XIX a
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Não sabeis vós, irmãos (pois que
falo aos que sabem a lei), que
a lei tem domínio sobre o homem por
todo o tempo que vive?”
Epístola aos Romanos,
7:1.
Vivemos no mundo material sob o império
das leis humanas, que coordenam e tutelam nossas atividades; mas, como também
temos espírito, sabemos que a lei divina “tem
domínio sobre o homem por todo o tempo que vive”, conforme a palavra
verdadeira de Paulo de Tarso.
As leis humanas são de vigência
temporária e, portanto, sujeitas a alterações, de acordo com as necessidades do
meio ambiente, em consequência das novas relações jurídicas que surgem entre os
indivíduos, e até entre os Estados, em face da complexidade sempre crescente
dos fenômenos jurídico-sociais. Mas a lei divina é eterna e completa, perfeita
em seu conjunto, tendo força coercitiva estável sobre todas as criaturas do
Universo, e ninguém dela
se poderá esquivar! Todavia, apresenta-se com aspectos diferentes, conforme o carma, ou seja, consoante o grau de
merecimento, de entendimento e de conduta de cada um.
“A
quem muito se deu, muito se pedirá.” Quanto mais elucidado for o indivíduo,
mais responsável pelos seus atos perante a justiça divina.
É por isto que nós, espíritas, não
podemos invocar certas atenuantes para nossos erros porque fomos mais
esclarecidos. Destarte, nossa
responsabilidade é maior perante Deus, e nosso exemplo deve ser o mais puro
possível.
Por consequência, não podemos
demonstrar intolerância para com nossos irmãos de outras crenças, pois sabemos
que cada um gravita no círculo mental ou religioso que lhe é característico, e
que terá da ser superado, quando for exaurido.
Até o materialista, que esgota uma fase
pessoal de entendimento, é aluno de certa classe na grande universidade da
vida.
Assim, os espíritas não devemos
externar incompreensão e nem rudeza para com nosso irmão, pelo simples fato de ele
ainda não poder ou querer subir para a planura iluminada onde pontifica o
Consolador.
Com efeito, o Espiritismo restaura
na Terra o Cristianismo puro; interpreta as palavras do Divino Mestre “em
espírito e verdade” e nos ensina a sermos retos no proceder, pacientes e
tolerantes, cheios de bondade e de misericórdia, perdoando sempre, para sermos
felizes.
Mas como é difícil a ascese ou o
caminho evolutivo, a luta contra nossas próprias imperfeições! É o egoísmo que
sempre devemos combater, através de suas inúmeras expressões inferiores: o
orgulho, a vaidade, a impureza nas palavras ou nos julgamentos, o ódio, a
vingança, a intolerância - e que se manifesta pelo desrespeito à liberdade de
sentir ou de não querer sentir de nosso semelhante -, a ambição, o sensualismo,
enfim, as diversas manifestações das trevas, que escurecem nossa trajetória de
luz.
A lei se concretiza em poucas
palavras, que por sua vez sintetizam a justiça divina, conforme foi enunciado
em Mateus, 16 :27, repetindo as lições do Velho Testamento (I Sam., 2:3): “a cada um será dado segundo as suas obras”,
mesmo porque, até a própria fé, sem obras, é morta (Tiago, 2:17 e 20)
Representamos hoje a consequência
lógica de nosso passado e faremos a colheita do que agora plantamos. Nosso “hoje” é o produto natural do “ontem” e o adubo do “amanhã”.
Se uma pessoa anda fora da lei de
Deus, fazendo o mal, sendo ingrata ou perversa para com sua família, por
exemplo, mais cedo ou mais tarde colherá o resultado daquilo que faz ou de como
procede, porque, como- diz a sabedoria popular, “quando a justiça divina tarda, vem em caminho”...
Devemos procurar viver honestamente.
Nós, homens, sobretudo, somos atacados pelo mal da sensualidade, que
materializa e rebaixa os sentimentos. É mister nos esforçarmos para ver na
mulher, não a fêmea, mas a criatura do Senhor, que merece ocupar um lugar
honesto na Criação, dentro de seu processo evolutivo, sempre entremeado de
dores. Aprendamos a olhá-la como se fosse nossa irmã ou nossa mãe. Respeitemos
e dignifiquemos a mulher, pois Jesus teve piedade até da prostituta, tirando
Maria Madalena do charco para colocá-la, pela reabilitação moral, na
convivência de seus apóstolos. E ela demonstrou ao mundo quanto pode
o poder renovador da fé, pois foi seguidora do Nazareno até o fim,
purificando-se pela regeneração, pela conduta cristã e pelo amor divino!
Nós, homens, geralmente temos o
senso moral intoxicado pelos anseios de gozos inferiores. O sexo é função nobre
e sagrada, quando posta a serviço da produção da espécie, dentro do matrimônio.
Fora daí é círculo escuro de materialidade, que entrava a evolução do Espírito.
