quarta-feira, 3 de outubro de 2012

64. "Doutrina e Prática do Espiritismo"





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            "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus."

            Era Deus, sim, no sentido de que, tendo percorrido os mesmos ciclos de remota evolução que todas as criaturas, já estava plena e conscientemente reintegrado em sua natureza originária participando dos atributos do Criador, veículo que se tornara de suas volições, não, porém, no sentido da teologia dogmática, que pretende fazer do Cristo o próprio Deus, com esquecimento da dependência e subordinação em que ele próprio frequentes vezes se confessou em relação ao Pai, a quem de outra sorte não se compreenderia que deprecasse um acréscimo de dons, como nesta invocação:

            "Tu pois agora, Pai, glorifica-me a mim em ti mesmo, com aquela glória que eu tive em ti antes que houvesse mundo (1)."         

            (1) João, XVII, 5.

            Resplandecia, pois, o Verbo na glória do Pai eterno quando, concentrando Este o pensamento, naquele minuto da eternidade a que nos reportamos, na região do infinito em que se ia exercer a sua onipotência criadora, ao Verbo conferiu poder para atrair a si as partículas dinâmicas, segundo uns, no dizer de outros os Egos divinos, em torno dos quais se formariam "centros de consciência," ou, como por nossa parte o preferimos, os germens ou princípios espirituais destinados a constituir o substrato de vida nesse trecho do universo em via de elaboração.

            Simples e ignorantes, em sua origem, esses princípios espirituais contêm em si todas as capacidades latentes, susceptíveis de infinitos desenvolvimentos, que as leis de sua própria evolução vão sucessivamente converter em realidades atuais. O seu deslocamento do oceano de fluido cósmico primitivo, para a gestação da nebulosa em que se vai exercer a sua atividade, constitui para eles o primeiro ritmo vital. Mas ainda não é a sua própria vida. É preciso que de involução em involução, mediante desmembramentos e condensações, em que se irão sentir cada vez mais aprisionados, da nebulosa se destaque o mundo e que, neste a natureza se organize em reinos, para que através destes se opere a sua individualização, do estado rudimentar, simples força de coesão, em que termina o ciclo involutivo, ao grau de instinto e daí ao de plenitude consciente.

            Desse processo de condensação, em sua fase inicial, nos dão conta as diversas hipóteses cosmogônicas formuladas para explicar a gênese do mundo, das quais a mais recente é, como o aludimos em começo, a do "turbilhão," concebida por Emílio Belot e que, sem contradizer a teoria de Laplace, cujo ponto de partida é a nebulosa, de que surgiu o nosso sistema planetário, pretende apenas completa-la, recuando a indagação ao período anterior a essa mesma nebulosa e buscando surpreender o processo de sua formação .

            Baseando-se na configuração das nebulosas da Lira, semelhante a um penacho de fumo, de Andrômeda, do Triângulo, do Cão de Caça e de Orionte, que se apresentam em forma de espiral, como o atestam as fotografias obtidas no observatório de Yerkes, e inferindo que a nebulosa geradora do sistema solar deveria ser analogamente constituída, imagina aquele ilustre cientista que a matéria cósmica primitiva tomara a forma de um tubo-turbilhão, lançado no espaço, rumo da constelação de Hércules, com uma velocidade giratória, em sua periferia, de cerca de 75 mil quilômetros por segundo. Encontrando na passagem uma nuvem cósmica, espécie de nebulosa flutuante no éter, a extremidade do 'tubo-turbilhão recebeu
um violento choque, de que resultou o seu fracionamento, à semelhança de um jato de água que, batendo de encontro a uma pedra, se divide em nós estrangulados e em ventres dilatados. Assim o turbilhão se fracionou em nós e ventres alternados e equidistantes, cada um destes em seguida se expandindo num lençol de matéria cósmica em forma de tulipa, que deu origem simultaneamente aos planetas do sistema solar - Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno - formados quase ao mesmo tempo que o Sol e desde então submetidos às leis da gravitação universal.

            Essa hipóteses turbilhonar nada tem de inadmissível, parecendo apenas, a um outro eminente cientista (1), um tanto audaciosa. Mencionamo-la contudo unicamente a título de subsídio teórico e para fazer ressaltar que, reportando-se embora ao estado remoto da nebulosa originária do sistema solar, não resolve ainda assim a questão referente à Causa primária, que de resto os dados exclusivamente científicos são impotentes pura, descobrir e não pode residir senão naquela Vontade onipotente, raiz de todos os dinamismos e de todas as criações universais.

            (1) H. Poincaré, LEÇONS SUR LES HYPOTÈSES COSMOGONIQUES.

            Ou tomemos, pois, a matéria cósmica sob a primitiva forma de tubo-turbilhão, fracionando-se ao contato de uma nuvem da mesma natureza flutuante no éter - resistência engenhosamente imaginada para justificar esse fracionamento, - ou nos limitemos a considerar os corpos do nosso sistema planetário resultando de anéis sucessivamente desprendidos do círculo equatorial da nebulosa, em virtude da predominância de uma das forças, centrífuga e centrípeta, sobre a outra, como se encontra na hipótese de Laplace, confirmada pelo ensino dos espíritos (1), o que de todo modo resulta é uma direção volitiva tendente a transformar o fluido primitivo em nebulosa e a nebulosa em astros, de cuja gradual condensação vai resultar o que em nossa linguagem denominamos vida organizada.

            (1) Allan Kardec, A GÊNESE, cap, VI, "Uranografia geral", págs. 110-112.

            Do aparecimento dessa organização vital em nosso mundo, através de épocas milenárias cujo transcurso é medido por milhões de anos (2), se ocupa Allan Kandec na obra que abaixo, em nota, mencionamos e de cujos ensinamentos nos vamos socorrer, completando-os com os mais recentes dados fornecidos pela geologia e a paleontologia,  resumindo-os embora consideravelmente, como o exige a natureza sintética deste simples esboço.

            (2) Segundo Lvell e outros naturalistas, mais de 300 milhões de anos teriam decorrido da solidificação das camadas superficiais terrestres até a nossa época. Essas conclusões foram, porém, impugnadas por alguns físicos, que não admitem mais de 100 milhões. Tomando-se, por mais moderado, esse cálculo como base, teremos ainda assim estas cifras colossais para os três grandes períodos geológicos: - Época primária, 75 milhões de anos; época secundária, 19 milhões: época terciária, 6 milhões. (Ver Gabriel Delanne, A EVOLUÇÃO ANIMICA. págs. 129).
            Outros, admitindo esse limite total, o dividem contudo do seguinte modo:
            52 milhões de anos, para o período primário:
            34 milhões para o secundário; 
            14 milhões para o terciário.
            O período quaternário (aparecimento do homem) é avaliado de 100 a 300 mil anos. (Dr. Gustave Geley, LES PREUVES DU TRANSFORMISME, págs. 187 - 8 que adiante citamos).




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