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‘Rimas do
Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
Agora, algumas palavras aos de boa
fé, aos que reverenciam a glória imarcescível do Poeta, aos críticos de asseio
intelectual e que respeitam todo o esforço alheio -sincero- e buscam, antes de tudo,
o elogiável, sem o afã de denegrir.
Mesmo os não iniciados nas doutrinas
do Espiritismo, que impróprio seria esboçar aqui, devem compreender que a
personalidade de Guerra Junqueiro não pode surgir neste livro com as mesmas
flagrantes características de quando habitou a Terra.
Desprendido das influências do Corpo
material, cujos cinco sentidos veiculavam para o seu
Espírito as impressões do ambiente; liberto do jugo dos preconceitos e
convenções terrestres, inclusive dos apaixonados e parcialíssimos problemas e
assuntos em que tomou parte; natural é que as exteriorizações do seu Espírito
(Pensamento-Personalidade) se ressintam desse novo estado, da maneira nova de
encarar os homens e as coisas do mundo terráqueo.
Apreendendo toda a extensão e importância
dessa Verdade, que é a sobrevivência consciente, individualizada do Espírito,
Guerra Junqueiro, apóstolo que foi de um cristianismo mal definido talvez,
porem vivido nos seus versos imortais, voltou as energias da sua vontade para
pregoar esse princípio máximo, básico de toda a Ciência da Vida subjetiva, e ei-lo
dizendo das certezas do Espiritismo, não, quiçá, do Espiritismo ainda impreciso
- em alguns pontos de nossos dias, mas da - doutrina que afirma e estuda a
comunicação dos desencarnados com os humanos.
É mister não esquecer que, um ano
antes de desencarnar, Guerra Junqueiro proferiu a eminente
literato, seu amigo, estas palavras: “Dizem por aí que eu estou católico. A
nota publicada
nas minhas PROSAS DISPERSAS, ao artigo - Sacre Coeur, tem sido mal
compreendida... O catolicismo é grande pelo que nele se mantém do cristianismo.
Sou um crente; creio em Deus, mas não abdico do meu raciocínio, e o meu raciocínio
combate os erros da Igreja, que foram muitos e graves. Não sou católico em sentido
vulgar do termo. Não pratico. Sou, porém, cristão, e sempre o fui" (1)
(1) - João de Barros. DE PORTUGAL- Ouvindo
Guerra Junqueiro. ‘Gazeta de Noticias’, do Rio de Janeiro, de 16 de Março de
1922.
E se nas improvisações que formam
estas RIMAS
DO ALÉM TUMULO ainda ressurge o instigador da igreja romana, isso é prova de
que o ingresso no mundo espiritual não equivaleu uma gavage da estrutura intelectiva, a uma varrição das ideias e
crenças que orientavam a sua inteligência,
razão, raciocínio, consciência, ou que melhor nome se adote para o Espirito.
E também quer assim decerto
assegurar o lídimo espírito e verdade dos ensinamentos do Cristo, cujo fiel
sentido, velado na letra do Evangelho, só agora nos chega com o advento desse
Espírito Consolador (Espírito Santo, Paracleto) que foi prometido, bem diferente
das interpretações dadas pelas diversas subseitas em que se multipartiu a
primitiva igreja cristã.
E porque a crítica, sem duvida, ira
fixar-se nos leves defeitos de alguns versos, convém acentuar- formalmente -
não ter sido Guerra Junqueiro, jamais, um fetichista do rigorismo na métrica
dos versos, porque nunca sacrificou um belo pensamento, uma feliz comparação,
uma formosa imagem literária, um lema filosófico, um preceito doutrinário, rimados,
às nugas de todas as pausas tônicas de um metro poético qualquer. Entendia, e
acho que muito bem, destacar a espontaneidade da frase, da ideia, com prejuízo
da ortodoxia rítmica, desde que tal não constitui-se atentado clamoroso.
Já pensava e dizia o nosso
consagrado Euclides da Cunha:
... Eu nunca li Castilho.
