quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

31 e final. 'O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários'.




31

 “O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...
           
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris

Conclusão

            A progressão maravilhosa do número dos cristãos, quando o Cristianismo ainda se encontrava na sua simplicidade nativa, e as necessidades de organização disciplinar que daí resultaram desde o começo do segundo século, rapidamente fizeram surgir a atribuição de uma autoridade predominante a um bispo único em cada "igreja", isto é, em cada "fraternidade de eleitos", por pouco importante que fosse.

            Mais tarde, logo após a conversão de Constantino, a adaptação às condições geográficas e administrativas do organismo romano criou logicamente uma hierarquia entre os bispos de uma mesma provinda e ,os fez dependentes todos do titular episcopal do principal centro da província. Depois, o orgulho de dominação e as pretensões de inteligência que, entre os Gregos, ainda mais sutis do que os rabinos judeus, imediatamente suscitaram insensatas disputas teológicas, forçaram os imperadores a convocar os bispos para se reunirem em concílios e, até, com o intento de fazer que cessassem as disputas, a declarar obrigatórias, para todos os seus súditos, as definições metafisicas adotadas por maioria de votos.  Mais tarde, no Ocidente, para resistir aos ataques dos bárbaros e reorganizar o que aquelas disputas incessantemente desagregavam, a necessidade se fez sentir progressivamente de centralizar o episcopado reduzido a frangalhos e Roma estava logicamente indicada para centro natural dessa unificação reparadora.

            Desde então, os papas romanos, admiravelmente servidos pelas ordens monásticas, organizaram uma hierarquia e uma dependência administrativas, depois um ensino histórico e uma ortodoxia teológica que, finalmente, por um último concilio reunido em Roma no ano de 1870, deferiram a Pio IX e aos seus sucessores a infalibilidade doutrinária e a autoridade total. Pareceria haver nisso uma simples restauração da "lei de escravidão religiosa" que S. Paulo declarara abolida pela "lei de liberdade", que é o Novo Testamento notificado aos Gentios pelo Cristo, em oposição ao Judaísmo, e para, com efeito, dar corpo a essa ideia de contramarcha, todos os bispos, no dia da sagração, além da promessa de submissão absoluta ao Soberano Pontífice Romano, juram manter o Antigo Testamento, a par do novo. Tal, à primeira vista, a ideia, algum tanto opressiva, que fatalmente sugere o decreto de autocracia papal imposto ao Catolicismo Romano pelos fins do século XIX.

            Mas, em se refletindo, desde que se creia na inteligência divina e se leve em conta os obstáculos que lhe opõe a ininteligência humana, é de perguntar se esse recuo da liberdade cristã não seria análogo – em terreno muito outro - à retirada militar ordenada pelo general Joffre, para ir ter à primeira vitória do Marne, e se essa abdicação voluntária do episcopado católico nas mãos do Sumo Pontífice, Vigário putativo de Jesus Cristo, não poderia, dar, sob uma impulsão celeste, no estabelecimento do verdadeiro Cristianismo.

            Com o seu exército de bispos, padres, missionários, religiosos e religiosas, espalhados por toda parte e formados para lhe obedecerem como ao próprio Deus, o papa poderia, com efeito, produzir no mundo inteiro, com uma só palavra, o relâmpago e a eletricidade de obediência que acabariam num instante com todas as divisões, reconduzindo o Cristianismo à sua primitiva simplicidade: "Deus é o pai de todos os homens e todos os homens devem amar-se uns aos outros. Somente isto é religião, porque só isto religa os homens entre si. Tudo mais os divide; não é, pois, religião, mas política, arte ou ciência".

