O
Senso Moral
Ismael
Gomes Braga
Reformador (FEB) Agosto 1946
Pessoas
há inteligentes, cultas, mas de uma indiferença absoluta pelo problema máximo
da existência: saber se a vida termina no túmulo ou se o ser humano sobrevive
ao sono da morte e que sonhos pode haver nesse sono, como interroga Shakespeare.
No entanto, a resposta a essa questão é básica, porque determina as regras de
conduta para a vida inteira.
Outras
têm curiosidade, mas se limitam aos fenômenos e desinteressam-se pelas
consequências das comunicações dos Espíritos. Ficam no primeiro degrau da
escada e não pensam em galgar o segundo.
Ainda
depois, há as que procuram nas comunicações resolver seus pequeninos problemas
materiais da Terra, sem cogitar do futuro espiritual.
Existe
a categoria das que se agarram fanaticamente ao Codificador e tentam evitar a
evolução da Doutrina, recusam tudo que já não tenha sido ensinado por Allan
Kardec, e fazem tentativas apaixonadas de ver nas obras de Kardec - contrariamente
aos ensinos dessas mesmas obras - o ponto final da Revelação; quando o Autor
mesmo nos ensina que ainda estamos no A B C e temos um infinito a aprender em
Espiritismo.
Uma
classe existe dos combativos, para os quais a Revelação é lábaro de guerra: só
lhes interessa o Espiritismo pelas oportunidades que lhes possa fornecer de
lutar contra as Igrejas, contra os materialistas, e, quando já derrotaram
ilusoriamente todos os adversários, tentam fazer o expurgo em nossas fileiras,
atacando quantos não entendam a Doutrina em todas as minúcias como eles a
concebem, sem perceberem que eles mesmos e todos os outros têm muitas
limitações e todas diferentes umas das outras.
Quem
melhor explica essas anomalias é Kardec:
"Provém isso de
que a parte por assim dizer material da ciência somente requer olhos que
observem, enquanto que a parte essencial exige um certo grau de sensibilidade,
que se pode chamar a maturidade do senso moral, maturidade que independe da
idade e do grau de instrução, porque é peculiar ao desenvolvimento, em sentido
especial, do Espírito encarnado." (O
Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XVII, 4).
Bozzano
o explica dizendo que a observação puramente científica pode existir sem o
senso filosófico. Podem observar-se muito bem certos fenômenos, registra-los
com precisão, mas não saber remontar-se às causas ou indagar das consequências
próximas e remotas dos fatos. Cientificamente uma carta é um pouco de papel
sobre o qual foram escritas letras que formam palavras e frases comunicando
pensamentos. Mas o filósofo não se detém aí, quer saber porque foi feita a
carta, qual a sua origem, e para que foi escrita, qual sua finalidade, e por quem foi escrita e em que estado se acha
quem a escreveu e que pensamentos e sentimentos revela e que efeitos produzem
essas revelações sobre a alma do destinatário. Suas indagações ultrapassam de
muito as do cientista, mas ainda não chegam ao fim, porque este está além do
domínio da Filosofia, nas esferas silenciosas do Espírito, na síntese da
intuição, nas vibrações do sentimento superior que independe da palavra, da
análise da verdade objetiva, porque possui a verdade subjetiva.
A
esse grau de evolução em que o Espírito pode captar logo a essência do
conhecimento de modo sintético, intuitivo, Kardec deu o nome de senso moral.
Seria um sentido a mais que o simples cientista não possui, que o filósofo só
parcialmente vislumbra e sabe que existe, quando define o termo de sua técnica,
intuição, com estas palavras: "Conhecimento direto, sem necessidade de
raciocínio, sem experiência empírica, por faculdade especial do espírito".
(Kamaryt - Filozofia Vortaro) .
Mas
não chegaremos a esse estado só pela inteligência, só pela pesquisa da verdade;
é necessária a evolução moral, o aprimoramento dos sentimentos, o cultivo do
Amor. Faz-se mister que o coração e o cérebro, reunidos, sob a direção do
Espírito, colaborem harmonicamente. A tarefa do advogado que examina autos para
proclamar limites à verdade, é aquela parte somente material da Ciência, à qual
fica ele limitado sem alcançar a essência. É um período perigoso de intolerância e
combatividade, durante o qual o homem tenta impor aos outros suas limitações,
nomeando-se líder de seus irmãos e traçando lindes ao pensamento; esforça-se
por padronizar os conhecimentos dentro de limitados cânones e anatematizar tudo
que ultrapasse suas fronteiras. Penoso exemplo desse estado de consciência
tivemos no Brasil há, anos, quando um dos nossos irmãos promoveu um plebiscito
para decidir certo ponto delicado do Evangelho por meio de votação e
estabelecer um dogma negativo, obrigatório para todos, quando a questão só pode
ser decidida de cada um para si mesmo. Ganhou o plebiscito e a coisa deveria
estar terminada para sempre, mas a verdade é que tudo continuou como dantes,
porque não poderia ser de outro modo: voto alheio não altera um estado de
consciência, de convicção íntima.
