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‘Rimas do
Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
A
Bênção do Papa
Esquecido de que o
mundo atualmente
é herege demais e
um pouco independente,
quis o papa reaver
a soberania que, em
eras recuadas,
fazia o Santo Padre
ter almas agrilhoadas
ao seu santo poder.
Ó vigário de Deus,
ó pai da Humanidade,
a tua pretensão de
ter autoridade
por sobre as criaturas
é tanta que tu
sobes a alpendre, enfeitado
com tiaras e insígnias,
e, meio atordoado,
espalhas das
alturas,
não a benção, mas
gesto incrível do histrião
que contempla de longe a tola
multidão,
na ironia mordaz,
e coberto de pompa
em glória passageira,
agrada, ao mesmo
tempo (ingênua brincadeira!)
Jesus e Satanás.
Já não podes erguer,
meu caro, a tua mão,
Nem para dar a
bênção, nem a maldição,
meu pobre soberano;
não tem valor algum
o poder temporal,
e o vento da
Descrença é rijo vendaval
que ameaça o
Vaticano.
E como está
grassando a forte epidemia,
ao espiritismo, ó
papa (sem leve ironia)
ergue a mão
benfazeja,
por sobre os que
perderam de todo o seu juízo
e, abraçando a
Verdade, dão sério prejuízo
a santa madre
Igreja.
Queria o santo
padre estender sobre o mundo
o véu do seu pudor, como o pálio profundo
- mas isso é
impossível.
pois já muito país,
herético, sem fé,
atira sobre o papa
e sobre a santa sé
o escárnio
inflexível.
Afrontando o
esplendor viril da Evolução,
ousadia tiveste de
erguer tua mão
para abençoar o
mundo...
Meu pobre general,
esse ato de bravura,
em face do Progresso,
é gesto de loucura
ao clero moribundo.
Bem queria reaver a
Igreja esse domínio
perdido, e
continuar a obra de extermínio
que a História
registrou;
mas deve desfazer
essa infantil quimera.
Para os débeis
cativos brilhou, da Nova Era,
o sol que os
libertou.
Outrora, a
Humanidade era um magro rafeiro (indivíduo impertinente)
que beijava a sandália
a mortal altaneiro,
senhor e soberano,
que tentou sepultar
em Erro, eternamente,
como um cego réptil
na lama deprimente,
todo o gênero
humano.
Nesse tempo, a
Consciência estava encarcerada
na jaula do Terror,
e, sempre amedrontada,
obedecia a algoz...
E o santo padre
orava em frente do sacrário,
jurando encher,
encher o seu profundo erário,
com ambição feroz.
Falar na Evolução,
falar em Liberdade
era um crime fatal
de lesa majestade
que a justiça
punia,
e era o Fanatismo
um mal contagioso,
que prostrou muito
tempo o mundo temeroso
aos pés da
Sacristia.
Curvava-se o
Direito, agachava a Justiça
ao látego
inclemente e rijo da Cobiça
do cero vitorioso,
e, sob o jugo atroz
do vil clericalismo,
os homens resvalavam
a profundo abismo,
horrível,
tenebroso.
A crença - que
fazia as almas, piamente,
viverem sob os pés
de um santo intransigente
mais tarde
enfraqueceu;
embora esse
edifício queira inda ser forte,
lançando um desafio
ao vendaval da sorte,
- mas a base
tremeu.
Às vezes, o Oceano,
em cólera espumante,
atira contra a
praia, inerte e confiante,
os grossos
vagalhões,
e, no redemoinho da
água revoltada,
a trêmula barquinha
soçobra quebrada
à fúria dos tufões.
E quem pode aplacar
a fúria do Oceano?
Tem bem a
semelhança o pensamento humano,
nessas lutas titânicas,
quando ele,
revoltado, busca a Liberdade,
derruba os empecilhos
frente à atrocidade
das borrascas satânicas!
Lançar a bênção
sobre o mundo, atualmente,
é o mesmo que
lançar um pingo de água ardente
num rio caudaloso:
o efeito, procurai
que não haveis de achar.
O clero não tem
força pra retrogradar
um mundo
esperançoso...
O papa, não repitas
essa ideal tolice!
