XXIV a
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Se vivemos em Espírito, andemos
também em Espírito.
Não sejamos cobiçosos de vanglórias,
irritando-nos uns aos outros invejando-nos
uns aos outros.
Irmãos, se algum homem chegar a ser
surpreendido nalguma ofensa,
vós, que sois espirituais,
encaminhai o tal com espírito de mansidão;
olhando por ti mesmo, para que não
sejas também tentado.
Levai as cargas uns dos outros, e
assim cumprireis a lei de Cristo.
Porque, se alguém cuida ser alguma
coisa,
não sendo nada, engana-se a si
mesmo.
Mas prove cada um a sua própria
obra,
e terá glória só em si mesmo, e não
noutro.
Porque cada qual levará sua própria
carga.
E o que é instruído na palavra
reparta
de todos os seus bens com aquele que
o instrui.
Não erreis: Deus não se deixa
escarnecer;
porque tudo o que o homem semear,
isto também ceifará.
Porque o que semeia na sua carne
ceifará a corrupção;
mas o que semeia no Espírito,
do Espírito ceifará a vida eterna.
E não nos cansemos de fazer bem,
porque a seu tempo ceifaremos,
se não houvermos desfalecido.
Então, enquanto temos tempo,
façamos bem a todos,
mas principalmente aos domésticos da
fé.”
(Paulo - Epístola aos Gálatas, 5:25 e 26 e
6:1 a 10)
Ernesto Renan, que foi um grande
estudioso das origens do Cristianismo, sobre cujo tema escreveu sete livros, um
dos quais sob o título de “S. Paulo”, era um livre pensador, erudito e sincero.
Teve expressões duras ou injustas a respeito do imortal cidadão de Tarso, mas
não deixou de reconhecer que ele era “um
espírito superior”, e “um excelente
homem”. Renan chega a afirmar que as Epístolas de Paulo são a base da
teologia cristã. Não vamos a tanto, porque, como o apóstolo das gentes mesmo
proclamou em I Coríntios, 10:4: “a pedra
é Cristo”. Realmente, funda-se no Divino Mestre a segunda revelação de
Deus, assim como a primeira revelação se estriba no monoteísmo e nos dez mandamentos
do povo hebreu, cujos profetas previram o advento do Messias da Redenção, que é
Jesus de Nazaré.
Mas Paulo legou à posteridade - e é
isto exatamente o que impressiona - um manancial inesgotável de ensinamentos
cristãos, vivos, profundos e sempre oportunos, cheios de encanto e de poesia, e
que são talvez vigorosos e tradicionais como o Mar da Galileia, enquanto que o
Cristo de Deus é como o próprio Oceano, de beleza e de majestade quase insondáveis,
porque o Senhor Jesus transcende à nossa estreita visão espiritual e suas ideias
se espraiam em todas as almas e em todos os continentes!
Mas Paulo de Tarso como homem, como
doutrinador e como cristão, foi inexcedível, porque compreendeu, sentiu e viveu
as lições dos Evangelhos, legando-nos ainda uma série fecunda de ensinamentos, que
se manifestam em epístolas admiráveis.
“Se
vivemos em espírito, diz ele aos Gálatas, andemos também em espírito.”
Assim, se somos hoje
espíritas-cristãos, tenhamos uma vida espiritual, cumprindo os mandamentos de
Nosso Senhor. É justo que acreditemos e que não pratiquemos?
É preciso darmos testemunho de nossa
fé, através de nossas obras, porque, como Allan Kardec ensinou, de conformidade
com as lições dos Espíritos superiores, “conhece-se
o espírita pela sua transformação moral”.
Devemos levar a sério as coisas de
Deus, para nossa própria felicidade.
E o apóstolo acrescenta:
“Não
sejamos cobiçosos de vanglórias, irritando-nos uns aos outros, invejando-nos
uns aos outros.”
Evitemos fazer política em nossos
Centros ou em nossas reuniões. Nada de pretender posto de destaque para não
sermos cobiçosos de vanglórias, pois Jesus também advertiu:
“E
o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será
exaltado.” (Mateus, 23:12)
Consequentemente, também em nossa
vida de relação, ou seja, na sociedade, não nos angustiemos por vanglórias ou
por postos de destaque. Tudo está sujeito à lei do carma e não adianta
querermos forçar os acontecimentos.
Os postos de mando em toda a parte,
e notadamente nos Centros Espíritas, implicam em maior responsabilidade moral e
devemos honrá-las sempre com o trabalho fecundo e desinteressado, mas não com o
prazer do destaque, que é mera vaidade, expressão inferior
do sentimento.
Aquele que varre um Centro e que o
frequenta com amor e com o desejo de servir à Causa, às vezes vale mais aos
olhos de Deus do que certo membro da diretoria, que se supõe importante e
merecedor do cargo que ocupa.
