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“O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...”
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris
Conclusão
A
progressão maravilhosa do número dos cristãos, quando o Cristianismo ainda se
encontrava na sua simplicidade nativa, e as necessidades de organização
disciplinar que daí resultaram desde o começo do segundo século, rapidamente
fizeram surgir a atribuição de uma autoridade predominante a um bispo único em
cada "igreja", isto é, em cada "fraternidade de eleitos",
por pouco importante que fosse.
Mais
tarde, logo após a conversão de Constantino, a adaptação às condições
geográficas e administrativas do organismo romano criou logicamente uma
hierarquia entre os bispos de uma mesma provinda e ,os fez dependentes todos do
titular episcopal do principal centro da província. Depois, o orgulho de
dominação e as pretensões de inteligência que, entre os Gregos, ainda mais
sutis do que os rabinos judeus, imediatamente suscitaram insensatas disputas
teológicas, forçaram os imperadores a convocar os bispos para se reunirem em
concílios e, até, com o intento de fazer que cessassem as disputas, a declarar
obrigatórias, para todos os seus súditos, as definições metafisicas adotadas
por maioria de votos. Mais tarde, no
Ocidente, para resistir aos ataques dos bárbaros e reorganizar o que aquelas
disputas incessantemente desagregavam, a necessidade se fez sentir
progressivamente de centralizar o episcopado reduzido a frangalhos e Roma
estava logicamente indicada para centro natural dessa unificação reparadora.
Desde
então, os papas romanos, admiravelmente servidos pelas ordens monásticas,
organizaram uma hierarquia e uma dependência administrativas, depois um ensino
histórico e uma ortodoxia teológica que, finalmente, por um último concilio
reunido em Roma no ano de 1870, deferiram a Pio IX e aos seus
sucessores a infalibilidade doutrinária e a autoridade total. Pareceria haver
nisso uma simples restauração da "lei de escravidão religiosa" que S.
Paulo declarara abolida pela "lei de liberdade", que é o Novo
Testamento notificado aos Gentios pelo Cristo, em oposição ao Judaísmo, e para,
com efeito, dar corpo a essa ideia de contramarcha, todos os bispos, no dia da
sagração, além da promessa de submissão absoluta ao Soberano Pontífice Romano,
juram manter o Antigo Testamento, a par do novo. Tal, à primeira vista, a ideia,
algum tanto opressiva, que fatalmente sugere o decreto de autocracia papal
imposto ao Catolicismo Romano pelos fins do século XIX.
Mas,
em se refletindo, desde que se creia na inteligência divina e se leve em conta
os obstáculos que lhe opõe a ininteligência humana, é de perguntar se esse
recuo da liberdade cristã não seria análogo – em terreno muito outro - à
retirada militar ordenada pelo general Joffre, para ir ter à primeira vitória do
Marne, e se essa abdicação voluntária do episcopado católico nas mãos do Sumo
Pontífice, Vigário putativo de Jesus Cristo, não poderia, dar, sob uma impulsão
celeste, no estabelecimento do verdadeiro Cristianismo.
Com
o seu exército de bispos, padres, missionários, religiosos e religiosas,
espalhados por toda parte e formados para lhe obedecerem como ao próprio Deus,
o papa poderia, com efeito, produzir no mundo inteiro, com uma só palavra, o
relâmpago e a eletricidade de obediência que acabariam num instante com todas
as divisões, reconduzindo o Cristianismo à sua primitiva simplicidade:
"Deus é o pai de todos os homens e todos os homens devem amar-se uns aos
outros. Somente isto é religião, porque só isto religa os homens entre si. Tudo
mais os divide; não é, pois, religião, mas política, arte ou ciência".