Eu sei que é
ingenuidade, eu sei que é caduquice:
mas peço, meu
irmão,
em vez de abençoar
os homens, pede a Deus
que te abençoe a ti
e mais a todos teus
irmãos de
profissão!
E, posso
afiançar-te, Deus bondosamente
volverá sobre ti o
facho complacente
da luz do Seu
olhar;
Ele é o Pai Divino que acolhe o
arrependido
e levanta do chão o
mísero caído,
com Bondade sem
par.
E ao Cristo, que é
o Pastor de toda a Humanidade
- a quem legou o
fruto da Verdade
para a fortalecer,
tu deves implorar, ò
pretenso pastor,
que te conceda Ele
o seu divino Amor
e te alumie o ser!
Para a Alma que vai
cambaleante, aflita,
através do furor
insano da Desdita,
só existe uma Luz,
um único fanal, uma
única esperança
que a pode conduzir
à Bem aventurança:
- a bênção de Jesus!
28 de fevereiro de 1929
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‘Rimas do
Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
Apêndice
Críticas
e Réplicas
Tendo sido divulgada na imprensa, a
título de reportagem, a composição BENÇÃO DO PAPA, alguns dias depois veio o cônego Andrade
Pinheiro, figura de destaque no clero paraense, comentar, pelas colunas de órgão
católico, aqueles versos com as seguintes palavras:
“A
Benção do Papa e o Espiritismo
Se há neste mundo e entre os homens,
na vida humana, na família e nas nações bem como nas sociedades polidas, coisa
que mais mereça respeito, consideração, acatamento, veneração é a bênção dos pais.
Despreza-la fora injustiça, fora loucura, fora falta de senso, fora queda da
razão, fora a mais nojenta descortesia, fora a negação de um dos mais nobres
sentimentos do coração humano, que é a gratidão, A bênção de um pai, de um
amigo, de um protetor, de um dos nossos avós, de um padrinho, de um ancião
carregado de anos a um jovem na primavera da vida tem um não sei que de
profundamente sagrado e de elevado, que a ela nos curvamos, e lhe prestamos as
homenagens que merece. Se, pois, tão santa e tão respeitável
é uma benção, seja de um grande da Terra, seja de um pequeno deste mundo, e se
é ela objeto de apreço, reconhecimento e respeito, qual não ha de ser o mal em
contrário que é a maldição; nas Sagradas Letras temos e admiramos as efeitos
das bênçãos dos servos de Deus, dos profetas, dos patriarcas e do próprio Jesus
Cristo, Salvador do mundo. Por igual vemos e ficamos estupefatos e
aterrorizados com os efeitos das maldições! Ditoso do filho que todos os dias
recebe o grande benefício da bênção de seus pais; ou presente ou ausente um
filho bem criado recebe a bênção de seus progenitores como uma proteção e um
grande beneficio do céu. Oh! como é doce, como é sublime, como é alvissareira a
benção de uma boa e carinhosa mãe! Como é salutar, animadora e admirável a bênção
de um pai estremecido!
Estas ideias nos correram á mente
quando ao depararmos os assuntos da imprensa diária, nela lemos as blasfêmias
contra a benção do Papa, o maior vulto da humanidade, o pai por excelência dos
fieis católicos, esparsos por todo o mundo universo. Ninguém tão pai como ele,
ninguém tão amigo fiel e carinhoso como ele ! Nemo tam pater (ninguém é pai), como Ele! O que dizia Santo Agostinho de
Deus, podemos com toda razão dizer do PAPA, ENCARNAÇÃO VIVA DE DEUS NA TERRA (1). Vigário de Jesus Cristo na Igreja
universal. Blasfemar da bênção do Papa, benção tão desejada, tão sagrada, tão
digna, tão amorosa e tão cheia das mercês do céu e das graças de Deus, é coisa
inaudita, é coisa que todo o homem de senso e de dignidade deve calcar aos pés
e repelir para bem longe de si, de seu lar e dos seus entes queridos.
(1) Os grifos correm à conta da
transcrição.
Pois, meu caro leitor, esta foi a
blasfêmia ou estas foram as blasfêmias que a seita espiritista ou espiritada
mandara publicar nestes últimos dias na imprensa para edificação dos incréus,
dos ímpios, e para a reprovação e execração dos católicos! A poesia blasfemadora
ou blasfematória diziam que é da pena do finado poeta luzo Guerra Junqueiro.