Detesto francamente
estes mestres crueis,
que atropelam a Ideia
entre «quebrados pés»
e vestem com um
soneto esplendido, sem erro,
um pensamento
torto, encarquilhado e perro,
como um correto
fraque às costas de um corcunda;
porque, quando a
paixão o nosso ser inunda,
e vibra-nos na artéria,
e canta-nos no peito
(como dos ribeirões
no acachante leito
parar- e sublevar)
medir - é deformar.
(2)
(2)
POR PROTESTO E ADORAÇÃO, ed. do Grêmio Euclides da Cunha, Rio, 1919, pag.
230.
Guerra Junqueiro foi um improvisador
genial. As suas produções não sofriam a elaboração torturada a que os “cinzeladores
da forma”, encerrados em gabinetes, costumam submeter os versos que produzem.
Arcabouçadas na imaginação, passavam
ao papel vertiginosas, na mesma avalanche com que haviam sido concebidas no cérebro
do Poeta, vibrantes, impulsivas, desde a origem, mediúnica talvez.
Depois de longas caminhadas, durante
as quais, em contato com a Natura, compunha os versos, di-lo o próprio Guerra
Junqueiro: “Voltando a casa, sento-me à banca de trabalho e, sem uma hesitação, SEM UMA EMENDA,
confio ao papel toda a composição, na sua forma definitiva.
Nunca pude compor de outra maneira. A minha imaginação, para poder criar, é
como certas
aves: precisa ser livre, ter horizontes e ter luz. Céu amplo e terra ampla: a
Natureza em frente”.
Thomaz da Fonseca, seu amigo
verdadeiro, admirador sincero, em um insuspeito e douto estudo sobre o
manuscrito de OS SIMPLES (uma das mais probidosas criticas que já os meus olhos
leram), faz curiosíssimas revelações sobre lapsos do grande Vate, documentadas
com a reprodução zincográfica de uma página autógrafa. (3)
(3) Thomaz da Fonseca. GUERRA JUNQUEIRO - Como
ele escrevia, ed. Coimbra Editora Limitada, 1924, passim.
Não há injustiça, nem irreverência
em dizer que muitos defeitos se encontram nos livros de Guerra Junqueira. Mas
quantas, inexcedíveis belezas!
Sem transpor os limites destas
breves palavras, nem alongar o campo de pesquisas, basta restringirmo-nos ao
Introito da MORTE DE D. JOÃO.
Nesse estupendo prólogo do livro,
que viverá enquanto existir o idioma português no mundo, há, entre inúmeros
senões, estes versos (na medida de 12 sílabas):
Que andas como rei
Lear, pálido, desgrenhado
A tua juba, ó
monstro? Ah! ideal, ideal
Para estabelecer na
luz as curvas sensuais
É uma ideia que cai
do alto de seis mil anos
O boi, o rijo operário,
esse animal antigo
E disse-nos: Jesus,
Sócrates, Platão
Desde o abismo dos
céus aos pélagos profundos
Que hão de surgir
em breve, atléticas, radiantes
No entanto ainda
existe o inferno social
Forçados,
histriões, vadios, concubinas
A vítima é juiz;
pena de Talião
O carcereiro infame,
o hipócrita Luiz onze
Mas, esses versos nem de longe
turvam a formosa concepção das 39 paginas do Introito onde
há sínteses esplendidas que outros bardos não escreveram melhor:
A aurora é um anjo
bom, antípoda do mal
Que a treva inunde
a escola e a honra empenhe a blusa
Onde a razão acaba,
a crença principia (4)
(4) 8ª ed. da Livraria Editora Jacintho
Ribeiro dos Santos, Rio, 1901.
e dezenas de muitos outros plenos de
ensinamentos e encantos de fundo e forma. A
heterodoxia da métrica em Guerra Junqueiro era a consequência da improvisação. Raramente
terá rascunhado: arquitetava os versos na imaginação e os escrevia depois, de
uma assentada, “na forma definitiva, sem hesitações, sem uma emenda.” Fora
desses momentos em que estava junto da mesa de trabalho no lar, não escrevia:
ditava, olhos acompanhando a caprichosa espiral da fumaça do charuto.
