“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
O BATISMO
Quem
leu o Evangelho sabe que o batismo, era um simples símbolo, uma prova, um
juramento, a que se submetiam todos os que abandonavam o paganismo, então,
reinante, para abraçarem a nova doutrina, das leis de Deus. Por isso, Jesus que
veio pregar essas leis eternas, também se fez batizar, não só com o fim de dar
o exemplo de obediência ao juramento assinalado pelo sinete do batismo, como
para confirmar a missão de João Batista, no preparo da humanidade à recepção da
nova doutrina.
Esse
batismo foi instituído em água porque era a água considerada o elemento
principal da criação da natureza e o povo ignaro de então, necessitava de uma figura
material e visível que lhe firmasse uma ideia nítida de tudo quanto não era
possível compreender pelo pensamento. A prova é que Jesus lhe falava sempre por
figuras comparativas ou parábolas.
Tal
era o atraso intelectual dessa época, que se adorava os deuses representado
numa serpente ou num bezerro de ouro, naturalmente como símbolos da astúcia e
da força, e os santos em figuras de metal, barro ou madeira, absurdos tais que
o catolicismo vem copiando através dos séculos, como dignos de figurar no
arsenal dos seus, não menos absurdos, dogmas e preceitos.
A
igreja, apesar de assegurados seus rendimentos, pois os adeptos lhe garantem a
descomedida ociosidade, empregou, todavia, uma parte da existência a
engendrar planos, a combinar ideias e a concertar concepções que lhe
proporcionassem meios rendosos, e assim descobriu no batismo outro fértil
manancial com o qual vem aumentando os seus abarrotados tesouros.
Para
isso, modificou o batismo da água límpida e corrente do Jordão, pela célebre água
benta depositada num viveiro de micróbios (1); juntou-lhe
sal, óleo, e, o que é mais grave, a saliva, esse conhecido veículo da
tuberculose e de outras moléstias contagiosas. Tudo isso foi apresentado à humanidade como redentor do pecado original e indispensável aos recém-nascidos,
mediante, já se vê, a remuneração de alguns mil réis.
(1) Ainda
recentemente acaba de ser concedida, pelo Ministério da Agricultura, uma patente
de invenção para uma pia batismal higiênica. E o inventor publicou pela imprensa,
pareceres de padres, confirmando essa vantagem (??)
Para
reforçar o prestígio desse sacramento, a igreja explica por símbolos, todos os
requisitos imprescindíveis para a completa salvação, o que João Batista e Jesus
esqueceram ou ignoravam ser de primordial utilidade.
Vejamos
o que diz o catolicismo sobre o proveito do batismo e examinemo-lo por partes: (2)
(2) Gaffiné - Manual. do Cristão, pág 535.
“A
criança fica fora da igreja, significando que seu estado a exclui do Céu, figurado
pela igreja.”
A
pretensão aqui é tão estulta que vai ao ponto de comparar o Céu, que dizem ser
a morada de Deus, com a igreja, morada, às vezes, de certa gente indigna.
Com
franqueza; se o Céu é, realmente, igual às igrejas, que castigo para os que lá
estiverem!
“O
Padre sopra três vezes o rosto da criança, indicando a expulsão do demônio que
só é repelido pelo Espírito ou sopro de Deus”.
De
modo que a criança, apesar de inocente e de ser uma obra divina, é dominada
pelo diabo, e o padre tem o mesmo valor
que o Criador, expulsando satanás pelo sistema que só o “Espírito de Deus” pode
conseguir, ou melhor, o padre é mais poderoso, porque sabe aperfeiçoar a obra
que Deus não soube fazer perfeita.
Admirável
inteligência a da religião católica!
“O
sinal da cruz no peito e na testa ensina que ame a cruz de Jesus Cristo e a
carregue de boa vontade.”
Poderíamos
perguntar, que compreensão poderá ter um recém-nascido destas lições
ministradas pelos concílios, mas abstemo-nos de tal porque aí é que está o mistério...
“O
sal é exorcismado pelo padre, porque a não ser vedado por Deus, vale-se o diabo
das criaturas, para nos fazer mal”.
Vemos
mais uma vez que o padre benzendo o
sal, é o mesmo que se fosse feito pelo próprio Deus. São estas superstições que
trazem os católicos presos à tutela da igreja romana, e imersos na ignorância
sobre os atributos de Deus.
“e
depois deita o sal bento na boca da criança, como sinal de sabedoria que pede a igreja para ela, preservando-a da corrupção temperando,
e como que sazonando suas ações.
Se,
na verdade, a criança aprender ao menos isso, que a igreja vive a ensinar, já é
alguma coisa... para limpar as mãos na parede.
Quanto
a ficar a criança preservada da corrupção, esses que vivem corrompidos, apesar
de batizados, foram redondamente logrados e a igreja devia restituir o dinheiro
que recebeu para batizá-los, visto não ter produzido o efeito que lhes
prometeu.
“A
saliva na boca e orelhas serve para abrir a boca e os ouvidos do surdo-mudo
espiritual à verdade – pois, com saliva, curou Jesus um surdo-mudo”
Não
é verdade que Jesus tivesse curado com saliva pois que só como sinal material
foi esta empregada.
Mas
ainda que assim fosse, não é ousada petulância pretender o padre conseguir
fazer o mesmo? Pretensão, água benta e saliva...
“Despe-se
a criança que deve largar o homem velho e revestir o novo.”
Outra
vez, a sabedoria divina suplantada pela do padre. Deus criou o espírito velho, isto é, fora de uso, inservível ao fim destinado e o padre o renova, fá-lo
capaz de preencher os fins necessários, em estado perfeito.
