quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

15b. "À Luz da Razão" por Fran Muniz



15b
“À Luz da Razão”

por   Fran Muniz

Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 - Rio
1924



            Os milagres são efetuados mediante promessas de retribuições, que serão pagas à vista das graças dispensadas e esses prometimentos variam de espécie, como por exemplo: Há promessas de dinheiro (e essas são as melhores), de velas enfeitadas e coloridas, de pés, mãos, pernas, braços, cabeças de cera, representando as chagas, escoriações, etc... que foram curadas pelo milagre; mantos, resplendores, toalhas, crianças descalças ou nuas que acompanham procissões; adultos que sobem, de joelhos, escadarias de granito, etc.

            E, quando externamos o nosso espanto, pelo interesse dos santos em só prestar os seus serviços mediante uma remuneração como qualquer ganhador de praça, respondem:

            “Os santos nada exigem porque de nada precisam e essas promessas denotam a boa vontade e a fé com que lhes é implorada a graça. Demais, se a remuneração é em dinheiro, serve para a aquisição das luzes que os iluminam; se é em cera, esta, por sua vez, será transformada em velas, para o mesmo fim.

            Quanto às outras espécies, são “um sacrifício sofrido com resignação para se demonstrar, ainda, a fé e o devotamento pela santa igreja católica.”

            No entanto, o Evangelho nos fala bem claro:

            “Misericórdia quero e não sacrifício.”

            Demais, se os santos são espíritos perfeitos, elevadíssimos, como se supõe, é lógico que vivem ao lado de Deus, imersos na luz divina, magnificente, que lá deve irradiar, portanto, ilumina-los com velas ou azeite e oferecer se lhes sacrifícios anti caridosos, são demonstrações grosseiras de um devotamento que repugnaria até ao próprio homem na sua toleima de ser adulado.

            Se, porém, tais santos se envaidecem com o incenso inútil e apreciam o sacrifício humano em seu louvor, então, é que são espíritos atrasados. Nesse caso não se deve alimentar os seus desejos perversos com promessas absurdas, além da possibilidade de estarem eles, novamente reencarnados entre nós, para completo resgate de suas imperfeições.

            Por outro prisma: que os causadores do atraso humano exultem no contemplar o martírio infligido à inconsciência dos fieis é, já, excessivamente revoltante; mas que estes, por sua vez, imponham às crianças inocentes e irresponsáveis, a crueldade de acompanharem procissões nuas e descalças é uma selvageria irritante que ninguém tem o direito de praticar porque é um crime.

            É lastimável ver, ainda, a razão sobrepujada pelo fanatismo, nesta época de pleno desenvolvimento intelectual e científico.

            Perguntemos, pois, à igreja, o que quer dizer isto que se lê na Escritura Sagrada:

            “Os ídolos das gentes não são senão de prata e ouro, obra das mãos dos homens.” (Salmos de David Cap. 114:4).

            “Eles bebem o seu vinho e louvam os seus deuses de ouro, de prata, de metal, de ferro, de pau e de pedra.” (Daniel. Cap. V-4).

            E mais este segundo mandamento escrito nas primeiras tábuas de Moisés e que constam do Decálogo:

            “Não farás imagens esculpidas das coisas que estão lá em cima nos céus, nem cá em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, não as adorarás e não as servirás. porque eu sou o Eterno teu Deus. etc.”

            Pode a igreja responder a contento?

            Não, porque a igreja tem por norma fazer tudo quanto as Escrituras Sagradas proíbem que se faça e, assim, nem só instituiu imagens, como obriga seus fieis a servi-las e a prostrarem-se diante deles em adoração.”

            Belos representantes de Cristo!

            Mas, finalmente, que entende a igreja por santos?

            Serão espíritos puros, isentos de manchas, espíritos perfeitos, em suma, como assevera?

            Mas, então, a igreja nada conhece, absolutamente, da obra infinita do Criador!

            Puro, sem manchas, perfeito em absoluto é Deus! Supõe a igreja, porventura, que a Terra é o único planeta habitável existente na imensidade sem fim e que dele pode sair alguém perfeito?