Certa ocasião de notívago passeio,
em trio boêmio, acedendo em positivar uma blague pregada
a Gomes Leal, por sugestão de Guilherme de Azevedo, e já em hora alta dessa
noite de boemia, em uma das mesas do Café Central, de Lisboa, tendo por
escrivão Henrique das Neves,
Guerra Junqueiro improvisou, entre outras, esta quadra:
Eu sou a alma
agreste e enorme do rochedo;
eu sou o
evangelista erguido na montanha,
que conserva no
peito o trágico segredo,
que prende a via
láctea ao fio d'uma aranha
cujo último verso ninguém afirmará
seja modelo de correção... (5)
(5)-Henrique das Neves (General)
ESBOCETOS INDIVIDUAES. ed. Parceria Pereira, Lisboa, 1911, pago 27, lº vol.
De outra vez, colaborando na celebre
charge que apareceu n' A PROVINCIA (orgão político de Oliveira Martins), na
segunda-feira de Carnaval, 21 de Fevereiro de 1887, e feita por aquele, Ramalho
Ortigão e Eça de Queiroz, que servia de escriba, coube a Guerra Junqueiro ditar
a parte que inticava com a escola poética de Thomaz Ribeiro. Depois de ditar, a
improviso e por entre as gargalhadas que encheram horas da noite desse memorável
domingo carnavalesco portuense, depois de ditar estas duas chistosas e corretas
quadras:
Sou par do reino,
bacharel formado,
Iírio nevado,
trovador cristão.
Brisas do Tejo que
passais balsâmicas,
epitalâmicas, tará,
tan, tão...
Trazei, pousai-me
nesta fronte bela,
pura e singela;
divinal, gentil,
os beijos castos
que as meninas Peres
dão aos alferes,
sob o céu d’Abril!
mandou escrever esta:
Trazei-me os sonhos
perfumados, ledos,
almos segredos que,
escutando bem,
à meia noite
Julieta arrulha,
quando a patrulha
vai passando além!
cujo terceiro verso não é do mesmo
quilate dos anteriores, nem da cadência dos que se seguiram. (6)
(6) EÇA DE QUEIROZ-IN MEMORIAM,
ed. Parceria Pereira, 1922, pags. 260.
Como que a confirmar a sua
emancipação da ortodoxia de métrica inquisitorial, e em resposta a apreciações
injustas, céticas e incompetentes, disse, certa vez, em uma das sessões públicas
do Grupo Espirita ROUSTAING, ante centenas de pessoas, estas palavras: “Quando improviso,
não conto sílabas a versos; isso é rasteira convenção da Terra. Para os
Espíritos, o
-sentimento- é tudo !”
Aliás, Guerra Junqueiro, como se vê,
falava quase prosa rimada, e daí provavelmente escapar-lhe uma que outra nuga
de metrificação.
O nosso talentoso Paulo Barreto
(João do Rio), reproduzindo palavras que ouviu ao Poeta, escreveu períodos que,
feitas ligeiras alterações, são versos perfeitos. Nessas frases, há orações
assim: “Deus criou o santo, o assassino, o hipócrita. São formas que se não
combinam.” Não se dispende esforço para ver aí dois versos impecáveis, um de
onze, outro de oito sílabas. (7)
(7) ASPECTOS DE ALGUNS PAIZES,
ed. Villas Boas, Rio, 1919, pag. 32.
Mas, aceito por todos ou repelido
por alguns, é fora de controvérsia que o erudito Vate exerceu
grande influência no seu tempo, irradiou prestígio literário e foi mestre de
bons poetas brasileiros. (8)
(8) -Martins Junior. A POESIA
SCIENTlFICA, ed. Imprensa Industrial, Recife, 1914, pag. 10.
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