionês
proclamou:
"Espíritas de todos os países! não olvideis esta data de 9 de Outubro de
1861. Ela ficará memorável nos fastos do Espiritismo, e que seja para vós um
dia de festa, não de luto, porque constitui o penhor do vosso próximo triunfo!"
Na França, o auto-de-fé das obras
espíritas pareceu aos olhos de muitos tão inconcebível naquela época, que
certos jornais, às primeiras notícias vindas da Espanha, chegaram, a princípio,
a pô-lo em dúvida. Outros, entretanto, como o "Siécle" de 14 de
Outubro, levaram o caso, sério e lamentável sob qualquer aspecto, para o
gracejo e a comicidade, havendo ainda os que dele se desinteressaram
inteiramente, ou que apenas se limitaram a registar o fato.
Na Espanha, contudo, a imprensa em
geral profligou aquele bárbaro ato de cego fanatismo religioso, e apenas um que
outro periódico o aplaudiu, como o "Diario
de Barcelona". 'Esta folha ultramontana, a primeira que noticiou a
celebração do auto-de-fé, enodoou as suas colunas, ao dizer: "Os títulos dos livros queimados bastam para
justificar a sua condenação;
está no direito e no dever da Igreja fazer respeitar a sua autoridade, tanto
mais quanto maior for a liberdade de imprensa, principalmente nos países que
gozam da terrível praga da liberdade de cultos."
"La Corona", periódico também barcelonense, dissentindo do
"Diario de Barcelona", sai
a campo em defesa do livre pensamento e fornece ao público extenso relato dos
sucessos, afirmando que os partidários do Governo estavam mais desgostosos com
o auto-de-fé do que aqueles que lhe faziam oposição.
Os dois trechos a seguir, extraídos
do mencionado jornal, interpretam o desagrado da maioria do povo barcelonês, ante
aquela reminiscência dos "quemaderos"
da Santa Inquisição:
"Os sinceros amigos da paz, do
princípio de autoridade e da Religião se afligem com essas demonstrações
reacionárias, porque eles compreendem que às reações sucedem as revoluções, e
sabem ainda que "quem semeia ventos só pode colher tempestades". Os
liberais sinceros se indignam de semelhantes espetáculos dados por homens que
não compreendem a
Religião sem a intolerância, e a querem impor como Maomet impunha o seu
Alcorão.
"Guardamo-nos de emitir opinião
sobre o valor das obras queimadas. O que vemos é o fato, suas tendências e o
espírito que revela. Daqui em diante, em que diocese se absterão de usar, se
não de abusar, de um poder que, ao nosso juízo, nem mesmo o Governo o tem, se,
em Barcelona, na liberal Barcelona, assim procederam?
"O absolutismo é bem sagaz: ele
tenta dar um golpe de força em alguma parte, se é bem sucedido, atreve-se a
mais. Esperamos, todavia, que os esforços do absolutismo serão inúteis, que
quantas concessões se lhe façam não terão outro resultado que o de desmascarar
o partido que, renovando cenas quais a de quinta-feira última, mais rápido se precipitará no
abismo para onde corre cegamente.
É o que depreendemos do efeito que
esse auto-de-fé produziu em Barcelona."
Um dos grandes jornais de Madrid, em
seu número de 19 de Outubro de 1861, expressava-se dessa maneira, em longo
artigo:
"O auto-de-fé celebrado há alguns meses na cidade de La Coruña, onde foi
queimada grande quantidade de livros à porta de uma igreja, havia causado em
nosso espírito, e no de todos os homens de ideias liberais, tristíssima
impressão. Mas é com indignação bem maior que foi recebida em toda a Espanha a
notícia do segundo auto-de-fé, solenizado em Barcelona, nessa capital civilizada
da Catalunha, no seio de um povo essencialmente liberal, a quem se fez tão
bárbaro insulto, certamente porque nele reconheceram grandes qualidades."
Não só entre as criaturas encarnadas
o auto-de-fé alcançou repercussão. Da Espiritualidade igualmente vieram vários
comentários sobre o acontecimento, dados espontaneamente na "Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas",
a que Allan Kardec
presidia.