Precisamos aprender a domar tais instintos, não os colocando jamais a serviço
de conquistas inferiores, nem de ligações injustificáveis. Há muito mais
nobreza em quem resiste às tentações, do que naquele que cede a um sentimento
pecaminoso que nem merece o nome de amor.
Amor é pureza, é abnegação e
sacrifício. Manifesta-se às vezes, primitivamente, pela atração sexual. Mas é
preciso que se revista de mais nobreza com o correr dos anos. Tem escalas de
elevação, é verdade, mas não se aprofunda no charco da animalidade... Deve
procurar elevar-se, espiritualizando-se.
E que cada um seja fiel à sua
mulher, carne de sua carne, como disse Jesus (Mateus, 19:5), o que nos faz
repetir as palavras do profeta Malaquias “...
e ninguém seja desleal com a mulher da sua mocidade”. (Malaquias, 2:15, in
fine.)
Jesus somente admitiu o divórcio em
caso de adultério (Mateus, 5:32), e fora daí “o que Deus ajuntou não o separe o homem.” (Mateus, 19:6), pois não
temos direito de demonstrar dureza de coração, sejam quais forem as
circunstâncias da vida. Portanto, que cada cristão ou cristã suporte a cruz que
Deus lhe deu para provação ou expiação de seu passado delituoso.
Sim, meus irmãos, nos vínculos
matrimoniais há sempre uma razão, um motivo determinante, que se prende à lei
ou à justiça divina. Não é sem razão que duas pessoas se unem na Terra, pouco
importando os motivos aparentes que determinaram o casamento. Se outrora
escravizamos, se fomos tiranos domésticos em outra encarnação, se não nesta
mesma, é preciso que a lei se cumpra e que nosso carma seja exaurido, pois
temos de pagar “até o último ceitil” (Mateus, 5:26). Se nos revoltarmos, se atirarmos a carga ao
longo da estrada, pior para nós. Deixaremos de evoluir espiritualmente e
teremos de repetir a lição, em encarnações vindouras, tantas vezes quantas se
tornarem necessárias, até aprendermos a ser humildes e misericordiosos. Não
adianta criticarmos a lei divina, nem nos rebelarmos contra seus desígnios, porque
ela é justa e também não dá a cruz superior às nossas forças. Sejamos mais
sinceros para com Jesus, perdoemos sempre, pois quem perdoa será algum dia
perdoado, como ele disse no Pai Nosso, a prece sábia que nos ensinou.
A lei de Deus só se manifesta com
justiça, embora seu rigor, às vezes necessário, seja abrandado pela sua
misericórdia. Somos devedores insolváveis, consoante afirma o Velho Testamento.
Se o Senhor nos cobrasse todos os débitos, jamais nos libertaríamos do jugo do
pecado. Mas os principais, pelo menos, Ele exige, até adquirirmos as virtudes
cristãs, indispensáveis à nossa evolução, à nossa felicidade futura, que será
eterna.
XIX b
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
Então, quando atingirmos o estado de
pureza no mundo espiritual - daqui a séculos talvez -, veremos e
compreenderemos melhor quanto Deus foi e é bom, permitindo certos sofrimentos
para nosso Espírito, indispensáveis à trajetória de luz para o Infinito, que
havemos de trilhar.
Este mundo é sempre perfeito, mesmo
através de suas imperfeições aparentes, pois os desígnios de Deus são
insondáveis e não nos devemos esquecer que vivemos, como ensina Allan Kardec,
em um “planeta de provas e de expiações”.
Muita gente, erroneamente, quer exigir que a Terra se transforme, desde já, em
um Céu, e, como isto não é possível, cai no desespero e vive a queixar-se,
quando se trata apenas de sua própria incompreensão quanto à verdade, por falta
também de resignação.
Cada Espírito encarna no ambiente a
que faz jus ou se liga à família que lhe é apropriada, e as leis de sua
hereditariedade, que são materiais, correspondem exatamente ao seu mérito ou às
suas necessidades evolutivas, porque a lei divina é perfeita, e a ela estaremos
sujeitos, como diz Paulo, por todo o tempo de nossa existência, que é eterna.
Não é escravidão, pois o jugo do Senhor é leve e suave, visando nossa
felicidade. Se nascemos dentro da lei e a ela estamos circunscritos, dela não
devemos querer fugir pela rebeldia ou pela incompreensão deliberada, porque
será pior. Deus é bom e quer nossa salvação. Vibremos em sintonia com sua lei,
que é de amor, certos de que “só o amor
constrói para a eternidade”.
