terça-feira, 18 de setembro de 2012

60. "Doutrina e Prática do Espiritismo"



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            Será possível estabelecer uma classificação que abranja, dos mais imperfeitos aos eminentemente evoluídos, as diferentes categorias de espíritos a que nos vimos referindo?

            Allan Kardec o tentou com relativo êxito, sobretudo porque, abstendo-se de dogmatizar nesse, como de resto em todos os assuntos que fazem o objeto da Revelação de que foi o sapiente codificador e em cuja explanação colaborou com os vastos recursos de seu iluminado espírito, conseguiu organizar uma "escala espírita" em moldes suficientemente latitudinários para permitir aos estudiosos e pesquisadores dos problemas do universo espiritual a faculdade de ampliações e modificações que, todavia - importa desde logo advertir - não afetarão substancialmente o seu esquema. Distribuindo, com efeito, por três grandes ordens, subdivididas em dez classes, os habitantes do invisível, para o que se socorreu não somente de suas numerosas observações pessoais como dos ensinamentos ministrados por elevadas entidades, que foram, sob a suprema direção do Cristo, os verdadeiros fundadores da Revelação moderna, teve o cuidado de preceder essa classificação das seguintes judiciosas observações, cujo valor para os que se iniciam na doutrina justifica bem a transcrição que passamos a fazer:

            "A classificação dos espíritos - disse ele (1) - baseia-se no grau de progresso em que se acham, nas qualidades que adquiriram e nas imperfeições de que ainda se devem despojar. Essa classificação com tudo nada tem de absoluta: cada categoria só apresenta um caráter definido quando considerada em seu conjunto; mas de um grau a outro a transição é insensível, e nos extremos o seu característico próprio se vai apagando lentamente, como se observa nos reinos da natureza, como o vemos na gradação das cores do arco íris, ou ainda como se opera na passagem do homem pelos diferentes períodos da vida. Pode, portanto, formar-se um maior ou menor número de classes, conforme o prisma por que se observar o assunto .

            (1) A. Kardec, O LIVRO DOS ESPJRITOS, parte 2ª, cap. I, Escala espírita, págs 36 e segs.

            "Verifica-se aí a mesma coisa que em todos os sistemas de classificações científicas, os quais podem ser mais ou menos completos, mais ou menos racionais ou cômodos para a inteligência, sem que, quaisquer que sejam, alterem o fundo da ciência. Os espíritos, interrogados a esse respeito, variaram quanto ao número das categorias, o que não tem grande importância. Houve quem dessa aparente contradição fizesse um motivo de repulsa, sem refletir que os espíritos não ligam importância alguma ao que é meramente convencional. Para eles o pensamento é tudo; a nós nos deixam a forma, a escolha dos termos, as classificações, numa palavra, os sistemas.

            "Acrescentemos ainda esta consideração que não devemos jamais perder de vista: entre os espíritos, como entre os homens, alguns há ignorantes, donde resulta que nunca será demasiado nos precavermos contra a tendência que nos leva a crer que todos eles, devem saber tudo, pelo fato de serem espíritos.
             
            "Toda classificação exige método, análise e um profundo conhecimento do assunto. Ora, no mundo dos espíritos, os que possuem conhecimentos limitados são, como os ignorantes dentre nós, incapazes de abranger um conjunto, de formular um sistema: não conhecem, ou só imperfeitamente compreendem qualquer classificação; para eles, todos os espíritos que lhes são superiores pertencem à primeira ordem, na impossibilidade em que estão de apreciar as variantes de saber, moralidade e competência que os distinguem, como sucede aqui na terra com o indivíduo inculto relativamente aos homens civilizados. Mesmo os que de tanto são capazes, podem variar nas particularidades, conforme o critério que adotem, principalmente quando uma divisão nada tem de absoluta. Linneu, Jussieu, Tournefort tiveram, cada qual, seu método, com o que a botânica não sofreu alteração; é que eles não inventaram as plantas nem os seus caracteres, limitando-se a observar as analogias, de acordo com as quais formaram os seus grupos ou classes.

            "Foi assim que por nossa parte procedemos; nem inventamos os espíritos nem os seus caracteres; vimos e observamos; julgamo-los por seus atos e palavras e em seguida os classificamos por suas semelhanças, tomando por base os elementos que eles próprios nos forneceram.