Mas convém saber que este grande
poeta morrera contrito e arrependido dos seus imensos pecados; renegou seus
erros e impiedades, e mandou que inutilizassem os seus maus livros e os
queimassem, declarando ainda que foram eles os desvarios de sua mocidade e de
grande parte de seus adiantados anos. Logo, foi
o espiritismo cavar nos arquivos do poeta luzo, condenados por ele próprio,
para deles tirar aquela peça (2) que se não pode ler sem asco e sem
horror. Quando o espiritismo se arrisca a tanto é porque está cavando cada vez
o buraco, onde se há de enterrar. Quando o espiritismo atira tão asquerosas injúrias
contra a bênção do Santo Padre, é porque tal seita está completamente
DESMORALIZADA, e perdida no conceito publico. Não se pode compreender como é
que uma seita, que anda tanto com o nome de Jesus na boca se atreva a tamanhos
insultos e desatinos! Não, o espiritismo não é religião, não é nada disto, está
composto de um bando de DESEQUILIBRADOS e blasfemos inauditos! E com isto vai
perdendo terreno na opinião, e no pensar dos homens sérios e criteriosos.
Quando o espiritismo diz tudo aquilo que mandou dizer pela imprensa contra a
sagrada bênção papal, é porque o espiritismo está no desespero e é capaz de
todas as ousadias indecorosas.
(2) Afora o falso testemunho de
afirmar que tenhamos recorrido ao arquivo deixado por Guerra Junqueiro, o que
equivale dizer que esses papeis vieram para o Brasil, - convém acentuar que a
poesia em causa (veja-se página79) se refere ao recente acordo assinado entre
Pio Xl e Mussolini, e que o grande Bardo desencarnou há mais de um lustro, em
1923.
A verdade e a lógica do reverendo
cônego...
Falar mal da bênção do Papa e tentar
menoscabar dela, enxovalha-la em público, cobrindo-a de injúrias e baldões (contratempo,
desventura),
é cair na mais deslavada protervia (ausência de prudência; imprudência ou
insolência) e
no mais assentado descrédito. Até um advogado, que se diz letrado, quis também
dar seu par de meias no injuriar a bênção do Santo Padre. Esse moço bacharel,
com certeza, ainda não estudou e não sabe o que é a Igreja, o que é o Papa e o
que é a bênção do Santo Padre: Ignorância! Aí ficam estes conceitos, bem próprios
a convencer aos amigos do bem, da religião católica e da verdade, qual ódio e a
mendacidade (hipocrisia,
falsidade)
que lavram nos arraiais espíritas contra o Sumo Pontífice, Chefe da Igreja de
Jesus Cristo.
14-3-929.
Andrade Pinheiro
*
O Espírito de Guerra Junqueiro, em
uma das sessões imediatas, replicou. E embora reconheçamos que esses versos não
se destinavam à publicidade, pois eram apenas o reflexo do carinho espiritual
seu para com os do Grupo Espírita ROUSTAING, dirigentes e frequentadores,
julgamos dignos de figurar aqui (o que decerto nos perdoará o magnânimo e
querido Amigo.
Eis a réplica:
Ao Andrade Pinheiro
Pinheiro, a Igreja está bem
desmoralizada, embora que a aparência encubra esta verdade. Quem te fala não é
uma alma aprisionada à Matéria, mas um ser já em liberdade, livre das
convenções, livre das pequeninas coisas que ao Espirito fazem vacilar: meu
irmão, eu
contemplo luzes diamantinas que na existência nunca pude lobrigar. No fim da
minha vida, a perda da memória me fez também perder a luz da Inspiração; para
mim, nada valem títulos de glória da Terra: só desejo chegar á Perfeição. Já
não pode atingir-me sanha dos “ministros”, estou liberto do invólucro material;
podem dar expansão aos ódios seus, sinistros: não causa
mais terror a excomunhão papal!
Tu me tens tanto ódio, e eu te
estimo tanto! e lamento quereres tu, na atualidade, esconder, sob a treva do
enganoso manto do Absurdo, o clarão imenso da VERDADE.
