sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

7. 'Fenômenos de Materialização'




7
Fenômenos de Materialização
por Manoel Quintão
 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
 1942

Os fatos

            Posto fosse nosso companheiro de viagem, não tivemos, a bordo, o ensejo de nos aproximar  do Sr. Eurípedes Prado, o marido da médium. Ao aportar em Belém, ficamos surpreendido ao ler seu nome na lista dos passageiros. Houvemos, pois, de recorrer ao nosso distinto confrade Carlos Souza, digno presidente da União Espírita Paraense, para alcançar daquele uma sessão de materializações. Não o solicitávamos por nós, mas principalmente para podermos trazer ao Rio de Janeiro, qual o fazemos aqui, a prova testemunhal e documental daqueles fenômenos que tantas conversões haviam produzido, inclusive a do Dr.

           Matta Bacellar, médico reputadíssimo e ancião justamente estimado, quão venerado na sociedade paraense, o qual não teve a mínima dúvida em abrir mão dos preconceitos científicos, para declarar-se adepto do Espiritismo, atestando "coram populo" (diante do público)  a veracidade dos fatos.

            Acolhido com extremada gentileza o nosso desejo, no dia, ou antes na noite aprazada, possuído de natural curiosidade, dirigimo-nos à casa do maestro Bosio, no bairro de "Batista" Campos", onde se realizam habitualmente aquelas sessões. A companha (o mesmo que companhia), a assistência que lá encontramos reunida, pode dizer-se, do ponto de vista mundano, era a mais seleta. Pessoas de nome, de ilustração, de conceito e reputação social. De escantilhão memorando: Drs. Matta BacelIar e Pereira de Barros, médicos; Dr. Nogueira de Faria, juiz; Dr. Pena e Costa, promotor público; Dr. A. Morris, advogado; Apolinário Moreira, diretor da Recebedoria do Estado; o maestro Bosio, A. Lucullo, inspetor federal de seguros, Carlos B. Sousa, Adalberto de Macedo e outros. Entre as senhoras, além da Exma. D. Ana Prado - a médium - a família Lucullo e uma filha do Dr. Bacellar.

            A primeira sessão realizou-se à plena luz.

            Nela obtivemos a escrita direta, o transporte de objetos, a manipulação de flores em parafina, esta com luz graduada.

            Um cético já nos perguntou, quando relatávamos os fatos, se no assoalho não haveria algum alçapão... Fútil, a objeção. A sala é pavimentada a cimento. E as paredes? -- lisas como a alma do interlocutor. Não podia haver alçapão... As sessões se realizam nos baixos da casa - o que chamamos aqui um porão habitável - mas suficientemente amplo. O maestro Bosio, que foi cético renitente, tem gosto pelos fenômenos e a nada se poupa a fim de lhes dar toda a nitidez, de modo a convencerem o maior número.

            A sessão fez-se, primeiro, em torno de uma mesa grande e comum, de jantar. D. Ana Prado - a médium - é uma senhora austera, mãe exemplar e esposa dedicada. Católica por educação e tradição de família, hostil, de começo, aos preliminares do seu desenvolvimento mediúnico, só condescendeu em aceitá-los e auxilia-los a instancias do marido. Ciosa da sua reputação e precavida da maledicência ignara (ignorante; estúpida)  e fácil, não é sem escrúpulo que transige na demonstração das suas preciosas faculdades, fora do círculo das suas relações.

            Em torno da mesa, assentamo-nos, todos, mas reparai bem nos detalhes, disto fazemos questão.

            Aqui está (mostrando) um desenho, um esboço do cenário, pelo qual os meus ouvintes mais exigentes poderão fazer ideia do local. (*) A sala tem apenas três portas de comunicação, duas para a frente, e uma para os fundos da casa, e portas das quais o maestro Bosio nos oferecera as chaves. Precaução inútil, todavia, porque o ambiente estava iluminado bastante para que ali não se pudesse insinuar alguém que não fosse imediatamente visto. Demais, que interesse teria aquela gente em enganar-nos e enganar-se a si mesma? Não nos lembramos que houvesse outros móveis além da mesa e cadeiras de que nos utilizávamos. Lembramo-nos, sim, que; ao fazer essa observação, mentalmente consideramos: - retiraram tudo para que se não diga que há qualquer artificio oculto...