            Então, a igreja desconhece as importantes revelações da astronomia moderna. Precisa ler os grandes sábios que já penetraram, mais de perto, os arcanos dos fenômenos que constituem os mistérios e milagres da religião vetusta. Não se envergonhe de recorrer aos mestres porque muitos,  talvez mais sábios do que os doutores da congregação católica, também se apearam do orgulho, rendendo-se à evidencia.

            Faça o mesmo a igreja, porque o estudo nunca se completa, visto que o progresso não tem fim.

            Destarte, a igreja e seus adeptos ficarão sabendo que da Terra se pode sair aperfeiçoado, mas nunca perfeito; que este planeta é uma estação onde os espíritos vem depurar seus crimes e vícios subjugados  a matéria (corpo) e aos trabalhos materiais: que aqueles que lutem com energia contra os desejos viciosos e conseguem sair ilesos, avançam alguns passos no caminho intérmino do progresso e tem como recompensa do seu mérito, a liberdade de galgar mais um degrau da escala, elevando-se a outro planeta superior a este.

            Saberá, ainda que, nessa nova estação, o espírito também luta, também trabalha, posto que em condições muito melhores, porque na obra de Deus nada é inativo, que ali, igualmente o espírito se aperfeiçoa e se purifica mais um pouco o que lhe permite elevar-se a outro mundo superior àquele e assim sucessivamente, galgando de mundo em mundo, porque (compreenda bem a igreja) a obra de Deus é infinita.

            Logo, a perfeição absoluta que a igreja empresta aos espíritos chamados ‘santos’. está tão longe da verdade como a própria igreja de Roma está longe de ser Cristã.

            Os ‘santos’ se como tal quisermos designa-los, são espíritos que animaram corpos humanos na Terra e que, pelas suas virtudes, ou atos distintos, de fato se tornaram mais purificados, talvez, mesmo, em condições de não regressar à Terra para expiação de faltas; todavia. é preciso que a igreja se convença de que nunca houve nem há ninguém neste mundo que não tenha erros ou máculas. O fato de se tornar regenerado, substituindo os vícios por virtudes, não o impede de “pagar suas faltas até o último centil.”

            É a lei que o Cristo pregou, como também o é esta outra:

            “Quem com ferro fere com ferro será ferido.” Esses espíritos foram canonizados pela igreja com o aposto de ‘Santo’ do mesmo modo que as pessoas de alta linhagem ou que prestaram benefícios materiais à igreja, são agraciados com o título de condes papalinos.      

            Sabemos de homens que foram neste século, a personificação da moral, da bondade e amor ao próximo e, no entanto, ao deixarem a Terra, não mereceram da igreja romana, a distinção de seus cânones, pelo simples fado de não terem pactuado com ela; aliás, eles não necessitam desses favores, visto que só espíritos elevados dispensam bem essas honrarias.

            Dados tão ligeiros esclarecimentos, julgamos ter dito o suficiente para exprimir uma ideia nítida do que sejam os santos da igreja, e, se esta não teimasse em repelir o verbo divino, teria, de muito, modificado os seus dogmas.

            Mas, dos santos tem ela necessidade para operar milagres e não se põem fora colaboradores tão prestimosos, que se contentam com umas luzinhas de vela de cera na hora da missa e nos dias de festa da sua igreja.

            Milagre! Que será isso? Fenômenos, porventura, maravilhosos, sobrenaturais, cuja explicação é sempre abafada pelo mistério? Serão, talvez, impossíveis realizados pelo Criador e pelos santos da igreja?

            Não, porque os fenômenos conhecidos por milagres são realizados todos os dias e por toda a parte, pelos que se dedicam ao estudo das leis naturais ocultas e isso sem constituir nenhum prodígio, porque tudo é explicado, visto que nada existe sem uma razão de ser.

            Assim, pois, em que consiste o milagre? Como pode ele ainda assombrar os supersticiosos?