Um deles, assinado por um certo
Dollet, que disse ter sido livreiro, afirmava em certo ponto:
"Quanto mais perseguições sofrer o Espiritismo, mais velozmente esta
sublime doutrina chegará ao seu apogeu", terminando com estas
palavras: "Tranquilizai-vos; as
fogueiras se extinguirão por si mesmas, e, se os livros são lançados ao fogo, o
pensamento imortal lhes sobrevive."
Outro Espírito, que se manifestou
com o nome de S. Domingos, provavelmente o fundador da Ordem dos Dominicanos,
explicava a importância daquela ocorrência para a propaganda do Espiritismo:
"Era preciso alguma coisa que sacudisse certos Espíritos encarnados, a
fim de que eles se decidissem a ocupar-se dessa grande doutrina que há de
regenerar o mundo."
De ambos os lados da vida as
inteligências mais perspicazes prenunciavam, como consequência do auto-de-fé,
um impulso inesperado das ideias espíritas na Espanha e mesmo no mundo todo.
Isto realmente sucedeu. A atenção de muita gente, que nunca ouvira
falar de Espiritismo, convergiu para o "fruto proibido", sobretudo pela importância mesma que a Igreja
lhe dispensava. "Que podiam, pois, conter esses livros, dignos das
solenidades da fogueira?" E a curiosidade abriu, assim, para inúmeras
mentes, um novo mundo até então delas desconhecido.
Como bem destacava Allan Kardec, ao
se referir a essas perseguições, "sem
os ataques, sérios ou ridículos, de que é alvo o Espiritismo, contaria este com
um número dez vezes menor de adeptos". A Espanha não desmentiu essa
observação do Codificador, e mais de um adversário reconheceu isso, deplorando
o ato em que a Religião Católica nada teve a ganhar.
Precisamente nove meses após o
auto-de-fé de Barcelona, que fora seguido por um outro, na cidade de Alicante, desencarnou, a 9 de Julho de
1862, o Dr. Antonio Palau y Termens, o bispo que tentara consumir pelo fogo o
ideal espiritista.
Esse príncipe da Igreja dias depois
se manifestava inesperada e espontaneamente a um dos médiuns da "Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas",
respondendo com antecedência a todas as perguntas que desejavam fazer-lhe, e
antes que fossem enunciadas.
Entre outras, a comunicação contém
esta bela passagem:
"Auxiliado pelo vosso chefe espiritual, pude vir instruir-vos com o meu
exemplo e dizer-vos: Não repilais nenhuma das ideias anunciadas, porque um dia,
um dia que durará e pesará como um século, essas ideias entesouradas clamarão
como a voz do anjo: Caim, que fizeste do teu irmão? que fizeste do nosso poder,
que devia consolar e elevar a Humanidade? O homem que voluntariamente vive cego
e surdo de espírito, como outros o são do corpo, sofrerá, expiará e renascerá
para 1'ecomeçar o labor intelectual que sua indolência e seu orgulho o fizeram
esquecer. E essa voz terrível me disse: Queimaste as ideias, e as ideias te
queimarão.
................................................
"Orai por mim; orai, porque é
agradável a Deus a oração que a Ele dirige o perseguido a bem do perseguidor.
"O que foi bispo e que agora
mais não é do que um penitente."
Allan Kardec remeteu a mensagem
completa a José Maria Fernández Colavida - a quem se deve a primeira tradução
para o castelhano das obras fundamentais do Codificador e o estabelecimento da
primeira Livraria espírita de Barcelona -, avisando-o de que o Espírito do
bispo, Dr. Palau, estaria presente quando ela fosse lida no Centro, o que de
fato sucedeu, segundo a declaração dos médiuns videntes, mui especialmente a de
um jovenzinho, que tinha excelente clarividência.
O bispo manifestou-se ali a, depois
de incentivar a todos, profetizou que na Cidadela cedo se cultivariam jardins,
os quais de certo modo apagariam as tristes recordações do lugar onde tantos
crimes se perpetraram.
Anos mais tarde, em 1869, atendendo
a instâncias do povo de Barcelona, o Governo decretava a demolição da velha
fortaleza, em cujos terrenos foram construídos os belos jardins do Parque da
Cidadela, ou Parque Municipal, que chegou a ocupar uma área de 307667 m2. Sobre
ele escreveu um cronista do século XIX:
"Cruzado por frondosos paseos, anchurosas glorietas, bosques de
encantadora perspectiva, fuentes, lagos, cascadas, grutas, etc., es un maravilloso
sitio de recreo, donde la magnolia y el álamo, el tilo, y el geranio y el pino y
el naranjo y mil variedades de flores y arbustos y gigantes árboles crecen y se
desarrollan maravillosamente y con increíble profusión. En este Parque, donde
todo es espléndido, donde todo es grandioso..."