            "Os espíritos admitem geralmente três categorias principais, ou três grandes divisões. Na última, que ocupa o lugar mais ínfimo da escala, estão os espíritos imperfeitos, caracterizados pelo predomínio da matéria sobre o espírito e pela propensão para o mal. Os da segunda são caracterizados pelo predomínio do espírito sobre a matéria e pelo desejo do bem: são os bons espíritos. A primeira, finalmente, compreende os espíritos puros, os que atingiram o supremo grau de perfeição.

            "Essa divisão nos parece inteiramente racional e apresenta caracteres bem distintos; não nos restava mais que, destacar, por um número suficiente de subdivisões, as principais variantes do conjunto, Foi o que fizemos, com o auxílio dos espíritos, cujas benévolas instruções jamais, em ocasião alguma, nos faltaram.

            "Mediante essa escala será fácil determinar a ordem e o grau de superioridade ou inferioridade dos espíritos com que nos podemos relacionar e, conseguintemente, o grau de confiança e estima que merecem; é de certo modo a chave da ciência espírita, porque só assim, esclarecidos sobre as desigualdades morais e intelectuais dos espíritos, poderemos compreender as anomalias que apresentam as comunicações. Faremos contudo observar que os espíritos sempre pertencem a esta ou aquela categoria. Pois que só gradualmente se efetuam os seus progressos e, não raro, mais num sentido que em outro, podem eles reunir os caracteres de várias categorias, o que é fácil de verificar por seus atos e linguagem."

            Desdobra em seguida Allan Kardec a escala dos seres espirituais, começando pelos da terceira ordem, "espíritos imperfeitos", distribui dos em cinco classes - impuros, frívolos, pseudo sábios, neutros e perturbadores - para considerar em seguida os da segunda ordem, "bons espíritos," a que pertencem os que classificou como benévolos, doutos, sábios e superiores, subindo assim de graduação até chegar finalmente aos da primeira ordem, "espíritos puros," compreendidos numa classe única, demorando-se ainda na pormenorização dos caracteres que distinguem cada um d'esses grupos, mas em que nos absteremos de alongar-nos, preferindo remeter os estudiosos à indicada obra, verdadeiro pórtico da doutrina espírita, cujo preliminar e meditado estudo, que não a simples leitura correntia, é indispensável a quantos desejem metodicamente iniciar-se em seus ensinos transcendentes.

            Para o objetivo que aqui nos preocupa, e quando ainda não é tempo de nos ocuparmos, como o faremos na segunde parte, dos métodos e cautelas a adotar na experimentação, essa pormenorizada classificação, destinada sobretudo a facilitar aos que se proponham entrar em relações ostensivas com o mundo invisível a distinção das entidades que se apresentarem, seria prematura. Limitamo-nos, por isso, a abreviada referência que aí fica, tanto mais que a mencionada escala, que no próprio dizer do seu autor "nada tem de absoluta," abrange, não a universalidade dos espíritos, senão apenas os que se podem manifestar aos homens.

            Ora, sendo verdadeiramente infinita a gradação hierárquica dos seres espirituais, como infinitas são as modalidades da vida em todas as ordens e em todas as esferas da criação, só num sentido relativo e como pontos de referência ás nossas investigações, forçosamente limitadas, se podem convencionar extremos, para baixo ou para cima nos graus de desenvolvimento e de progresso em que tais seres se encontram ou que virão a percorrer.

            Quando, por exemplo, - observemos de passagem - Allan Kardec, aludindo aos "espíritos puros," nas observações que acabamos de reproduzir, indica-os como "os que atingiram o supremo grau de perfeição," emprega apenas uma locução apropriada a nossa incapacidade de penetrar demasiado longe no discernimento dos seres espirituais de tal categoria e de suas condições peculiares. Não quis de modo algum significar que haja para o espírito um limite extremo de progresso, além do qual não possa ir, o que equivaleria, ou a admitir uma paralização, um estacionamento na linha evolutiva, uma finalidade em suma, contra a qual se insurge a noção, por mais indeterminada que seja, que já podemos conceber da infinidade da vida e, por conseguinte, do progresso, ou a atribuir ao espírito a faculdade de atingir um grau de perfeição absoluta, que só pode pertencer ao Todo e não a qualquer de suas partes. Ao espírito perfectível só pode ser deferida a perfectibilidade indefinida, jamais a Perfeição, eterno polo em cujo rumo é seu destino gravitar eternamente. 