            Foi certamente para lhe dar o poder de efetuar essa volta à revolução religiosa que Jesus Cristo pregou no primeiro século da nossa era, que a evolução de dezenove séculos fez do papa o senhor absoluto na Igreja Católica Romana. "Que ele, pois, ouça, ele que tem ouvido!" Qui habet aures audiendi audiat! clama-lhe o seu Mestre, Jesus Cristo. Se ele não escutar a voz do Espirito e se obstinar em querer manter a escravidão à Letra, a Letra matará o Sumo Pontifice de Roma, como matou o de Jerusalém, porquanto a letra mata, o Espírito é que vivifica: Littera enim occidit. Spiritus autem vivificat. O Espírito, ao contrário, unificando sem tirania, nem monopólio todas as Igrejas, ainda hoje divididas por ortodoxias contraditórias, e reconduzindo-as à Didaquê primitiva, criaria enfim o verdadeiro Catolicismo: Catolicismo significa Universalismo.

            Ah! sou "uma voz que clama no deserto", vox clamantis in deserto. Creio, porém, firmemente, que o nosso século é o da passagem decisiva do Cristianismo para o desabrochamento que de modo claro o Cristo lhe assinalou, porquanto, segundo diz a parábola evangélica, a unidade de uma árvore tem que desabrochar numa multidão de ramos dissemelhantes em suas formas e variados nas suas direções, se bem que vivendo todos da mesma seiva. Esse desenvolvimento livre é necessário, para que o Cristianismo Romano dê flores, depois frutos, que o tronco único, embora plantado em Roma, não poderia produzir, acrescentando a parábola: para convidar e receber "os pássaros do céu", isto é, os intelectuais, que o tronco inóspito, erguido para o ar qual cepo, mal atraia e isso mesmo para galhos artificiais e para ninhos administrativos, com proibição absoluta de deixar que suas ideias se evolem e batam livremente as asas pelo espaço.

            O que digo com relação à Igreja Romana, digo-o das outras Igrejas: que cada uma, na vida que lhe é peculiar, facilite cada vez mais a livre expansão dos pensamentos e das obras e pense, em seguida, nas outras Igrejas que, juntas todas, compõem o jardim variegado do Catolicismo, isto é, do Universalismo. "Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo", diz Jesus Cristo, e "o fruto do Espírito é a caridade, a alegria, a paz", diz S. Paulo aos Gálatas (1), não os anátemas recíprocos.

            (1) Epistola aos Gálatas, V, 32.

            Os antagonismos das ortodoxias rivais obstam, sem dúvida, a esse preceito divino de paz e união fraterna; mas, um meio haveria, parece-me, de fazer que cessassem as competições e que desaparecessem as divisões entre as Igrejas. O Catolicismo Romano é reconhecido como sendo o que maior número de súditos conta, entre os que se dizem ao serviço do Cristo: que, pois, o papa de Roma convide fraternalmente, em nome do Cristo, os chefes supremos das outras Igrejas para uma conferência fraterna numa cidade qualquer; que, depois de uma apresentação recíproca e de uma conversação afetuosa, leiam juntos a Didaquê, catecismo cristão anterior a Constantino; que todos solenemente se comprometam a não impor jamais aos seus fiéis nenhum outro dogma posterior a essa primitiva dogmática; que todos, em seguida, abdiquem das suas pretensões rivais de superioridade recíproca; que cada um coloque seu nome numa urna e um menino, com os olhos vendados, tire à sorte o nome do predestinado que o Espírito de Deus escolher para reconstituir, com a livre cooperação dos outros, o Catolicismo verdadeiro, na simplicidade dogmática de S. Paulo, e a sua liberdade disciplinar ou científica, absolutamente alheio às disputas das escolas e dos concílios.

            Somente a esse preço o Cristianismo se tornará Catolicismo, isto é, Universalismo e cada árvore, diferente do jardim do Cristo será a árvore prometida pelo Evangelho, onde os pássaros do céu farão seus ninhos, como diz S. Mateus (2), pássaros e árvores de espécies diversas.

            (2) XIII, 32.

            “Ouça quem tiver ouvidos de ouvir o que o Espírito diz às Igrejas, pois que o tempo se aproxima!" declara o Apocalipse.

Sexta-feira Santa, 14 de Abril de 1922.

Doutor Alta
Padre

Fim


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