Foi
certamente para lhe dar o poder de efetuar essa volta à revolução religiosa que
Jesus Cristo pregou no primeiro século da nossa era, que a evolução de dezenove
séculos fez do papa o senhor absoluto na Igreja Católica Romana. "Que ele,
pois, ouça, ele que tem ouvido!" Qui habet aures audiendi audiat!
clama-lhe o seu Mestre, Jesus Cristo. Se ele não escutar a voz do Espirito e se
obstinar em querer manter a escravidão à Letra, a Letra matará o Sumo Pontifice
de Roma, como matou o de Jerusalém, porquanto a letra mata, o Espírito é que
vivifica: Littera enim occidit. Spiritus autem vivificat. O Espírito,
ao contrário, unificando sem tirania, nem monopólio todas as Igrejas, ainda
hoje divididas por ortodoxias contraditórias, e reconduzindo-as à Didaquê
primitiva, criaria enfim o verdadeiro Catolicismo: Catolicismo significa Universalismo.
Ah!
sou "uma voz que clama no deserto", vox clamantis in deserto.
Creio, porém, firmemente, que o nosso século é o da passagem decisiva do
Cristianismo para o desabrochamento que de modo claro o Cristo lhe assinalou,
porquanto, segundo diz a parábola evangélica, a unidade de uma árvore tem que
desabrochar numa multidão de ramos dissemelhantes em suas formas e variados nas
suas direções, se bem que vivendo todos da mesma seiva. Esse desenvolvimento
livre é necessário, para que o Cristianismo Romano dê flores, depois frutos,
que o tronco único, embora plantado em Roma, não poderia produzir,
acrescentando a parábola: para convidar e receber "os pássaros do
céu", isto é, os intelectuais, que o tronco inóspito, erguido para o ar
qual cepo, mal atraia e isso mesmo para galhos artificiais e para ninhos
administrativos, com proibição absoluta de deixar que suas ideias se evolem e
batam livremente as asas pelo espaço.
O
que digo com relação à Igreja Romana, digo-o das outras Igrejas: que cada uma,
na vida que lhe é peculiar, facilite cada vez mais a livre expansão dos
pensamentos e das obras e pense, em seguida, nas outras Igrejas que, juntas
todas, compõem o jardim variegado do Catolicismo, isto é, do Universalismo.
"Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo",
diz Jesus Cristo, e "o fruto do Espírito é a caridade, a alegria, a
paz", diz S. Paulo aos Gálatas (1), não os anátemas recíprocos.
(1) Epistola aos
Gálatas, V, 32.
Os
antagonismos das ortodoxias rivais obstam, sem dúvida, a esse preceito divino
de paz e união fraterna; mas, um meio haveria, parece-me, de fazer que
cessassem as competições e que desaparecessem as divisões entre as Igrejas. O
Catolicismo Romano é reconhecido como sendo o que maior número de súditos
conta, entre os que se dizem ao serviço do Cristo: que, pois, o papa de Roma
convide fraternalmente, em nome do Cristo, os chefes supremos das outras
Igrejas para uma conferência fraterna numa cidade qualquer; que, depois de uma
apresentação recíproca e de uma conversação afetuosa, leiam juntos a Didaquê,
catecismo cristão anterior a Constantino; que todos solenemente se comprometam
a não impor jamais aos seus fiéis nenhum outro dogma posterior a essa primitiva
dogmática; que todos, em seguida, abdiquem das suas pretensões rivais de
superioridade recíproca; que cada um coloque seu nome numa urna e um menino,
com os olhos vendados, tire à sorte o nome do predestinado que o Espírito de
Deus escolher para reconstituir, com a livre cooperação dos outros, o
Catolicismo verdadeiro, na simplicidade dogmática de S. Paulo, e a sua
liberdade disciplinar ou científica, absolutamente alheio às disputas das
escolas e dos concílios.
Somente
a esse preço o Cristianismo se tornará Catolicismo, isto é, Universalismo e
cada árvore, diferente do jardim do Cristo será a árvore prometida pelo
Evangelho, onde os pássaros do céu farão seus ninhos, como diz S. Mateus (2), pássaros e árvores de espécies diversas.
(2) XIII, 32.
“Ouça
quem tiver ouvidos de ouvir o que o Espírito diz às Igrejas, pois que o tempo
se aproxima!" declara o Apocalipse.
Sexta-feira Santa, 14 de Abril de 1922.
Doutor
Alta
Padre
Fim
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