De Atalaia
Irmão X / Chico Xavier
Reformador (FEB) Outubro 1961
Não, meu amigo. Não diga que nós, os
companheiros desencarnados, ressurgimos da morte convertidos em feitores
intolerantes, na construção da fé.
Quando você examina o zelo natural
com que pretendemos defender os princípios de Allan Kardec, para que a Doutrina
Espírita avance, pura, na hora presente de profundas transições, parece
surpreender em nós a valentia de Torquemada, mentalizando fogueiras e remoendo
perseguições.
Entretanto, não é assim.
Se você estivesse fora do carro
fantasioso da carne a modo de cavaleiro desmontado, com a obrigação de varar,
passo a passo, o próprio caminho, decerto pensaria de outra forma.
Ignoro se você já terá penetrado num
grande hospício; contudo, é possível saiba você que quase todos os internados
no manicômio são criaturas absolutamente fora da realidade.
Temos aí supostos reis, empertigando
a cabeça escaveirada; fidalgos imaginários, ostentando calhaus à guisa de
brilhantes; caprichosos proprietários, sobraçando papel inútil por documento
valioso, e até mesmo pobres irmãos de olhar fusco, acreditando-se animais em
posturas excêntricas.
O psiquiatra chega, inquieto, a
semelhante submundo da mente enfermiça, coça a cabeça, examina a clientela e
aplica, discriminadamente, o barbitúrico e a insulina, o eletrochoque e a lobotomia;
no entanto, raramente consegue rearticular, de todo, o raciocínio dos alienados
que o desequilíbrio ensandece.
Essa, meu caro, é a única imagem de
que me lembro para exprimir o quadro que nos toma,
de assalto, após a desencarnação. Guarda-se a ideia de que a paisagem social da
Terra, quase toda ela, está cercada de Espíritos dementados, em cujos cérebros
o discernimento sofre eclipse doloroso. Milhões dos que já se desamarraram da
carne prosseguem, aqui, psiquicamente jungidos à cristalizada reminiscência
daquilo que foram entre os homens, afazendo-se à teimosia recalcitrante, quais
se fossem donos de pessoas e honrarias, terras e fazendas, casas e posses,
objetos e coisas. Há quem se julgue comandante do povo, gritando, debalde, nas
trevas de si mesmo; quem se arroga na posição do senhor da retaguarda,
reclamando situações que não voltam; quem se presume santo, carregando paixões
subalternas; e há exércitos de infelizes, aprisionados em pavorosas ilusões,
alimentadas pelas inteligências bestializadas no vampirismo ou na delinquência.
Isso tudo, porque os tabus de todas
as procedências ainda dominam a vida mental da maioria dos espíritos
encarnados, obstruindo lhes a visão mais ampla na direção da imortalidade.
E convenhamos que, na Terra de
agora, o Espiritismo simples e sereno é a maior escola de libertação da mente,
o abrigo seguro para o entendimento religioso da vida, no qual aprendemos que
todos estamos entregues a nós mesmos, em matéria de responsabilidade perante as
Leis Divinas, e que todos receberemos, na Terra ou alhures, segundo as nossas
obras.
É por observar de perto as consequências
terríveis das mentiras e dos preconceitos humanos nas rotas do espírito, que
prosseguiremos trabalhando pela preservação da Doutrina Espírita, indene de
dogmas e superstições, artificialismos e rituais.
Libertemo-nos, por dentro, para que
a liberdade maior venha ao nosso encontro.
Finalizando, creio não seja cabível
recorrermos, nesse aspecto do nosso estudo, aos exemplos de tolerância por
parte do Cristo. Indubitavelmente, Jesus revelou-se por amigo e irmão de todos;
entretanto, em nome da caridade e da solidariedade não se permitiu entrelaçar
as mãos, politicamente; com Anás e Caifás, tanto quanto com outros distintos
sacerdotes do seu tempo, a fim de que lhe injetassem convenções e escapes nas
hígidas lições de que se fazia portador. Tentado ao ajuste, preferiu silenciar
e morrer.
O Mestre Divino, certo, quis
patentear-nos que o amor não vai sem a verdade e que a verdade, para ser
defendida, precisará resistência, ainda mesmo que essa resistência reserve para
si mesma apenas o clima do sarcasmo e a morte na cruz.
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