Cumprira-se a profecia do Espírito
do bispo! Do antigo conjunto de edifícios bélicos surgira belíssimo Parque,
muito frequentado pelas crianças e pelos velhos, e que foi, em 1888, pacífico
recinto para célebre Exposição Universal.
Embora a Espanha continuasse
oprimida pela mão forte do romanismo, que, inimigo declarado da liberdade e do
progresso, não se cansava de granjear a animadversão pública para os espíritas,
assoalhando pela imprensa, pregando de seus púlpitos que o Espiritismo não
passava de uma doutrina malsã, inspirada pelo diabo, apesar de tudo isso,
cresceu ali o número de adeptos, de todas as classes sociais, ampliando-se, de
maneira bastante significativa, a propaganda, tanto que a Espanha chegou a ser,
ainda no século XIX, a nação europeia com maior abundância de periódicos
espíritas e com a mais vasta bagagem de obras publicadas.
Aos infatigáveis e gloriosos
pioneiros como Fernández Colavida, Manuel González Soriano, Manuel Sanz y
Benito; Joaquín Bassols y Marañon, César Bassols, José Amigó y Pellicer,
Joaquín Huelbes Temprado, Fernando Primo de Rivera, Salvador Sellés Gosálvez,
Antonio Torres-Solanot y Casas, Manuel Ansó y Monzó, Amalia Domingo y Soler,
Francisco Loperena, Miguel Vives e tantos e tantos outros venerandos discípulos
de Kardec, se juntaram com o correr dos tempos os nomes não menos gloriosos de
Antonio Hurtado y Valhondo, José de Navarrete y Vela-Hidalgo, Dámaso Calvet de
Budallés, Facundo Usich, Quintin López Gómez, Juan Torras Serra, Jacinto Esteva
Marata, Jacinto Esteva Grau, López Sanromán, José Maria Seseras y de Battle e
muitos mais, que com desassombro lutaram e sofreram para manter vivos os
sublimes ideais da Terceira Revelação.
Em 1888, quis o Destino que
justamente a Barcelona, "cabeça e coração da Catalunha", onde se
consumara o primeiro auto-de-fé contra obras espíritas, coubesse a honra de
celebrar o "Primeiro Congresso Espírita Internacional", cuja alma principal
foi o Visconde de Torres-Solanot, a figura apostolar do Espiritismo na Espanha.
Por ocasião do quarto centenário do
descobrimento da América, em 1892, realizou-se, agora em Madrid, o 3º Congresso
Espírita Internacional, que, por ter sido organizado um tanto tardiamente, não
pode apresentar o brilho dos anteriores.
Em Setembro de 1932, a
"Federación Espírita Española" dirigiu ao povo barcelonês longa
mensagem de esclarecimento e, ao referir-se ao auto-de-fé de 1861, salientou:
"A
Federação Espírita Espanhola diz hoje ao público de Barcelona, e ao de todo o
mundo, que aquela fogueira histórica, em vez de prejudicar o Espiritismo, lhe fez
um bem, qual o de lhe impulsionar, como que por um passe de mágica, o
desenvolvimento, fato que podemos demonstrar, dando a conhecer que, se então
apenas existiam nesta cidade dois ou três pequenos grupos espíritas,
atualmente, em Barcelona e na província de que é ela a capital, se contam mais
de vinte sociedades, devida e legalmente constituídas, e cerca de uma centena
no resto do país."
A prova maior do progresso do
Espiritismo na Espanha foi dada em 1934. Nesse ano, celebrou-se em Barcelona,
no grandioso salão do "Palacio de Proyecciones", o 14º Congresso Espírita Internacional, o segundo
verificado naquela cidade.
Grande repercussão junto aos meios
católicos teve esse conclave, do qual participaram representantes espíritas de
todas as partes do Mundo, inclusive representações do Governo da Catalunha e da
Municipalidade de Barcelona.
