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’Guia Prático
do Espírita’
por Miguel Vives y Vives
3ª Edição
Livraria Editora da Federação
Espírita Brasileira
1926
O QUE DEVE SER O ESPÍRITA ANTE DEUS
Quando
o homem, de qualquer campo que proceda, seja religioso, ateu, filósofo, etc., entra no Espiritismo, abre se lhe uma esfera tão
vasta de investigações, que, de momento, não pode achar explicação para tanta grandeza. À
medida que vai alargando os seus estudos e as suas experiências, maior é a
perspectiva do que antes desconhecia e em tudo vê a grandeza de Deus. Tanto
assim é que o ser sente-se maravilhado ante tanta justiça, amor, beleza e
poder. Então vê o que significa a sua individualidade na criação; compreende a
sua vida eterna, ao menos em princípio; sabe que não se acha aqui por
casualidade, que não é um ente que veio á Terra sem plano nem destino, mas que
sua existência está unida ao concerto universal da criação e que nunca será
abandonado, mas que está sujeito a uma lei que a todos rege e que, como os
demais seres da humanidade, alcançará, mediante seus esforços, mais tarde ou
mais cedo, a sua felicidade, a sua beleza, a sua sabedoria; sabe que pode
retardar o seu progresso mais ou menos, mas que, por fim, há de ver-se atraído
pelo amor universal, e, queira ou não queira, ver-se-á um dia arrastado por
tudo quanto encerra de belo e grande o amor divino, e fará parte da grande família
de espíritos felizes que gozam e trabalham dentro do divino amor. Numa palavra
- o ser encarnado, ao descortinar a sua vida, o seu porvir, a grandeza do
objeto para o qual foi criado, sente admiração pela suprema sabedoria, pelo
imenso amor, pela Onipotência do Autor de tanta beleza, de tanta harmonia e de
tanto amor.
A
impressão recebida ao converter-se ao Espiritismo deve por todo o espírita não
somente ser guardada, mas aumentada, porque disso depende grande parte do seu
progresso. Quando, passadas as primeiras impressões, o espírita vai esquecendo
o respeito e a adoração que deve ao Pai, incorre em uma falta de gratidão, e
esta falta o vai afastando de influências que lhe são muito necessárias no
curso da sua vida planetária. Se tudo na criação se atrai e penetra, não pode deixar de existir esta
lei entre a criatura e o Criador. Vem de molde citar o que alguns espíritas dizem: que a
Deus não se deve pedir coisa alguma, porque Ele não derrogará a lei e que tudo
está dado. Mau modo de pensar. Deus fez a lei; tudo que criou, pôs à disposição
de seus filhos; a nós, porém, cumpre alcançá-lo; e tendo, como tudo tem, sua
atração, não a terão também o amor a Deus, a gratidão a Ele e a sua adoração?
Se o espírita sente, atrairá sobre si o que sente. Suponhamos que um homem tenha
pensamentos maus sobre o crime, o vício, a vaidade: não atrairá sobre si influências
que o impulsionarão a ser criminoso, vicioso e orgulhoso? Pois, se os desejos e
simples pensamentos maus atraem influencias más, deixará de existir a mesma lei
sobre os pensamentos bons e o desejo do bem? Não pode haver dúvida; porque, si
assim não fosse, existiriam duas leis: uma para dar e atrair o mal e outra para
facultar o bem. Se os pensamentos bons e o desejo do bem atraem boas influências,
quanto mais não as atrairá o que amar muito ao Pai, adorando-o em espirito e
verdade e procurando seguir aos seus mandamentos? Assim, pois, sem derrogar
leis nem conceder privilégios, o espírita verdadeiramente grato e dedicado a
Deus, receberá influências que, como já disse, lhe serão muito proveitosas no
decurso da sua vida planetária.
Assim,
entendo que, se todos os espíritas nos tivéssemos firmado no que deixo dito, e praticássemos o amor divino, não nos encontraríamos
tão disseminados e faltos de união como nos encontramos. Capacitem-se bem, meus
irmãos, do seguinte: apenas se encontra um ou outro centro espírita onde não tenha havido
dissensões, e centros há que tendem a dissolver-se e isso porque a falta de caridade e amor
entre os seus membros os impede de seguir o caminho da unidade e do amor
fraterno, devido a defeitos não corrigidos e por falta daquela prudência e medida a que todo o espírita
deve cingir-se em seus pensamentos e obras.