Recentemente,
outro tomou a si o mesmo ponto por outro processo: em vez de recorrer
ridiculamente à votação, examinou como acusador os "autos" e
apresentou "relatório" ou "libelo" em mais de quatrocentas
páginas de papel caríssimo: Não resta dúvida que o resultado será o mesmo do
anterior plebiscito: o libelo só conservará mentalidade negativa nos que ainda a tenham, mas deixará
livres os outros.
Se
assim é, porque o senso moral ainda não chegou à maturidade na imensa maioria
dos homens, e essa falta de senso moral está fora de dúvida, fica cabalmente
demonstrada pela indiferença dos terrícolas quanto aos assuntos de seu máximo
interesse, pela prática de costumes opostos à sua própria felicidade, como os
ódios partidários, a guerra, os assaltos, a vingança; então, como proceder para
não cairmos a cada momento em erros de funestas consequências? Qual a regra de
conduta mais segura ou menos perigosa neste caos de limitações contra limitações?
É
simplesmente tomar atitude afirmativa, não aceitar às negações; preferir as
afirmações, mesmo ingênuas, às mais pomposas e retumbantes negações. O negador
provavelmente é o que mais erra e mais induz a erros; porque se inspira no
orgulho, na convicção de ver mais; e melhor do que os outros.
Não
podemos ficar estáticos eternamente esperando que tais sábios decidam por nós o
que temos de aceitar como bom; porque vemos pelas Escrituras que eles estão
debatendo orgulhosamente há mais de três mil anos os mesmos temas, nunca
chegaram a acordo, e provavelmente outros três mil anos passarão até o amadurecimento do senso moral a que se refere Kardec. E note-se que, estão
debatendo, não estudando ou tentando aprender; porque, sem o senso moral, eles
se presumem possuidores de todo o saber e não se esforçam contra sua própria ignorância, visto que sua primeira
negação é justamente contra esta poderosa limitação.
Tomemos,
pois, atitude positiva, tentemos fazer alguma coisa, ainda que imperfeitamente,
mas com mentalidade afirmativa, com fé no futuro da Humanidade. Há um infinito
de trabalho a fazer-se, de serviços à nossa espera, e não seria possível
perdermos a encarnação ouvindo a voz lúgubre dos negadores. O Espiritismo é a
Revelação mais grandiosa que os homens já possuíram; forma um corpo de
doutrinas encantadoras pela sua beleza e mágicas pelos efeitos de sua aplicação
à vida. A nossa literatura afirmativa, recebida pelos bons médiuns do mundo
inteiro, cresce dia a dia e está destinada a estabelecer um mundo novo, de
mentalidade positiva e superiormente idealística. Os Espíritos superiores já
tomaram atitude a favor do Esperanto e alguns deles já nos dão suas mensagens
no idioma internacional, assentando as primeiras pedras para a grande
construção do mundo futuro: de um mundo em que todos se compreendam, em que as
mensagens descidas dos Céus falem igualmente a todos os habitantes do planeta
sem as barreiras linguísticas. Há uma obra imensa a realizar-se: a
transformação total da nossa civilização numa outra que terá compreensão mais
alta da vida eterna; não podemos deter-nos para ouvir a leitura dos libelos dos
eternos negadores.
Em
cada grupo espírita há pessoas bondosas e desejosas de aprender, esperando
auxílio dos pregadores e dos escrevedores doutrinários. Envenenar- lhes a alma
com negações, seria falta imperdoável, seria po-Ias em afinidade com as trevas.
Mostremos-lhes, ao contrário, o brilhante futuro que nos espera a todos;
ponhamos ao seu alcance a sublimidade da Doutrina para que sintam as vibrações
amorosas dos nossos Maiores que caridosamente descem até nós para nos socorrer
e levantar de nossas quedas. Pintemos-lhes o quadro do mundo futuro, no qual a guerra será substituída pela
colaboração amistosa de todos os povos, de todos os homens, unidos uns aos
outros como uma só família pelo conhecimento da Doutrina e compreendendo-se em
uma língua comum de todos. Pela compreensão e pela colaboração, a pobreza e a
ignorância serão banidas da família humana e reinarão o Amor e a Verdade. Mostremos-lhes
o ideal de Zamenhof:
"Ni inter popoloj Ia murojn detruos,
Kaj ili ekkrakos kaj ili ekbruos
Kaj falos por êiam, kaj amo kaj vero
Ekregos sur tero." (1)
(1) Destruiremos as muralhas que separam os povos; elas estalarão,
estrondarão e cairão para sempre, e o amor e a verdade começarão a reinar sobre
a Terra.
.......................
Gostei imenso de sua explanação, porque sei e disso já tive exemplo que muitos dirigentes não querem de modo algum descer ao nível dos iniciantes, pois acham-se "doutores" e de tudo já sabem e não mais precisam estudar. O que está faltando é a humildade que tanto apregoou Jesus.
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