Amadeo Colldeforns, deputado do
Parlamento catalão, falando em nome do presidente da Generalidade de Catalunha,
enalteceu o belo movimento de amor e fraternidade dos espiritistas, declarando,
ainda, que à Humanidade se oferecia, através daqueles estudos, a demonstração
clara e convincente da sobrevivência humana. Suas palavras finais, dirigidas a
todos os congressistas, foram estas:
"Deus
permita que possais conseguir grandes vitórias dentro desse campo de estudo e
experimentação vastíssimo, e que estes triunfos vos facilitem o trabalho de
emancipação espiritual da Humanidade. Eu vos auguro estes triunfos, porque
caminhais acompanhados da ciência que vos faculta o controle e a demonstração
desses fenômenos espíritas, demonstração científica essa com que podereis
alcançar a vitória completa dos vossos ideais e das vossas humanitárias
aspirações, contra a indiferença dos homens."
Triunfos foram realmente conseguidos
em várias nações, especialmente no Brasil, onde o Espiritismo tomou um alento
deveras surpreendente. Na Espanha, porém, aglutinaram-se as forças das Trevas
para uma investida destruidora contra os alevantados ideais de paz e
fraternidade, de liberdade e igualdade, pregados e exemplificados pelos
espiritistas.
Aquela parte da península ibérica
pouco depois do referido Congresso entrava num terrível período de lutas intestinas.
Duas facções contrárias, respectivamente constituídas pela Frente Popular, de
fundo socialista-comunista, e pela Falange Espanhola, de fundo fascista,
dividiam a nação em 1936. Entrechocavam-se as forças da direita com as da esquerda.
Irrompia uma nova "época do terror". Excessos de toda a sorte eram
cometidos, tendo sido incendiadas e saqueadas dezenas de igrejas e centros
religiosos, com o cruel assassínio de milhares de sacerdotes.
A guerra civil progride com
inominável violência. Põe-se à frente da Falange Espanhola o
"caudillo" Francisco Franco, com o apoio de todo o clero católico.
Barcelona, "patria de los valientes", é
duramente bombardeada, sendo afinal invadida pelas tropas falangistas. A
sangrenta luta fratricida, que em várias ocasiões assume aspectos
verdadeiramente trágicos, vai dando vitórias ao Generalíssimo Franco, que, em
discurso pronunciado em 1938, já evidenciava claramente o caminho que o seu
governo iria
tomar: "É preciso reafirmar o fundo
sentido e a fé religiosa que acompanhou, desde as suas origens, o povo espanhol
e que, capítulo por capítulo, ficou impressa em sua História. Com rapidez e
energia se fará, pois, a revisão de toda a legislação laica que pretendia
inutilmente apagar de nossa Pátria o seu profundo e robusto sentido católico e espiritual."
Passo a passo, ainda durante a
guerra, à Igreja Católica de Espanha foram sendo concedidos inúmeros
dispositivos de franca regalia. Privilégios, vantagens, poder e imunidades
vieram entronizar o clero, resultando no cerceamento total aos direitos das
demais religiões.
Terminada, em 1939, a dolorosa
guerra civil, o Generalíssimo Franco se torna o senhor absoluto e vitalício da
Espanha, chefe único da Falange, enaltecido e abençoado pelos Papas Pio XI e
Pio XII.
Apoiada a César, a Igreja Católica
passa a ser a senhora absoluta da veneranda Pátria de Fernández Colavida (o
Kardec espanhol), com a abolição da liberdade de crença e de outras liberdades
tão caras ao homem livre. Aos espíritos divergentes, ela exigia a adesão, ou o
silêncio.
Em 27 de Agosto de 1953, mediante a
Concordata assinada entre a Santa Sé e o Governo, ficou reafirmado que a
Religião Católica, Apostólica, Romana, continuaria a ser a única da nação
espanhola, reconhecendo-lhe o Estado o caráter de sociedade perfeita e a
personalidade jurídica internacional da Santa Sé e do Estado da Cidade do
Vaticano.
Esta Concordata, que, como todas as
demais, é "um pacto leonino em que a
Igreja empresta ao despotismo o seu prestígio, e o despotismo vende à Igreja a
soberania civil", acabou, afinal, através de uma série de artigos
monopolizadores da liberdade de consciência, por entregar a Espanha às mãos do
clericalismo. Hoje, é ela, em verdade, um vasto convento...