Se
o amor e a adoração ao Pai reinassem no coração de todo o espírita, antes de dizer e obrar, pensaria cada qual se o que diz ou faz está
conforme a lei do Criador, do Pai, e se não estivesse de acordo com o que a lei
manda, o espírita cheio de amor a Deus se afastaria de tudo o que não fora justo
não faltar à lei e não se colocar em rebeldia contra Aquele que é todo amor e justiça;
muitas vezes em lugar de falar, pronunciando palavras que foram causa de conflitos,
calar-se-ia e com o seu ato de indulgência ou de tolerância daria um bom
exemplo que serviria de ensinamento aos seus irmãos e evitaria a
responsabilidade para si.
Tenho
conhecido espiritas que tudo fiam do seu critério e do seu saber, prescindindo
de conservar vivo o amor a Deus e de outras práticas que adiante exporei; esses
espíritas não sabem, todavia que, por mais esclarecidos que sejam,
prescindem do principal e, sem que se apercebam, incidem nos costumes de todos; de maneira
que na sua conversação, no seu trato, nas suas maneiras, quase se não distinguem
dos demais homens e, embora creia no Espiritismo não passa este de um
Espiritismo mental que não domina o coração ; por isso, em muitos atos de sua
vida pouco se distinguem dos outros, dos que não conhecem o Espiritismo. Daí provém o haver espiritas que não fazem
mal mas também não fazem bem algum e, por pouco que o descuido se apodere
deles, caem no ridículo e então já fazem mal à propaganda da doutrina que sustentam, e às vezes, sucedem coisas
piores, e vem a ser que algum espirito obsessor pode vir a influir de maneira muito direta
nos citados espíritas, levando-os a conceber e propagar teorias estranhas, que
vem perturbar a boa marcha do Espiritismo, semeando a dúvida em uns e a divisão
em outros. E isso tanto pode acontecer aos que, por sua falta de instrução,
tudo acham bom e maravilhoso, como aos que pela sua inteligência penetram em
regiões, acerca das quais, por não serem ainda bem exploradas e compreendidas,
possam fazer afirmações e adotem princípios que nem consolam nem edificam e só
servem para levar a confusão às inteligências exaltadas.
Não
cabe neste folheto fazer a critica de tais teorias; só desejo dar regras de
conduta aos espiritas de boa vontade, para que possam
evitar certos escolhos que tanto dano nos podem causar.
Já
disse que o amor a Deus pode exercer certa influencia sobre todo o espirita que
procure avivar no seu ânimo esse amor e que o transporte às regiões do infinito
por meio da prece, das exalações da alma.
Prece!
Eis um tema muito discutido e abandonado por muitos espíritas. Ponho de parte
toda a prece rotineira, distraída, convencional, sistemática. Falo da prece que
acompanha o sentimento, a firme vontade, o amor e a adoração ao
Pai; falo da prece que edifica, que consola, que se sente no mais Íntimo da alma; falo
da prece que faz o ser que quer emancipar-se das misérias e defeitos da terra.
Esta
prece julgo eu que é tão necessária a todo o espirita, que me atrevo a dizer
que aquele que dela prescinde não se elevará às
qualidades morais necessárias para ser um bom espírita. Digo mais: o que prescindir dela não
poderá alcançar, quando regressar ao mundo espiritual, ser espirito de luz e se exporá a sê-lo
de trevas e de turvação, a menos que seus trabalhos e ocupações na terra sejam a caridade e
amor ao próximo, preocupações que escasseiam na terra.
Devemos
ter em consideração que a humanidade está eivada de erros, maldade, hipocrisia,
egoísmo, orgulho; cada ser, dos que vivemos neste mundo, expedimos de nós
mesmos algo do que somos; ponde um espírita no meio de tanta imperfeição, e
apesar das suas crenças, se contagiará com a atmosfera dos demais; se esse
espirita não puder vencer a influência acumulada sobre si, ser lhe á impossível
permanecer prudente, circunspecto, tolerante, justiceiro, e, como a lei obriga,
se ele quiser alcançar alguma felicidade espiritual, é necessário praticar as
virtudes; se lhe falta alguma, não poderá permanecer entre os bons, e se não
está apto para viver entre os bons, há de ser contado na categoria dos que não
o são, onde a bondade não impera, não pode
haver felicidade, nem luz, nem liberdade.
