V
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Mas em breve irei ter convosco, se
o Senhor quiser,
e então conhecerei, não as palavras
dos que andam inchados, mas a virtude.
Porque o reino de Deus não consiste
em palavras, mas em virtudes.”
Iª Epíst. aos
Coríntios, 4:19 e 20
Se o conhecimento é suave ao
espírito, como se lê em Provérbios, 2:10; se a sabedoria é ali considerada como
coisa principal (idem, 5:7) porque dá a consciência do bem e do dever, é também
verdade que, como diz Paulo, “o reino de
Deus não consiste em palavras, mas em virtude”.
Pregar ou escrever é relativamente
fácil para quem possui pendor para divulgar a moral evangélica. E isto não é
inútil, porque elucida e consola. Todavia, o problema fundamental do cristão
é a instalação do reino de Deus dentro de sua alma, o que se consegue pela
transformação do próprio eu e pela prática reiterada do bem.
O início da ascese está no
arrependimento:
“Desde
então começou Jesus a pregar, e a dizer: Arrependei-vos, porque é chegado o
reino dos céus.” (Mateus, 5:17)
Sabemos que é grave a
responsabilidade de quem fala ou de quem escreve, porque, antes de tudo, está
falando ou escrevendo para si mesmo; se infringir o que disse, pecará sem
atenuantes, isto é, conscientemente.
Assim, por vezes, no ardor de uma
dissertação, talvez inspirado pela misericórdia divina, temos a consciência
plena de que as palavras proferidas são ditas, antes de tudo, para nós mesmos.
Recebemos certa vez o recado de um
Espírito: “Já conheces bem o Evangelho,
meu amigo. Aplica-o agora em tua vida e procura também ser humilde e tolerante.”
Longe de nos aborrecermos, agradecemos-lhe, de coração, a advertência, convicto
como estamos de que muito temos ainda a evoluir.
Vem a propósito mais um provérbio de
Salomão (8:13):
“O
temor do Senhor é aborrecer o mal.”
Mas como é difícil ao “homem velho” deixar de ser “inchado”, para usarmos a expressão do
apóstolo, já que a vaidade é defeito comum e até - pode-se dizer - uma das
características do gênero humano!
Foi por isto que o Eclesiastes
afirmou (1:2): “Vaidade de vaidades! É
tudo, vaidade.” Entretanto, este livro bíblico tirou, afinal, uma conclusão
(12:13) :
“Teme
a Deus e guarda os seus mandamentos; porque este é o dever de todo homem.”
E o seu verdadeiro caminho,
acrescentamos...
Sim, mais agradável ao Senhor é a
prática do bem, o respeito aos mandamentos, do que o simples uso de palavras ou
as discussões em torno da doutrina. Foi a divergência ou a intolerância
religiosa que levou muita gente às fogueiras da Inquisição. Ardem ainda as
consciências no remorso, recordando tão hediondo fruto do fanatismo. Matar ou
perseguir em nome de Deus, é talvez a mais abjeta das heresias.
Consola-nos saber que a difusão da
verdade, sem imposição, é também obra proveitosa e uma das maneiras de resgate
dos débitos, já que a semente do Evangelho pode cair em terreno fértil ou
preparado para a germinação, chamando irmãos ao redil, em nome do Senhor.
É por isso que apreciamos e
recomendamos as boas leituras. Ademais, “água
mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, como diz a sabedoria popular.
Realmente, em contato cotidiano com
os bons livros e, sobretudo, com a palavra edificante da Bíblia, muito
poderemos aproveitar.
É preciso que nos transformemos para
Jesus, não por simples misticismo, mas para nossa própria felicidade.
Quem estuda, procura evoluir. E quem
transmite, seja pela palavra escrita ou falada, dá o testemunho da crença e um
pouco do coração aos seus semelhantes.
Assim, não busquem saber de que vaso
jorra a palavra ou se a nascente é poluída; olhem para o sentido e para a
qualidade da doutrina. Basta que o regato tenha sido purificado pelo crisol
eterno, isto é, que a água esteja filtrada nos ensinamentos de Jesus para
merecer ponderação.
Paulo também dali se abeberou. O
convertido de Damasco legou-nos suas epístolas imortais, que tanto serviram e
tanto servirão ainda para vulgarizar a Doutrina Cristã.
E até hoje, quase vinte séculos
depois, notam-se o mesmo brilho e o mesmo perfume que se evolam de tais
ensinamentos, desdobrando e comentando os do Divino Mestre, que são a síntese
da moral evangélica e o roteiro da salvação.
Examinando as Epístolas de Paulo, o
que se observa, além dos conceitos, é a linguagem em que foram vazadas, clara,
escorreita, exata, admirável mesmo, sobretudo tendo-se em conta que elas foram
escritas há tantos séculos. Nós, que cremos, temos a convicção de que o
Espírito Santo o assistiu, dada a facilidade que teve para escrever em
linguagem tão simples e tão edificante, mas sempre atualizada para os séculos a
fora.
Entretanto, recordando ou apreciando
a Paulo, tenhamos sempre presente sua imorredoura lição:
“O Reino de Deus não consiste em
palavras, mas em virtude.”
Esta afirmativa corresponde à base
da justiça divina, que está no Novo como no Velho Testamento:
“A
cada um será dado segundo as suas obras.” (Mateus, 16:27; Isaias, 59:18.)
Não basta a fé, nem bastam as
palavras. É preciso que os atos correspondam àquilo que diz o coração.
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