Há mais de vinte anos que o
Espiritismo ali se acha sacrificado às forças intolerantes e opressoras,
impedido de vir à luz, eclipsado nas sombras do ultramontanismo. Sendo, porém,
"um livro imenso aberto nas alturas",
conforme a feliz expressão do grande poeta alicantino, Salvador Sellés, o Espiritismo
só aparentemente se detém ante o obscurantismo dos homens. Temos fé que
chegará, mais cedo do que se espera, a sua hora de libertação,
pois,
como disse com sabedoria o nosso grande Rui Barbosa, "de todas as liberdades sociais, nenhuma é tão congenial ao homem, e tão
nobre, e tão frutificativa, e tão Civilizadora, e tão pacífica, e tão filha do
Evangelho, como a liberdade religiosa".
O Espiritismo, na Espanha bela e
nobre, está curtindo os amargos transes de um prolongado auto-de-fé. Quando nos
horizontes ibéricos raiar a aurora da liberdade, qual fênix renascida dentre as
cinzas o Espiritismo ressuscitará na valorosa Pátria de Cervantes, para novos
voos de gloriosa jornada emancipadora do espírito humano.
Do Blog: Francisco Franco desencarnou
em 20 de Setembro de 1975. O processo de democratização começou em 1966. Juan
Carlos, ainda príncipe, foi apresentado como sucessor de Franco em 1969. Juan
Carlos é neto de Afonso XIII.
Da Wikipédia anotamos: A maior parte da população da Espanha (76.0%)
se declara católica, embora a porcentagem de praticantes é muito inferior. Os
20.3% da população não se reconhece em nenhuma religião (definindo-se como
ateus ou não crentes). Existem também minorias muçulmanas, protestantes e
ortodoxas, cujo número foi-se incrementado recentemente devido à imigração (que
somam em torno de 2,1% da população), assim como outros grupos, como judeus,
budistas, baha'is ou mórmons, entre outros. Entretanto, a população espanhola é
atualmente pouco praticante em seu conjunto: segundo uma pesquisa realizada
pelo CIS em julho do ano 2009, 58,2% dos auto definidos como crentes de alguma
religião dizem não ir a missa ou a outros ofícios religiosos nunca ou quase
nunca e os 17,0% dizem ir várias vezes ao ano, enquanto 13,3% dizem acudir a
ofícios religiosos quase todos os domingos e dias festivos, com uns 2,0% indo
várias vezes por semana.
Ainda da Wikipedia: O Artigo 16 da Constituição
espanhola, diz que: Garante a liberdade ideológica, religiosa e de culto dos
indivíduos e as comunidades sem mais limitações, em suas manifestações, que a
necessária para a manutenção da ordem pública protegida pela lei.
Ninguém poderá ser obrigado a
declarar sobre sua ideologia, religião, crenças ou tráfico.
Nenhuma confissão terá caráter
estatal. Os poderes públicos terão em conta as crenças religiosas da sociedade
espanhola e manterão as conseguintes relações de cooperação com a Igreja
Católica e as demais confissões.
Esse artigo da constituição
espanhola foi fruto de um consenso para solucionar a questão religiosa na
política, abandonando a forma da confessionalidade do Estado, tradicional na
história espanhola.”
Os Autos-de-fé cotidianos
Leopoldo Cirne
por W Vieira
Reformador (FEB) Outubro 1961
Moisés foi o portador da Primeira
Revelação; Jesus nos trouxe a Segunda; Allan Kardec codificou o Espiritismo - a
Terceira Revelação -, que divulga os elevados propósitos dos Pioneiros da Luz,
e que se impessoalizou para ultrapassar o âmbito individual em direção à Humanidade
Maior.
Na manhã de 9 de Outubro de 1861,
aqueles que crucificaram o Senhor - os fariseus de todos os tempos -, não
podendo então sacrificar alguém para sufocar a nova ordem de ideias,
afoitaram-se em carbonizar-lhe os repositórios em forma de livros. Assim, o
Auto-de-fé em Barcelona surge às nossas considerações como sendo a primeira
crucificação do Consolador, no ataque inquisitorial contra as obras dos
precursores.