Sou,
por isso, de opinião que o espírita, para limpar-se, deve saturar-se de fluidos
e influências superiores às que nos rodeiam neste mundo, e para que estas
cheguem até nós, devemos nos pôr em condições de lhes dar acesso e podermos
recebe-las.
Quando
o ser ora com fervor, o espírito expede influencia; esta influência busca o seu símile no espaço; como os seres que nele habitam
têm como principal missão a caridade universal, nunca deixam sem amparo aquele cuja
influencia os atinge; estabelece-se então uma corrente fluídica entre aquele que ora e a
influência que recebe, que o circunda de luz; essa luz o limpa dos fluidos imperfeitos que ele
possa ter adquirido e, depois de ter orado, não só consegue libertar-se dos fluidos imperfeitos
que estavam unidos a ele, como também sente-se envolvido de uma atmosfera de bons
fluidos, e, assim como os primeiros constituíam veículo que
facilitava a todo espírito de trevas o poder acercar-se dele, os bons fluidos
formam barreira que se opõe a que influencias perversas possam dominá-lo.
Para
mais clareza darei um exemplo: Suponhamos uma casa de campo que está sem valado, nem muro, sem separação de espécie alguma
todo transeunte que quiser aproximar-se dela não lhe custa mais do que o
trabalho de lá ir, e, ainda que seja de noite, poderá chegar até as portas da
casa, sem tomar nenhuma precaução nem deter-se diante de obstáculo algum.
Suponhamos
que esse transeunte é um malfeitor; encontrar-se-á, sem correr o mínimo perigo, às portas da mesma. Se a casa possui,
porém, um bom muro, e tem as portas fechadas, nem o transeunte nem o malfeitor
poderão acercar-se dela, sem pedir previamente que lhes abram as portas, ou
terão que saltar o muro. Assim, pois, tanto para o malfeitor como para o
transeunte, uma casa de campo murada oferece muito mais dificuldade para ser
invadida do que uma casa de campo que não tem nem muralha nem fosso de qualquer
espécie.
O
espírita que ora é a casa de campo murada, o que não ora é a casa de campo que
está edificada sem muro, e da qual todas as influências têm mais facilidade em
se aproximar.
Todo
espírita, pois, deve ser grato ao Pai, deve adorá-lo por sua grandeza, admirá-lo
pela beleza da criação ,e respeitá-lo por ser filho d'Ele, porque em verdade o
homem não tem outro Criador senão Deus; Ele é o nosso Pai, o
nosso Bem, a nossa Esperança; a Ele tudo devemos. Ele é o autor de toda a beleza que nos
rodeia, desde a ave, que se eleva no espaço, até o peixe, que mergulha na água;
desde o monte, onde cresce o carvalho e floresce a violeta, até o astro que
brilha no espaço. Ele é o autor daquela que nos concebeu em corpo nas suas
entranhas. Ele é tudo: a luz, o amor, a beleza, a sabedoria, o progresso, tudo
é Deus. Que qualificativo devemos dar, pois, ao espírita que sabe tudo isto e
não se sente atraído por tanta grandeza, tanto amor, tanto poder e vive
esquecido do Pai e passa horas e dias sem lhe manifestar o seu reconhecimento?
Nada
direi; mas tal espírito não sente ainda em sua alma o que deve sentir, não
cumpre o primeiro dever de um bom espírita e é muito difícil
que possa estar apto para cumprir bem a sua missão.
Em
resumo: o espírita deve ser perante Deus bom filho, forçado a ser grato a seu
Pai por havê-lo criado; deve ser respeitoso com a grandeza do seu Criador, deve
adorá-lo pela sua Onipotência, deve amá-lo pela sua Sublimidade,
e essa gratidão, esse respeito, essa adoração, esse amor deve manifestá-los ao
Todo Poderoso, tanto quanto possa, já para portar-se como bom filho ante tão
sublime e amoroso Pai, já para atrair a si a sua influencia e a dos bons espíritos,
de que tanto necessitamos em nosso atraso e em um mundo onde imperam a ignorância
e a dor.
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