Mas também não julguemos! E que
ninguém tenha “o orgulho da humildade”,
se assim podemos dizer, porque, infelizmente, há irmãos que se jactam de ser
humildes e parece-nos que só isto já é prova de vaidade.
Cumpre-nos esforçar em busca da
humildade, certos de que em tal terreno ainda temos muito que evoluir...
Contudo, há pessoas que já o são, naturalmente, por uma questão de evolução
inata; mas estas mesmas estão sujeitas às tentações, próprias de nosso plano.
Foi por isto que o Divino Mestre recomendou: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o Espírito
está pronto mas a carne é fraca.” (Mateus, 26:41)
Todavia, o problema em apreço, que é
fundamental, a ninguém deve angustiar, convictos de que nossos propósitos
sinceros de regeneração valem como o testemunho da fé.
Paulo adverte os que irritam os
outros, o que se verifica, seja através de brincadeiras
de mau gosto ou com palavras fortes, isto é, com argumentos cheios de
sinceridade ofensiva, e condena ainda a inveja, sentimento subalterno que
precisa ser combatido em nós mesmos, sinceramente.
Os que usam de franqueza rude, ofendem e revoltam em vez de corrigir, pois nem
todos têm a humildade necessária para ouvir palavras contundentes, mesmo
verdadeiras, sem perderem a calma. Dizem os psicólogos, que nada mais dói do
que a verdade...Dai porque é aconselhável “o
espírito de mansidão”, a que Paulo alude com acerto, nesta Epístola aos
Gálatas, cuja autenticidade o próprio Renan confirma.
Há pessoas sempre dispostas a pilheriar
e muitas não medem a extensão das palavras, e a ironia às vezes fere
profundamente, melindrando o irmão em seus sentimentos delicados, de vez que
cada um tem lá seu grau de sensibilidade, que devemos respeitar, pois não nos é
dado o prazer de faltar com a caridade.
Também é comum observarem-se indivíduos
que nos parecem inferiores, intelectual ou moralmente, ocupando posições de
destaque ou possuindo bens materiais em grande abundância. É aí que surge a
inveja.
Mas nós, espíritas-cristãos, sabemos
perfeitamente que “este mundo é de provas
e de expiações”, como diz Kardec. É muito raro haver justiça na Terra. Mas
assim é preciso, para aprendermos a ter humildade e resignação e também para
pagarmos nossas culpas passadas sujeitos a certos vexames, já que o sofrimento
purifica o Espírito.
XXIV b
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
Entretanto, muitos não concordam com
o fato de uma pessoa cheia de imperfeições possuir uma posição social
invejável. Mas, em primeiro lugar, não devemos julgar o semelhante, como Jesus
mesmo recomendou. Às vezes, ele é melhor do que nós, apesar das aparências.
Quem sabe se, com sua fortuna ou com sua posição social ou política, não
seríamos piores?
Ademais, se há reencarnações,
conforme acreditamos, é preciso que a riqueza e que os postos de destaque mudem
de mão, a fim de que em vidas sucessivas, tenhamos todas as experiências, tanto
a do fausto como a da pobreza. E quando formos pobres, não devemos invejar os
ricos nem os poderosos, porque isto não é atitude de cristão, mas inferioridade
de espírito, que necessita ser corrigida. A inveja é uma desgraça, porque tira
a paz do Espírito, gera
a revolta intima contra a justiça de Deus. É sentimento que precisa combatido
com todas as forças de nosso coração e de nosso entendimento, já que o invejoso
é um infeliz, digno de lástima.
Quando alguém errar, mesmo que seja
surpreendido em alguma ofensa, diz Paulo, encaminhai-o com mansidão. É cristão
termos tolerância ou compreensão para com as faltas alheias e piedade até para
com os criminosos.
Nada de explosões temperamentais.
Precisamos ter controle de palavras e atos, e alta dose de magnanimidade.
Quem erra e reconhece que errou, já
está em caminho da regeneração. Consoante ensina a sabedoria popular, “errar é humano, mas perseverar no erro é
diabólico”. Destarte, se tivermos a oportunidade ou o dever de admoestar a
quem erra, façamo-lo com brandura, isto é, com caridade, a fim de que possamos
tocar em seu coração.
“Se
alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo”,
afirma o apóstolo dos gentios.