Queimaram-se apenas alguns corpos da
ideia para que as almas da ideia se libertassem... As chamas que consumiram os
livros, avivadas pelas mãos do carrasco, na praça pública, saltaram de alma em
alma, a crepitar por centelhas de ideal renovador, ateando o fogo da verdade,
de consciência a consciência, e a luz dessa fogueira resplende sempre mais,
vitoriosa e irradiante, atraindo e cingindo legiões de criaturas.
Da esplanada em que se flagelavam os
criminosos, os trezentos volumes incinerados, quais flamas redivivas, se
multiplicaram aos milhões nos idiomas do mundo inteiro.
A Causa Espírita é imperecível:
ninguém pode abafar a fé raciocinada. O seu ensinamento instrui pelos fatos da
Vida Imortal. O Espírito sopra onde quer. Asfixiada a voz da realidade, hoje e
aqui, amanhã e em toda a parte alçar-se-á mais potente por milhares de outras
bocas.
Mas, em pleno Centenário do
Auto-de-fé, é natural relembremos também os pequeninos autos-de-fé cotidianos
que forjamos por nossa imprevidência, queimando, através de ações a desmentirem
convicções, os ensinos da Doutrina Libertadora que nos fortalecem as almas.
O Espiritismo é o Fanal da
Imortalidade que recebemos de nossos antecessores do Espaço ou do Plano Físico,
mensagem de consolação que nos cabe levar adiante, de ânimo inarrefecível,
clareando o caminho. Empunhemos o facho sublime de esperança no rumo da Nova
Terra - a Terra da Regeneração!
Sigamos esses mesmos livros que
foram calcinados há um século é que, não raro, repontam moralmente destruídos
por nossa conduta inadvertida e contrária aos ditames amorosos do Cristo.
Recomendou o Mestre: "Brilhe a
vossa luz diante dos homens, para que vos vejam as boas obras e glorifiquem o
Pai que está no Céu."
Recorda que serás sempre, onde
estiveres, a lição ambulante do Espiritismo. És a síntese viva da Codificação!
Se o templo espírita consola, o teu coração testemunha! Se a tribuna espírita
esclarece, a tua palavra conduz! Se o livro espírita ilumina, o teu exemplo é a
força que arrasta!
Um auto-de-fé
Amalia Domingo Soler
Reformador (FEB) Outubro 1961
Quemaron los
libros? - Sí;
los dejaron hechos
trizas.
- No importa, de
sus cenizas
cuántas llamas
brotar ví!
Puede quemarse el
papel,
más lo que en él
había escrito
grabado en el
infinito
dejó del tiempo el
cinzel.
Los libros los
destruyeron,
pero su esencia
quedó;
Ia, materia se
quemó,
pero Ias ideas
vivieron.
Pueden de un modo
cruento
destruirse cuerpos
y cosas;
pero quedan
vigorosas
Ias alas del
pensamiento.
No alcanza un auto
de fe
a destruir lo
inmaterial;
hay un algo
potencial
que se siente y no
se vé.
De Ia grandiosa
enseñanza
de Kardec nada hay
perdido;
que el fuego no ha
destruído
ni el amor, ni Ia
esperanza.
No importa, pues,
que hecho trizas
los volúmenes
quedaran;
y a gran altura
volaran
sus impalpables
cenizas.
Lo que no puede
morir
resiste el poder
del fuego;
y está loco y está
ciego
quien 10 quiera
destruir.
Kardec, tus libros
sagrados
a polvo los
redujeron;
pero sus cenizas
fueron
el pan de los
desgraciados.
Muchos que querían
morir
los hiciste progresar;
y llegaron a
esperar
en Dios y en el
porvenir .
. Gloria, Kardec!
Gloria a ti...
tú calmaste mís
congojas;
de tus libros en
Ias hojas
mundos de luz
brotar ví!
(Extraído da
revista barcelonesa “La Luz del Porvenir")
Kardec
e o auto-de-fé em Barcelona
Vianna de Carvalho
por Divaldo Franco
Reformador (FEB) Novembro 1961
A manhã de nove de Outubro surgiu
perfumada e radiosa.
Na esplanada de Barcelona, 300
exemplares de livros e opúsculos devem morrer.
A Idade Média ainda se demora na
dourada terra de Espanha. O Santo Ofício trucida e envenenado pela
intolerância, sentindo o soçobro que se aproxima, destila ódio e violência,
tentando manter a soberania.
