quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

15. "À Luz da Razão" por Fran Muniz



15
“À Luz da Razão”

por   Fran Muniz

Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 - Rio
1924


OS SANTOS E OS MILAGRES


            Azafamados com a propaganda religiosa, os senhores do Catolicismo nem desconfiam que reduzem os seus templos às condições das salas de cinema,
atravancando-as de quadros e figuras, ostensivamente grotescas, para reclame dos seus programas.

            São santos e santas amontoados em promiscuidade de formas e matizes extravagantes, que são adorados e rogados como se fossem as próprias entidades que eles querem representar.

            Dizem, porém, que essas figuras, são, apenas, para dar a ideia dos que se tornaram santos, aos quais se adora, como fazemos com os retratos dos nossos mortos queridos.

            Esquecem, no entanto, que os retratos dos nossos entes caros apresentam a cópia exata, reproduzida pela fotografia ou pelo pincel do artista, enquanto que os dos santos, são uma tentativa falsa, obtida pelo cálculo ou pela hipótese.

            Para exemplo mais frisante, temos sob as nossas vistas a falta de unidade nas imagens do próprio Cristo. Vemo-lo crucificado, ora com a cabeça pendida para a esquerda. ora para a direita; com o pé direito sobre o esquerdo ou vice-versa: vemos Cristos  louros. claros, pálidos e morenos.

            “Meninos Jesus, há os de olhos pretos, pardos, castanhos, azuis; cabelos louros, pretos, castanhos.

            Assim, dessas imagens, qual a que nos representa fielmente Jesus quando menino ou adulto, uma vez que todas essas figuras são o seu retrato?

            Ninguém poderá responder isso com acerto visto não haver provas de que Jesus fosse fotografado; portanto, a sua imagem é apresentada simplesmente como provável.

            Agora, pergunta-se: poderá alguém venerar o retrato de um morto estremecido, sabendo que se o havia figurado por hipótese?

            Não. Certamente.

            Cristo existiu. Fizeram-no Deus e o mataram crucificado... Mas os católicos não o viram. Pois faça-se uma figura de homem nu, de braços abertos, ponha se lhe uma tanga, pregue se o a uma cruz e aí temos um Deus!

            Coisa idêntica acontece com os santos cujas figuras são meras estatuetas esculpidas mais ou menos de acordo com as profissões e costumes que tiveram na Terra.

            Assim, por exemplo: houve um frade chamado Antônio e que, devido às suas virtudes, mereceu a canonização da igreja? Pois faça-se a figura de um homem de qualquer substância, vestido com um hábito da ordem a que pertenceu e aí temos um Santo Antônio.

            Houve um homem chamado João que se vestia de pele de carneiro e foi pastor do rebanho humano? Pois faça se uma figura imitante, coloque se lhe um carneirinho ao lado e aí está S. João Batista.

            Existiu outro que foi martirizado a flechas, atado a um tronco? Pois esculpa-se uma figura crivada de lanças, e está pronto um S. Sebastião.

            Pedro mereceu de Jesus “as chaves” do Céu? Pois de se à figura um molho de chaves.

            Benedito pertenceu à raça negra e foi santificado? Pois faça se a figura pintada de preto, mas surge uma dificuldade: É preciso firmar o “menino Jesus” no braço do Santo... Pensa-se um pouco; talvez até se reunisse o Concilio para a solução e, por fim, aventa-se a ideia de uma tarraxa.  Não se cogita do ridículo do processo, contudo que se mostre um S. Benedito aos católicos.

            E assim com os demais santos, impossível de nomear aqui.

            Vejamos agora o que se passa em relação ao nome dado às santas, por se haver esgotado os apelidos próprios.

            Temos N. S. das Dores, dos Prazeres, dos Aflitos, dos Navegantes, do Parto, dos Remédios, da Lampadosa, do Ó e mais uma multidão de “nossas senhoras”. Se perguntarmos como se explica essa infinidade de “senhoras nossas” respondem os
sábios que, realmente, Nossa Senhora é apenas uma mas se lhe dá o nome relativo ao milagre, lugar e condições em que se realiza.

            São os santos manufaturados, ora com arte, o que é raro, ora com artifício, o que é mais comum.

            Com as figuras artísticas, defrontam-se os monstrengos expostos à venda nos estabelecimentos comerciais adequados, onde são trocados por dinheiro, porque, dizem, santos não se compram, trocam-se.

            À proporção que vão sendo adquiridos, levam-nos à igreja para serem bentos, isto é, consagrados pela benção do padre, para que possam ser exibidos em condições de produzir os milagres e ganhar beijos.

            Em geral, os católicos tem os seus santos prediletos para as devoções, porque estes também possuem suas especialidades nos milagres.

            Assim, por exemplo: S. José é casamenteiro; Santo Antônio, mergulhado num poço, obriga a união de um casal, embora a contragosto de um deles; Santa Luzia cura moléstia de olhos; Santa Barbara faz aplacar trovoadas; S. Braz retira espinhas da garganta; S. Bento livra das dentadas de cobra e de cachorro; S. Cosme e S. Damião servem para toda a obra, mas exigem doces e cachaça. Quando o milagre se opera, some-se a guloseima e o copo fica esgotado.

            O mais impagável, porém, é o Santo Expedito. Impagável, é um modo de falar, porque se faz pagar o bem. Basta um beato qualquer formular por escrito o que deseja, juntar a respectiva gorjeta em dinheiro e fechar tudo isso num envelope; colocado este no receptáculo adrede preparado para tal fim, não tarda o milagre. É certo que, expeditamente, o dinheiro desaparece e o freguês fica com a cara igual à do pecador a quem o peixe comeu a isca e...


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