“Afinal,
que somos?”, pergunta o confrade Pedro Granja, em interessante obra
espírita. - Espíritos sofredores em provas redentoras, em processo de esclarecimento,
e nada mais! As riquezas, a pobreza, a importância ou a nulidade que tenhamos
aqui na Terra, tudo passará, como já frisava o Eclesiastes. A morte nivelará em
sete palmos de terra, onde só haverá decomposição material. Somente o Espírito
importa, só ele é divino e imortal! Beleza, luxo, conforto, feiura, miséria,
dores, injustiça, tudo será consumido pelo tempo e basta termos paciência, de
vê-lo passar. Portanto, se o que mais interessa são as coisas do Espírito, devemos
cultivar as virtudes, transformar nosso procedimento, tendo o Evangelho como
roteiro, porque é com amor que se adquire a perfeição, onde está a felicidade eterna.
O Céu é sobretudo um estado da alma,
pois o reino de Deus está dentro de nós mesmos, como disse o Senhor Jesus, e
reside em nosso coração e em nossa própria consciência. Cada um é sacerdote de
si mesmo, cada qual é artífice de seu futuro e de seu destino espiritual.
“Mas
prove cada um a sua própria obra, e terá glória só em si mesmo, e não noutro.
Porque cada um levará sua própria carga.”
Quando desencarnarmos, quando nos
despirmos do fardo da matéria, cujo invólucro santo nos é dado para evoluir, levaremos
nossa própria carga, teremos a densidade do perispírito compatível com nosso
estado ou com nosso merecimento, maior ou menor, conforme o caso. Então,
poderemos ascender às regiões superiores da espiritualidade, se tivermos
procedido como cristãos, ou ficaremos chumbados à Terra ou ainda aos círculos
infernais, pois que, na linguagem do apóstolo das nações, “levaremos nossa própria carga”, índice da evolução espiritual,
produto de nossa fé e de nossas obras.
A fé possui também significação para
o progresso do Espírito, porque ela nos encaminhará para a prática das boas
obras, verdadeira moeda com que se adquirem os céus.
Vale a pena reproduzirmos aqui este
pequeno trecho da comunicação de José, um Espírito protetor, transcrito de “O
Evangelho segundo o Espiritismo”, obra imortal de Allan Kardec:
“Inspiração
divina, a fé desperta todos os sentimentos nobres que encaminham o homem para o
bem. Preciso é, pois, que essa base seja forte e durável, porquanto, se a mais
ligeira dúvida a abalar, que será do edifício que sobre ela construirdes?
Levantai, conseguintemente, esse edifício sobre alicerces inamovíveis. Seja
mais forte a vossa fé do que os sofismas e as zombarias dos incrédulos, visto
que a fé que não afronta o ridículo dos homens não é fé verdadeira.”
“E
o que semeia no Espírito, acrescenta Paulo, do Espírito ceifará a vida.”
“E
não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não
houvermos desfalecido. Então, façamos bem a todos, mas especialmente aos
domésticos da fé.”
A regra é semear, indistintamente, a
palavra divina, como Paulo de Tarso a semeou aos gentios, levando a doutrina do
Senhor da Ásia Menor à Europa, afrontando até a frieza enervante dos filósofos
de Atenas, caminhando dezenas e dezenas de léguas a pé, sofrendo fome,
sevícias, incompreensões e doenças, mas pregando sempre a Boa Nova para
regeneração da Humanidade.
A Terra evoluiu e os perigos agora
são bem menores. Portanto, é mister que preguemos com fé e com entusiasmo os
ensinamentos do Redentor, mesmo porque nosso trabalho agora é bem mais fácil...
O Novo Testamento baseia-se no
Velho. Este possui seu lado moral ou religioso, único que nos deve interessar,
verdadeiramente; como legítima base daquele, pois as revelações são sucessivas,
conforme ensinam os Mensageiros do Senhor, que concretizam a falange bendita do
Espírito Santo, o Consolador que o Divino Mestre nos prometeu como terceira
revelação de Deus (João, 14:26 e 16:12 a 14; “O Evangelho segundo o Espiritismo”, cap. I
“Não vim destruir a lei”.
Todavia, façamos o bem a todos,
porque esta é a síntese da lição: e Paulo acrescenta: “principalmente aos
domésticos da fé”. Mas isto não quer dizer que tenhamos ressalvas na prática do
bem, pois a caridade é universal e, de todas, a mais excelsa virtude (I Cor.,
cap. 13).
Aliás, nos sanatórios espíritas, em
nossas casas de caridade, procura-se fazer o bem a todos, sem distinção de
pessoas, de raça ou de religião. Particularmente, porém, é humano que nos
preocupemos mais com os que privam conosco, cotidianamente. Se não dermos
preferência a estes, certo que seremos injustos.
Contudo, à medida que o Espírito se
ilumina, ele não faz acepção de pessoas. Esta será nossa última expressão
evolutiva amar a todos com a mesma intensidade - como o Cristo de Deus nos ama
e como também nos ensina, a fim de sermos perfeitos em unidade com nosso Pai
Celestial.