A autoridade eclesiástica lê o
libelo burlesco.
Archote fumegante aparece e, em
breve, ousadas línguas de fogo transformam-se em labaredas, devorando as
páginas grandiosas dos livros libertadores.
Temperamentos audazes atiram-se
sobre as chamas que diminuem de intensidade, e arrancam páginas chamuscadas que
se transformarão em documentos preciosos do crime. Emocionado pintor, desejando
eternizar o ato de barbaria sob a inspiração do momento, regista em cores e
traços vigorosos o atentado à liberdade de consciência.
As cinzas e a tela são endereçadas
ao Codificador.
Em Paris, Kardec dobra-se sob o peso
da própria dor.
O gigante lionês tem a alma ferida.
O vigoroso coração, parecido a corcel fogoso, agora exaurido, trabalha dominado
pelo gigantismo do sofrimento.
Mentalmente, recorda a figura
martirizada de João Huss, o Apóstolo queimado vivo no século XV por sentença do
concílio de Constança, apesar do salvo-conduto que o imperador Sigismundo lhe
havia dado...
A impiedade e o despotismo da fé em
decadência queimá-la-iam agora, Se o pudessem. E nessa impossibilidade tentam
destruir lhe a obra, já que nada podem contra as ideias.
Todavia, recolhido à oração salutar,
parece lhe escutar as Vozes dos Céus - aquelas mesmas que o conduziram na
compilação dos primeiros trabalhos - que lhe dirigem expressões de alento e
vigor.
“Ninguém
poderá destruir o edifício da Fé imortalista - tem a impressão de ouvir na
intimidade da mente.
"Os imortais estão de pé no
campo de batalha.
“A Doutrina Espírita é Jesus Cristo
de retorno aos corações, acolitado pelas legiões dos Espíritos Eleitos, abrindo
as portas para o acesso à verdadeira vida.
“É mister que o trabalhador
experimente o suplício e tenha os braços atados à cruz dos testemunhos
necessários, para que Ele triunfe.
"Jesus não se fizera respeitar
pelos contemporâneos, e através dos tempos, pelo que ensinou, mas pelo legado
da renúncia e do sacrifício.
“Assim também, a Doutrina Espírita,
reivindicando as luzes da Imortalidade do Senhor e da renovação dos conceitos
evangélicos na Terra, deveria experimentar o guante das mesmas dilacerações...
"
Era indispensável sofrer de pé,
confiando, imperturbável...
Allan Kardec, vitalizado pelo fluxo
da misericórdia divina e encorajado pelo tônus celeste, levanta-se, outra vez,
fita os cimos dourados que a vida lhe reserva, renova as disposições do
espírito e, jubiloso, continua a luta.
A Doutrina Espírita se lhe afigura,
então, um anjo de luz dilatando as asas sobre a Terra inteira e vestindo-a de
claridade...
*
Mestre! Cem anos depois de
Barcelona, o Brasil, que te guarda a mais profunda gratidão, ergue-se em
louvor, através das mil vozes dos beneficiários do teu carinho, para te
agradecer os sacrifícios.
Contempla, dos Altos Cimos, a
colossal legião de servidores do Cristo, seguindo as tuas pegadas e espargindo
o aroma da tua mensagem, em toda a parte,
Barcelona vive em nossos corações
reconhecidos.
As obras incineradas se
multiplicaram e levam a mensagem vibrante dos Espíritos da Luz à Humanidade
toda.
Ninguém pode paralisar tuas mãos no
sacerdócio da escrita nem força alguma silenciou os teus lábios no ministério
da pregação...
Quando a corpo se negou a prosseguir
contigo, extenuado pelo trabalho infatigável, já o mundo compreendia a Mensagem
de Jesus com que enriqueceste a Terra.
E hoje, quando ameaças se levantam
em toda a parte, dirigidas à paz das criaturas, em forma de intranquilidade e
pavor, a Doutrina que nos legaste, como bandeira de vida, é o penso consolador
nas mãos de Jesus-Cristo, medicando as feridas de todos os corações.
Glória a ti, desbravador do
Continente da Alma!
A Humanidade espiritista, renovada e
feliz, edificada no teu trabalho eficiente, rende-te o culto da gratidão e do
respeito.
Salve, Allan Kardec, no dia Nove de
Outubro, cem anos depois de Barcelona!