Não me admiro, não, do teu
espalhafato: o clero luta contra a própria EVOLUÇÃO, e, compreendendo que o
Espiritismo é um fato e que o mundo atual não teme a excomunhão, limita-se
vãmente a espalhar pela imprensa um punhado de asneiras à “vil heresia”,
tentando inutilmente implantar a descrença e os humanos cegar a pó de sacristia...
Continuo a afirmar que o abuso e a
mentira são males que merecem guerrear cerrado: eu enfrento com calma o fogo da
tua ira, embora me intitules - desequilibrado.
Mas... não diz que o “papa é a encarnação de Deus”, quando ele
é apenas um grande industrial que já fez dizimar inúmeros ateus - por terem
descoberto a farsa clerical.
E como era costume o papa,
antigamente, do alto - do seu trono abençoar o mundo, agora Pio XI,
audaciosamente, reaver de novo quis esse poder profundo na época atual. Mas
isto já é cúmulo da audácia, pois afianço: dos dogmas a fúria não pode sufocar
as vozes do
Além Túmulo; Espíritos não temem protestos da Cúria!
O clero, por astúcia, tem o
atrevimento de insultar a doutrina que prega a VERDADE, e no tumultuar do seu
desvairamento busca sempre enganar a pobre Humanidade.
Toda essa multidão de homens de
batina, que tenta acorrentar a consciência humana, não poderá manchar a sagrada
doutrina que os humanos conduz à senda soberana.
Ninguém pode fugir à real evidencia,
embora os clericais pretendam reduzir a cinza estes ensinos que na consciência
humana esclarecer vem um novo porvir.
Eu bem que te compreendo, ó Andrade
Pinheiro! O meu olhar arguto penetra a tua alma: o Espiritismo, vês, se espalha
ao mundo inteiro, - eis o motivo que te faz perder a calma!
Engolindo Jesus, na “hóstia consagrada”,
e bebendo o seu sangue em vinho preferido, os padres bem compreendem que isso é
uma farsa, mas apregoam que no - JESUS DIGERIDO - está “santo mistério”, uma coisa
extraordinária - que cristãos nao devem buscar analisar, pois merece castigo a
alma salafrária que indagar por que o CRISTO SERVE DE MANJAR! Isto seria
escandaloso para os homens honestos que trincam, fervorosos, hóstias diariamente:
provocaria grandes e ríspidos protestos no seio virtuoso da piedosa gente! Mas
como o Espiritismo é medonho invento do sábio Satanás (que é um clérigo
ilustrado), conseguiu acender no humano pensamento a luz que ao clero faz
tombar, desnorteado; - a Igreja, que simula ter toda a verdade e há séculos tem
lançado anátemas às seitas, já não pode fugir à dura realidade, agarrada aos
destroços de ilusões desfeitas...
E eis que vê surgir da fria
sepultura um bardo que pensou pra sempre adormecido, e qual gigante de uma incrível
estatura, brandindo enorme lança,- ataca destemido o clero, o cru algoz de ideias
progressistas, que, lépido, procura com habilidade insuflar ódios contra os
espiritualistas e encher de fanatismo a tola cristandade.
Mas não conseguirá eclipsar o sol que
brilhou para o bem do Espírito Moderno, fazendo-o despertar para um novo
arrebol, para a eterna paz, para o sossego eterno.
Meu caro: o Espiritismo é seita “diabólica”,
pois tem como alicerce a luz da CARIDADE e não pratica o BEM como a igreja católica
- que vende os “sacramentos - com toda a piedade...
Amedrontando as almas com ir pro
Inferno, a igreja conseguiu encerrar em prisão a fraca Humanidade que, em pavor
eterno, gemia na pesada e “santa” escravidão; mas, hoje, meu amigo, as coisas estão
mudadas, tudo remodelado pela EVOLUÇÃO, e o Inferno, repleto de almas
condenadas, desfez-se, fulminado ao sopro da RAZÃO!.. (Peço, meu caro, que te
acalmes, não te irrites; o ódio prejudica a alma e a saude; um abalo maior é
preciso que evites; Jesus aconselhou a paz, mansuetude.)
E, para terminar, ò Andrade
Pinheiro, embora me fulmine a tua maldição e me batizes mesmo de ímpio, aventureiro,
- eu te rogo que aceites o ósculo do irmão
Guerra Junqueiro
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