Espiritismo
e Personalismo
Boanerges da Rocha (Indalício Mendes)
Reformador
(FEB) Abril 1959
Um
dos mais graves e difíceis problemas de qualquer grande coletividade é o
personalismo. Ele perturba a tranquilidade de que necessitam os que continuam
trabalhando pelo fortalecimento do ideal que os congrega, dissemina o
descontentamento, espalha a dissensão, promove desentendimentos, lança a
discórdia, estabelece prevenções, enfim, realiza obra verdadeiramente
diabólica, muito mais destruidora do que a ação maléfica dos adversários
declarados e ostensivos.
Fora
de dúvida, o Espiritismo, principalmente pela natureza extremamente liberal da sua Doutrina, está muito sujeito às consequências
ruinosas do personalismo. Os espíritas que se conservam fiéis aos princípios
doutrinários, que se esforçam por seguir as determinações evangélicas, podem, e
o vêm fazendo, neutralizar em grande parte os efeitos dissolventes do personalismo.
É preciso, contudo, que haja permanente vigilância, porque o movimento
espírita, por sua alta e nobre finalidade, não deve sofrer alternativas decorrentes da incompreensão daqueles
que são brilhantes na exteriorização de seus talentos, mas pouco eficientes no
que diz respeito à exemplificação dos ensinamentos contidos nas obras
codificadas por Allan Kardec.
O
legítimo espírita se define pelos atos e atitudes em sua vida pessoal. Na horas
aflitivas, em que a tolerância e a fraternidade devem surgir de mãos dadas, ele
procede com serenidade e desejo conciliador. Não busca jamais criar embaraços
ao trabalho dos companheiros, e se, porventura, algo se fizer passível de
crítica ou censura, há maneiras adequadas para a análise profunda, o exame
imparcial e a conclusão necessária ao esclarecimento justo. Dentro do Espiritismo
não deve haver lugar para o culto personalista, porque este envolve o egoísmo,
a vaidade, o orgulho, o despeito e a revolta. Um espírita, na verdadeira
acepção do termo, deve ser despido desses atributos negativos ou, se os tem,
realizar até ao sacrifício os maiores esforços para dominá-los. Quando há
humildade, há Espiritismo cristão. Quando há personalismo,
não há Espiritismo, porque o antagonismo entre os dois é evidente e irremediável.
Muitas
vezes, os mais perigosos entraves ao progresso do Espiritismo são causados, não
pelos inimigos conhecidos da Terceira Revelação, mas por pessoas que, havendo
ingressado no movimento, trouxeram consigo preconceitos e erros velhos, dos
quais não souberam desvencilhar-se ainda, porque, embora suponham o contrário, não
conseguiram assimilar as lições da Doutrina e do Evangelho segundo o
Espiritismo. Mantêm-se na superfície, convencidos de haverem já penetrado o
âmago de tão profundos ensinamentos. Em tais condições, em lugar de ajudarem o
Espiritismo a superar os obstáculos naturais, criam-lhe outros obstáculos, mais difíceis,
por se encontrarem camuflados pela condição de amigos e adeptos da Terceira
Revelação. E eles não se apercebem do mal que fazem ao movimento, perturbando a
unificação, realizando a dissociação através de divergências que o personalismo
acoroçoa e desenvolve e acumpliciando-se inconscientemente com os inimigos do
Espiritismo.
Tudo
isto, porém, fora previsto por Allan Kardec em “Obras Póstumas”. Quer dizer
que, nestas condições, os que têm noção real das responsabilidades assumidas
pelo espírita consciente de seus deveres, estão prevenidos e juntos na defesa
dos princípios básicos da Doutrina, formando uma barreira à obra destrutiva do personalismo.
Mas, enquanto tal acontece, perde-se precioso tempo, que poderia ser utilizado para
a ampliação cada vez maior do Espiritismo. O espírita não ataca, não trai, não
intriga, não se revolta, não mente, não calunia, não falseia os preceitos da
Doutrina nem se mostra indiferente aos postulados evangélicos. A criatura humana
está neste dilema: ou é espírita ou não é espírita. Se o é, cumpre a Doutrina e
o Evangelho; se age de maneira diversa, evidentemente não é espírita. Demais, é
perfeitamente natural que sobrevenham tantos empecilhos, porque nem mesmo Jesus
pôde subtrair-se às perfídias e à traição.
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