            Em que sentido - não percamos, incidentemente embora, de indagar - se deve entender essa ascensão interior, esse continuo desdobrar do ser em novas e cada vez mais sublimadas aquisições? Para os espíritos terrestres que inda somos, em duas modalidades paralelas se efetua a evolução, a cuja lei necessariamente obedecemos: progresso intelectual e progresso moral. Nada, porém, de mais razoavelmente admissível que, segundo é ministrado nos ensinos da REVELAÇÃO DA REVELAÇÃO' ,(1), uma vez alcançado pelo espirito, não mais sujeito a encarnações, um grau, para nós supremo, de adiantamento, essas duas modalidades se venham a fundir em uma só. Então, atingida a condição de pureza, de que o Cristo é para nós a mais alba representação, já não terá o espirito que se aperfeiçoar no sentido moral, em que logrou realizar a plenitude da beleza, mas que subir eternamente na senda do conhecimento, tendo incessantemente aberta a suas investigações a Bíblia eterna e infinita do universo. Terá assim que sempre e sempre engrandecer-se em ciência sideral, sendo daí em diante firmado o seu progresso unicamente nesse rumo.

            (1) A obra, que sob esse titulo e com o subtítulo OS QUATRO EVANGELHOS, explicados em espírito e verdade pelos Evangelistas, com assistência dos Apóstolos, foi recebida em forma de ditados e publicada por J. B. Roustaing (edição, traduzida, da Federação Espirita Brasileira), tem sido objeto de veementes impugnações, a pretexto e em virtude da singularizar, aos olhos de muitos inadmissível, com que é atribuída ao Cristo uma corporeidade, fora das leis da encarnação humana, constituída nela absorção e condensação de fluidos que lhe davam ao perispírito o aspecto e as condições de uma longa tangibilidade semelhante à de Katie King (experiências de William Crookes), única entretanto compatível na opinião de alguns que partilhamos, com a pureza e peregrina elevação daquele Espírito.

            À parte contudo esse ponto, em que é lícita a controvérsia, conforme o prisma por que seja individualmente examinado e, contanto que dele não se faca um motivo de divisão e hostilidade, a aludida Revelação contém, de par com uma explicação minuciosa, trecho a trecho, dos textos evangélicos, sendo assim uma obra única em seu gênero, contém - dizíamos - ensinos de uma admirável transcendência, sobre os quais bem andariam os espíritos, sem ideia preconcebida, em meditar detidamente, tanto mais que se avantajam a alguns dos codificados por Allan Kardec, como por exemplo os que se referem à evolução dos seres, ali apresentada numa síntese integral, como não se encontra semelhantemente nem com tamanha clareza no LIVRO DOS ESPIRITOS, em que esse mesmo é ministrado sob uma forma velada e incompleta.

            Se dessas vertiginosas altitudes da hierarquia espiritual, por outro lado, recuaríamos, não apenas até a nossa humanidade, mas abaixo e em torno dela, perquirindo a existência e a função de seres que ainda não conquistaram, na escala evolutiva, o direito de serem definitivamente admitidos a sua comunhão, não teremos pequena surpresa, sem que, todavia, nos deva o fato causar repugnância, verificando que de muito mais longe que da nossa espécie a escala espírita sobe e se desdobra nas mais variadas manifestações de vida, abrangendo a totalidade dos fenômenos de que é teatro o nosso mundo, desde as misteriosas elaborações nos reinos inferiores da natureza até os que se passam na própria atmosfera, regulados sem dúvida por leis inflexíveis, mas, como tudo no universo, ,dirigidos por inteligências que têm indubitavelmente como auxiliares entidades espirituais, acaso rudimentares, cuja classificação hierárquica ainda permanece nos nimbos da incerteza.

            Tais são os elementais, ou "espíritos dos elementos," de que nos fala o Ocultismo e cuja intervenção nos fenômenos geológicos e atmosféricos é igualmente reconhecida e proclamada nos ensinos da Revelação espirita (1).             

            (1) Ver Allan Kardec, O LIVRO DOS ESPIRlTOS, parte 2ª, cap. IX, nºs , 536 a 540.

            Não antecipemos, porém, a explanação de um tema, para cuja melhor compreensão necessário se faz considerar primeiro a ação multiplicada e incessante que sobre a humanidade terrestre exercem os habitantes do invisível, assim mantendo entre esse e o nosso plano uma perfeita e indissolúvel solidariedade.




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