            A eletricidade, essa força invisível que movimenta possantes máquinas: que produz a iluminação com sua incandescência prodigiosa; que fulmina e carboniza com a rapidez do raio; será acaso um milagre?

            O gás que faz subir no espaço os corpos mais pesados que o ar; o vento que tudo convulsiona,. que faz vergar o caniço, derruba arvores e edifícios; a causa que produz o efeito do aeroplano rasgar os ares com espantosa velocidade; a telegrafia e a telefonia sem fio, o fonógrafo e outras maravilhas que se desenrolam sob as nossas vistas, serão também milagres?

            Não, decerto, tudo isso tem uma causa plausível. São fenômenos comuns e muito conhecidos, perfeitamente estudados.

            Outros fenômenos, como por exemplo: aparições de entidades humanas que conversam, locomovem-se, como se fossem pessoas realmente do nosso mundo material: o movimento dos corpos pesados, execuções de peças musicais, sem o auxilio humano, etc., tudo isso será milagre?

            Não, porque são causas assistidas, estudadas e conhecidas por inúmeros sérios investigadores, cuja afirmativa, não é dado por em dúvida, pelos ignorantes.

            A materialização de um espírito, a formação de flores, frutos etc., em alguns segundos, sob as vistas perspicazes de uma assistência de intelectuais examinadores, ainda serão milagres?

            Não, porque está radicalmente provada a causa de tais fenômenos.

            A investigação da ciência, sôfrega em penetrar fundo os arcanos do incógnito, encontrou já o elemento real de tais mistérios, chegando à perfeição de medir e pesar a sua consistência ou intensidade. Daí, resultou a descoberta do quarto estado da matéria, pelo eminente sábio Wílliam Crookes que lhe deu o nome de ‘estado radiante.’

            Os elementos de todos esses fenômenos julgados misteriosos, são o olhar universal e a maioria cósmica, disseminados pelos universos, donde promanam as bases primordiais para a organização de todos os seres e a causa de todos os efeitos.

            Diante dessas verdades reconhecidas, onde, pois, o privilégio dos milagres atribuídos aos santos da igreja?

            Se tais fatos estão hoje em pleno domínio dos inteligentes; se foram presenciados por homens de critério, cujos nomes reboam no mundo com acatamento e respeito, dentre os quais, até muitos padres católicos que os afirmam, como quer, ainda, a igreja papal, manter o absurdo do milagre?

            Não, não é possível abusar mais da credulidade tímida.

            É preciso estudar para que se não julgue bastante conhecedor daquilo que se ignora. Já Newton disse algures: “É loucura acreditar que se conhecem todas as coisas e é sabedoria estudar sempre.”

            Estudemos, pois, e, daí surgirá a plena certeza de que os santos esculpidos são estatuetas multiformes, são meras frivolidades para atuarem nas inteligências acanhadas e que o milagre é um mito, é uma quimera nascida das imaginações gananciosas.

            O milagre é o inexplicável mas desde que esse inexplicável está hoje conhecido, o milagre desapareceu.

            Por inexplicável compreende-se o que está fora das leis da natureza, por conseguinte é o sobrenatural; desde, porém, que não pode haver nada fora da natureza, o sobrenatural, fatalmente, não tem razão de ser.

            É  lógico que o que está fora das leis naturais só deve ser o nada, no entanto, a ciência prova que tudo existe no todo. Ela nos revela que o insignificante espaço produzido pela ponta de um alfinete, contém milhares de átomos. Sendo o átomo matéria é portanto alguma coisa.

            Chega-se, deste modo, à conclusão peremptória, de que tudo é ocupado por alguma coisa assim como também, no universo não há alto nem baixo, não há princípio nem fim. Não ha vácuo nem espaço, visto que o vácuo e o espaço não contêm o – nada  - logo o - nada - não existe porque na obra de Deus não há o - nada.

            Provadas assim tais verdades tem-se afinal, de concluir que o milagre é uma mentira grosseira e irrisória, enquanto não possamos negar que a ideia é das melhores como meio rendoso, para a Igreja, que se faz pagar bem pelo trabalhinho dos seus santos funcionários de gesso.




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