Realmente,
que infelicidade para os católicos se as obras de Deus não fossem aperfeiçoadas pelos padres!
“Assim,
o batizando renuncia a Satanás porque não pode servir ao mesmo tempo a dois
senhores: a Jesus e ao demônio.”
De
sorte que, Jesus e o diabo são dois senhores que podem ser confundidos, felizmente
só pela criança e pelos católicos...
Pretende-se
estabelecer uma analogia, que não existe, com a sentença proferida por Jesus
quando se referia aos egoístas possuidores de tesouros:
“Ninguém
pode servir a dois senhores, porque ou há de aborrecer um e amar outro ou há de
acomodar-se a este e desprezar aquele.”
Como
vemos, Jesus não diz quais são os senhores porque isto é uma figura para servir
de comparação. Mas, em seguida, esclarece melhor:
“Não
podereis servir a Deus e às riquezas.”
É
esta uma carapuça que pertence à igreja e que ele tenta retirar de si para lhe
dar aplicação em sentido diverso, conveniente à sua doutrina; no entanto, ele jamais
iludirá os que lhe conhecem as intenções.
A
religião de Roma necessita da cegueira
dos seus fieis e, para isso, os ameaça com graves superstições, como a dos
horrores resultantes do pecado original,
que só ela pode evitar.
Esse
pecado, diz ela, é oriundo de Adão e
Eva, em virtude da desobediência praticada no Paraíso e que por sua gravidade
vem subsistindo de geração em geração, assim todos os que não forem dele
libertos pelo batismo, serão irremissivelmente arrojados ao inferno.
Bem
acertam aqui os versos do “Melro”, de Guerra Junqueiro, postos na boca do
comilão padre-cura que aprisionou, no ninho, o filhote implume da ave:
A
mãe comeu o fruto proibido;
Esse
fruto era minha sementeira;
Era
o trigo e era o milho.
Transmitiu
o pecado
E
se a mãe não pagou, que pague o filho,
É
doutrina da Igreja. Estou vingado.
Causa
compaixão só o imaginarmos que, antes de João Batista, não havendo, portanto o
batismo, todos os habitantes do planeta foram arremessados ao inferno, onde
devem estar até hoje, pois que os sacerdotes ainda lá não os foram batizar.
É,
pois, razoável resguardar desse horror as almas das crianças, mormente,
custando isso tão pouco dinheiro; entretanto, menos nos custa ainda aconselhar
os que se acham sob o domínio da igreja, que os mantém no fanatismo cego e
contagioso, a pedir aos seus pastores que lhes mostrem o Deuteronômio, Cap.
XXIV,-16 ibi, onde se lê:
“Não
se farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais, mas cada um
morrerá pelo seu pecado.”
Que
lhes mostrem também a Epístola de Paulo aos Romanos, cap. XIX-12, onde este apóstolo
diz:
“E
assim cada um de nós dará contas a Deus de si mesmo.”
E
mais isto, em Ezequiel capítulo XXVIII-1 a 23:
“O
senhor me falou e disse: Quem vos disse que os pais comendo uvas verdes, os
dentes dos filhos ficam estragados? Por mim juro que esta parábola não passará
mais entre vós como provérbio em Israel. Pois todas as almas me pertencem; a do
filho está comigo como a do pai; a alma que tiver pecado morrerá ela mesma. A
alma que tem pecado morrerá ele mesma; o filho não sofrerá pela
iniquidade do pai e o pai não sofrerá a iniquidade do filho; a justiça do justo
verterá sobre ele mesmo, a impiedade do ímpio verterá sobre ele, etc., etc.”
Depois
disto, perguntem-lhes ainda porque teimem em abusar da credulidade, impingindo
dogmas falsos, com o propósito de extorquir pingues (rendosas) propinas: e se eles
responderem satisfatoriamente, então nós outros nos convenceremos de que Jesus,
quando se deixou batizar, foi com o fim de remir também o seu pecado original, apesar
de ser ele um espírito perfeito por excelência e possuidor de uma pureza imaculada
a ponto da mesma igreja de Roma, confundi-lo com o próprio Deus.
Mas
a igreja, apesar de todo seu interesse, não conseguirá conservar por muito tempo mais,
essa utopia do pecado original; pois não admitindo a reencarnação e ensinando
que Deus cria um espírito, especialmente, para cada ser humano, verá que dentro
em pouco, ninguém, absolutamente, será capaz de admitir mais que deva sair das
mãos do Criador, um espirilo imperfeito, manchado por esse pecado, do qual não
pode ter responsabilidade.
Assim,
é preciso meditar atentamente se devem prevalecer “a injustiça e a imperfeição
do Criador” ou a certeza do próximo desmoronamento do Catolicismo, para o bem
geral da humanidade.
E
vós, católicos, que possais toda a existência a mourejar o pão quotidiano, do
qual tirais aos vossos filhos uma parte para a igreja, reservai, das horas do
vosso labor, alguns minutos apenas, para uma séria meditação!
Vede
quantas milhares de fortunas desperdiçadas sem utilidade que não a de ir
reforçar os cofres do catolicismo insaciável, quando tantos infelizes tiritam
de frio, tantos desgraçados gemem de dor sobre miseráveis enxergas, tantos
famintos amargam os estertores da fome!
lde
levar, não à igreja, mas a esses infelizes irmãos nossos, o agasalho, o
conforto e o pão e tereis cumprido fielmente a lei de Deus que em sinal de aprovação,
derramará sobre as vossas cabeças uma corrente de graças consoladoras. E então
convencer-vos-eis de que o pecado original e seu antídoto são quimeras
manobradas exclusivamente em detrimento da vossa boa fé.
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