            (*) Ver "croquis" da sala, Fig. 1.  



            À cabeceira da mesa, o médium, nós à sua direita e à nossa frente o Dr. Pereira de Barros, que conosco rubricou o papel em que obtivemos a escrita direta.

            À nossa direita ficou o Dr. Bacelar. Pediram colocássemos o papel debaixo da mesa e perto o lápis. Fize-mo-lo, junto, porém, dos nossos pés, de modo a poder, assim, controlar o fenómeno, pelo menos sentir se alguém - embora fechada a sala e perfeitamente unidas as nossas cadeiras se insinuava debaixo da mesa...

            Enquanto esperávamos, o médium, mãos visíveis, conversando - e todos conversavam sobre assuntos variados - apenas se interrompia dizendo: - Ele está pedindo menos impaciência, que pensem em outra coisa, etc., até que deu o sinal "pronto".

            Como atrás dissemos, a sala estava suficientemente iluminada, todos nos víamos, o médium não se achava em transe.

            Mas, dizem os pirrônicos sistemáticos: "por que em baixo e não em cima da mesa?" Respondemos: em baixo, por mais escuro, e mais escuro porque a luz - dizem os Espíritos - tem ação dissolvente sobre os fluidos combinados, dos períspiritos. Que há nisso de extraordinário? São leis e leis que mal começamos a lobrigar.   aqui na Terra, ninguém ilude as leis naturais: assim, por exemplo, ninguém, revela à plena luz do dia uma chapa fotográfica.

            Mas (mostrando), aqui está o papel que eis de examinar. Na parte que ficou para cima, escreveram: “Sofram com coragem as injúrias do padre.”  E no verso, isto é, na parte voltada para o chão: “Coragem meus irmãos, mais sofreu Jesus”.

            O padre, ao qual já nos referimos, é o famigerado pitorra (criança de colo)  Florêncio Dubois, padre francês adstrito a Abadia, como lá dizem, de Nazaré.

            Homem inteligente, mas sem escrúpulos, porque lhe franquearam a primeira coluna de um órgão da imprensa, dela fez pelourinho para denegrir pessoas e coisas espíritas, com grande gáudio da sua ‘claque’ estulta e fanática. Esse padre recebeu-nos – natural que o fizesse – à ponta de faca. Deu-nos de mascate, intrujão, idiota para baixo, só porque, a pedido de distinto amigo, simpático à doutrina – o Dr. Pena e Costa, respondêramos a uma reportagem do “Estado do Pará”, evidenciando a vida e o programa desta casa (1). Com isso, angariou ele uma polêmica lamentável, por si só vasada em terreno pessoal, com  Dr. Pena e Costa, e polêmica que degenerou em processo por injúrias, tais os mimos que se trocaram.

            (1) A Federação Espírita Brasileira..

            De nossa parte, sem procurar revidar ao padre, quisemos aproveitar o ensejo para doutrinar, e, quando mais acesa ia a contenda, ao lado de artigos rubros e escandalosos, tresandando a lodo e fel, inserimos o que escrevemos no Reformador  intitulado "Calma e coerência", a propósito da Pastoral do Arcebispo contra espíritas e protestantes, e cujo fecho é o preceito do - Perdoai não sete, mas setenta vezes sete vezes. Esta nossa atitude, não de passividade incondicional mas de coragem cristã, na vera acepção da humildade, não foi, infelizmente, ao que parece, compreendida pela maioria de nossos confrades paraenses, e daí o sermos nessa mesma folha averbado de místico, quando unicamente fomos racionalista do Evangelho. Não, certo, desse Evangelho por ai pregado ao sabor de todos os esculcas (sentinelas) de pequenas igrejas, mas do Evangelho em espírito e verdade, tal como o inculcam os Espíritos elevados, ou sejam os mensageiros de Jesus. Ao "Estado do Pará" poderia convir que escorchássemos o padre. Era o escândalo. Mas ao "Estado do Pará" não conviria que doutrinássemos Espiritismo, escandalizando a consciência dos seus leitores católicos...

            Assim o compreendemos e deixamos a liça.



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