Se alguém nasce na pobreza, por
exemplo, tem o direito de se esforçar para melhorar suas condições pecuniárias,
mas não se deve revoltar com essa pobreza, pois tudo corresponde ao
planejamento divino, que é perfeito. Não há arbitrariedade nem injustiça com os
homens, pois tudo tem sua razão de ser, tudo é articulado e previsto pela lei
de Deus. Mesmo quanto aos governos, certo filósofo sentiu a verdade, quando
afirmou: “cada povo tem o governo que
merece”. Mas isso não quer dizer que o homem ou a Humanidade se quede
indiferente a tudo, porque o progresso individual e coletivo tem de ser
alcançado pelo esforço ou pelo trabalho próprio. Mas, se temos liberdade de
ação, essa liberdade se circunscreve ao plano do determinismo divino, à vontade
de Deus. O esforço deve ser nosso, porém, o coroamento da obra a Ele pertence,
porque conhece melhor o coração de seus filhos.
Até a percepção ou o entendimento tem um
limite, e varia de criatura a criatura, conforme seu grau de evolução. Todos
temos nossa “zona lúcida”, a
expressão máxima da consciência individual, além de cujo ponto não podemos
avançar, nem perceber. Somente
as encarnações sucessivas vão ampliando nosso campo de experiências e
aumentando nossa inteligência, sendo certo que em uma encarnação, por exemplo,
poderemos evoluir mais do que em duas outras anteriores, se nos esforçarmos no
sentido de compreender a ciência e a moral, sendo úteis a nossos irmãos.
Evolveremos à medida que vamos perdendo o egoísmo e tornando-nos iluminados
pela ciência e pelo amor, que é individual, mas também universal: “Ama a Deus sobre todas as coisas e o próximo
como a ti mesmo; nisto
se resumem as leis e os profetas.” Mateus, 22:37 a 40; Marcos, 12:30 a 32)
Há na Terra Espíritos de diversas
idades, porque o Pai cria incessantemente, e sua obra é eterna e infinita. E,
por isto mesmo, não devemos ser intolerantes para com nossos irmãos que
gravitam ainda em círculos mentais atrasados, de religiões singelas e
primitivas, nas quais ainda se adora a Deus através de dogmas ou de rituais,
assim como os que têm um verdadeiro tabu ou um apego exagerado à letra das
Escrituras, olvidando ainda as palavras de Paulo de que “a letra mata e o espírito vivifica”. É mister “tirar da letra que mata o espírito que vivifica”, compreendendo que
as palavras de Jesus são “espírito e vida”,
e que devem ser traduzidas sempre num sentido de tolerância, de perdão e de
caridade.
E, fácil concluir do que afirmamos,
de acordo com os ensinos dos Espíritos superiores, que a verdade absoluta não
está na Terra. A parte que dela possuímos, vive fragmentada em todas as
religiões, com maior ou menor intensidade, perceptível consoante o entendimento
ou conforme o grau de amor do crente para com seu semelhante, porque Deus é a
verdade e Deus é amor. Logo, a verdade suprema é o amor.
Mas a religião que contém em si uma
fração maior da verdade, porque ensina a perfeita maneira de amar a Deus e o
próximo, é o Espiritismo, a Terceira Revelação, o Consolador prometido aos
homens por Jesus (João, 16:12 a 14 e 14:26).
O Espiritismo é a religião que nos
ensina a compreender mais exatamente o mecanismo da lei divina: lei que é justa
e misericordiosa, cheia de bondade, malgrado as asperezas da vida, a jornada de
nosso calvário; lei que tem domínio sobre o homem, como diz o apóstolo Paulo, mas
cujo jugo, quando o Espírito a ela se torna submisso, é leve e suave; lei plena
de piedade para com todas as criaturas, pois o que erra pode repetir a lição,
de vez que não será condenado, irremediavelmente, ao inferno; lei que deseja
com muito amor “que ninguém se perca, mas
que todos se salvem e tenham a vida eterna”.
Sim, meus irmãos, é esta a lei de
Deus, que o Espiritismo veio demonstrar à Humanidade. E algum dia, através de
vidas sucessivas, todos se convencerão de que “só o amor constrói para a eternidade”. Então, haverá “um só rebanho e um só pastor”, conforme
disse o Senhor Jesus, em João, 10:6.
“Os
tempos estão chegados”, como anunciam os Espíritos que se comunicam com os
homens de boa vontade. Cumprem-se as profecias de Joel prenunciadoras de
melhores dias:
“E há de ser que, depois, derramarei o meu
Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os
vossos velhos terão sonhos, os vossos mancebos terão visões.” (Joel, 2:28)
É o fim deste ciclo evolutivo da Terra,
que ora se manifesta, às portas do terceiro milênio.
Mas a lei de Deus continuará a ter domínio sobre os homens, conforme
a palavra autorizada de Paulo, nesta imortal Epístola aos Romanos.
A lei divina é da evolução eterna no
amor, dando a cada um segundo as suas
obras. Deus é amor (I João, 4:8). E nós estaremos sempre jungidos a essa
lei de amor evoluindo sempre, dentro desse amor!
Nenhum comentário:
Postar um comentário