domingo, 25 de agosto de 2013

O Desejo de ser Feliz



O Desejo de ser feliz
José Brígido (Indalício Mendes)

            - Vim em busca de ti, Galaor, porque me disseram que podes ensinar-me a conquistar a felicidade.

            - Exageraram-te os meus préstimos, Isaman.

            Apenas poderei dizer-te que encontrarás o roteiro da felicidade na exemplificação das normas do Grande Livro. Mas não se trata de fácil tarefa. Terás de renunciar a tudo, até a ti mesmo, para que te ponhas em condições de lutar pelo que desejas.

            - Vejo, então, que me iludiram. Adeus, Galaor!

            - Desejo que sejas feliz, mas só o meu desejo não basta. Cumprir-te-á o sacrifício da porfia, Isaman. Não peço para ti dinheiro, mas felicidade.

            - Se não me desejas dinheiro, como queres que eu seja feliz? Tudo no mundo gira em torno do dinheiro e nada se pode fazer sem ele.

            - Enganas-te. O dinheiro foi inventado pelo egoísmo e este é mantido na Terra pela ambição que ele suscita. Repara que os mais apegados ao dinheiro são justamente os mais egoístas. E necessariamente os mais infelizes. Aprende também, Isaman, que o homem poderoso não é o que pode dispor de exércitos ou assalariados para impor sua vontade. O homem mais forte é o que reconhece a sua humildade e dela se utiliza através do bom senso. Nem é o mais rico aquele que acumula arcas transbordantes de ouro e pérolas. Só a simplicidade pode conduzir o homem à realidade das coisas.

            - Então, qual é o homem mais rico?

            - O que tem menos necessidades...

            - Estás equivocado. São muitas as necessidades que me afligem, e crescem depressa. E não me sinto feliz. Sem dinheiro irei ao desespero. Agradeço-te os conselhos, mas tenho cá as minhas ideias. Adeus, Galaor!

            - Lembra-te de que o dinheiro é traiçoeiro. Hoje o persegues, amanhã dele serás escravo. A fortuna nem sempre faz afortunado a quem a possui. Não há maior riqueza que a paz do espírito, Isaman.

            - Sou moço, tenho ideias diferentes. És velho, não tens mais energia nem coragem para lutar. É natural.

            - Não multipliques tuas preocupações. a felicidade dos poderosos é ilusória. Muitas vezes os argentários sorriem porque se envergonham de chorar. O excesso de dinheiro não é recompensa, é castigo.

            - Que seja! Quero ter tudo quanto a vida nos dá de melhor: belos cavalos, luxuosas carruagens, servos, propriedades, poder, prestígio... A vida terrena não tolera a pobreza, mas respeita e rende homenagens à riqueza. Impera sempre a lei do mais forte e do que tem mais. Esta é a lei do mundo.

            - Estás iludido, Isaman. A lei do mundo chama-se "Lei do Retorno", "Lei de Ação e Reação" ou "Lei de Causa e Efeito". Esta, sim, é a lei que rege a nossa conduta na Terra e no mundo espiritual. As alegrias e tristezas de hoje podem ser influenciadas pelos atos que realizámos no passado e em outras vidas. Temo por ti, por isto é que te falo mais do que é de meu hábito.

            - Está bem, Galaor. Fica com as tuas ideias. Eu vou partir. O mundo exige de nós audácia, energia e presteza. Se não tomamos a iniciativa de atacar a Natureza, ela nos atacará, esmagando-nos. Se a dominamos, dela tudo conseguimos.

            - Não te deterei mais. Aprende que na vida não há prêmios nem castigos especificados: há consequências. Ninguém foge à Lei de Causa e Efeito, seja grande ou pequeno, forte ou fraco, rico ou pobre, são ou enfermo. A Lei existe para todos e todos lhe estão inelutavelmente sujeitos. Adeus, Isaman!

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            Os anos se multiplicaram.

            Um dia, Galaor estava à beira da estrada, quando vê aproximar-se enorme e rico cortejo. Belíssima carruagem, puxada por quatro cavalos brancos, vem precedida de luzido grupo de cavaleiros, magnificamente montados em ginetes brilhantemente ajaezados. Passaram todos a galope, cobrindo o ancião com o pó fino e quente da estrada ensolarada. Mais adiante, porém, a carruagem parou e dela saiu um homem alto, de olhar triste e porte quebrantado. Devia ser poderoso, pelos trajos que envergava e pelo aparato da comitiva. Dirigiu-se vagarosamente a Galaor:

            - Quem és?

            - Sou aquele que vê o tempo passar sem amargura nem aflição...

            - Porque o dizes? Tua resposta não é respeitosa quanto mereço.

            - Nada disse para magoar-te. Se te magoas é porque tens a consciência perturbada. Se tua consciência se agita, é porque algo fizeste em desacordo com a Lei. Se transgrediste a Lei, responderás por isso. Vejo o tempo passar, foi o que disse, porque sei que o tempo não espera por ninguém. Não me reconheces, Isaman? Quiseste ultrapassar o tempo, correste muito e te acabaste, porque o tempo sempre chega primeiro que nós... Não te lembras de Galaor?

            - Galaor? Galaor... Galaor... Ah! Lembro-me agora! Eu era jovem e ambicioso, ele.., Onde está ele?!

            - Está vendo o tempo passar, Isaman...

            - És tu? Pouco mudaste. No entanto, não te reconheci; Vê como estou, a que cheguei! Fiquei rico, poderoso, influente. Para triunfar, tive que esmagar muitos sob meus pés. Tive de endurecer o coração para que não me enternecessem as lágrimas dos que sofrem por minha causa. À medida que o meu poder aumentava, cresciam os que se cevavam na minha autoridade, bajulando-me, traindo-me. Os invejosos me atormentam desde então. Nunca se satisfazem aqueles a quem ajudo. Acusam--me, mentem e se desdizem sem dificuldade. Ah! às vezes penso que é melhor ser pobre e obscuro, do que rico e cortejado. Ninguém inveja o pobre, ninguém se preocupa com o obscuro. Além disso, o rico e o poderoso recebem pesados juros de ódio e malquerença.

            - Por isso foi que te aconselhei a temer o dinheiro, ele é por demais perigoso, mas sempre pode haver uma esperança, Isaman.

            Apanhando o Grande Livro, Galaor entregou-o ao recém-chegado, dizendo-lhe:

            - Ainda poderás ser feliz, Segue o roteiro que o Grande Livro regista, põe a tua fortuna e o teu poder a serviço do bem, esquece de ti nas vinte e quatro horas de cada dia; lembra-te de teu próximo, ajuda-o, socorre-o, dá o mais que puderes, sem exigir retribuição de espécie alguma. Se assim o fizeres, um dia encontrarás a felicidade.

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            Numa noite clara de primavera, céu marcado de estrelas brilhantes e a Lua inteiramente iluminada, Galaor, retirado em seu eremitério, ouviu uns passos tardos que machucavam as folhas secas do caminho. Esperou pacientemente por quem chegava. Minutos depois, um homem mais moço do que ele, mas de semblante gasto pelo tempo, surgia com a face lavada de luz.

            Ambos se abraçaram comovidamente. Por entre soluços de alegria, Isaman exclamou:

            - Galaor: encontrei finalmente a felicidade! 

            E os ecos de sua ventura se repetiram pelas montanhas contíguas...

Reformador (FEB) Março 1959

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