Supremo
Anseio
Ser livre, inteiramente livre, é o supremo
anseio do homem. Essa aspiração congenial ele a traz de milenário passado,
herança ancestral que aumenta com o desdobramento dos anos. A liberdade
integral é um lindo sonho azul que a humanidade persegue, mas que não alcançará
senão quando estiver convenientemente preparada para conquistá-la. Quanto mais
escravo mais sedento de liberdade. Disse Rousseau, pela boca do seu Emílio, que "o homem verdadeiramente livre deseja apenas o que pode". Aí
está enunciado o segredo da felicidade humana. O homem, porém, não sabe querer
somente o que pode: quer sempre mais do que merece ou do que lhe é devido. Sem
disciplinar-se jamais será livre: "A liberdade exige disciplina, solicita
consciência, sugere cautela, institui medida - escreveu João Lira Filho. Quanto
mais livre, mais retraído o homem em face dos homens. Quanto maior a consciência,
menos provável que se erre por omissão." O egoísmo é a sombra do homem que
quer, mas não sabe querer. E não sabe querer porque não sabe o que quer.
Despreza a realidade dura, decepcionante muitas vezes mas sincera, preferindo a
ilusão, a aparência, porque, cansado de sofrer, reclama algo que se lhe
apresente como oportuno derivativo para suas dores e desenganos. Vive, por conseguinte,
artificialmente. Esquece-se de que os outros homens também têm direitos
respeitáveis mas na ânsia de atender às suas necessidades descura as de outrem.
Daí as lutas, os conflitos, o entrechoque de paixões, as guerras: sangue,
sofrimentos, lágrimas, desespero, incompreensão, loucura, morte!..
*
E o Emilio rousseauniano pontifica:
"É preciso crer em Deus para ser salvo" esclarecendo que esse dogma,
por ser mal assimilado tem dado ensejo a manifestações de sanguinária intolerância,
golpeando de morte a razão humana. Preferiríamos dizer: "É preciso crer
em Deus para ser livre", desde que essa crença pudesse significar
compreensão profunda. Para crer o homem terá de ser simples, bom, sincero. Sem tais
predicados, jamais crerá em Deus, ainda que julgue possuir fé inabalável. O
homem que crê é amigo dos outros homens. Não tem preconceitos, não se enreda no
cipoal das prevenções pessoais; exerce a tolerância, cultiva o altruísmo,
educa-se na prática constante da renúncia, fiel ao preceito cristão do "amai-vos
uns aos outros" . "Confúcio, no Lun-Yu
("Passatempos Filosóficos”), que completa os quatro livros sagrados de
filosofia moral e política da China sabiamente ensina: "O filósofo está completamente livre de
quatro coisas: amor-próprio, preconceitos, obstinação e egoísmo". E
Mencio ajunta: "É um grande homem
aquele que não perde a inocência e a candura de sua infância." Em vez
de procurar desenvolver-se moralmente o homem se estiola no vício dos maus
pensamentos e das ações más. E para cúmulo da heresia ainda há quem pregue que ele
foi feito à imagem de Deus! ...
*
O
homem será livre quando quiser ser livre. Para querer ser livre, precisa criar
em torno de si um ambiente propício à liberdade, respeitando os outros homens.,
ajudando-os, esquecendo-lhes os agravos, porque
ninguém conseguirá a liberdade sem pagar pesados tributos à dor. A
redenção do homem tem de ser obra do próprio homem. Quando ele se vencer a si
mesmo terá mais facilidade em encontrar o caminho da vitória definitiva. Mas é
preciso crer em Deus para ser livre. Sua presença na Terra não é obra do acaso,
nem mera consequência dum acidente" biológico. Isso seria rebaixar muito a
dignidade humana. Portanto, deve o homem realizar o sonho máximo do seu
espírito: a libertação. Quanto mais evolvido, mais liberto. O "conhece-te
a ti mesmo", do pórtico de Delfos, é o "abre-te, Sésamo!" da
tranquilidade humana. O homem que pode dominar seus impulsos inferiores, é um
forte e, consequentemente, um liberto. Essa atitude mental é de grande
importância para o seu futuro, porque todos vivemos sob o guante de ferro de
uma lei inexorável: a de causa e de efeito. Ela é que dispõe do
"amanhã" de cada indivíduo. As dores de hoje podem ter tido como
origem os erros e excessos de ontem, e geralmente o têm. Nada, porém, de desespero
nem desânimo. A vida não para, o tempo corre célere. Os indecisos, apáticos ou
desanimados, ficam para trás. É preciso sacudir o torpor do espírito,
alegrar-se com a vida, com a lembrança de que o homem tem em si mesmo os
elementos para triunfar! Os pensamentos alegres e elevados ajudam a transpor
barreiras. Forre-se do bom humor de Pangloss,
a genial criação do finíssimo Voltaire, quando, em Candide, dialogando placidamente com o derviche e, contrariado em
certa pretensão objetara: “Esperava ter o prazer de conversar um pouco com o
senhor sobre causas e efeitos, sobre o melhor dos mundos possíveis, sobre a
origem do mal, a natureza da alma e a harmonia pré-estabelecida.” Nada como ver
a vida através dos vidros cor de rosa dos nasóculos do doutor Pangloss.
*
O otimismo é indispensável para se
apreciar os altibaixos da vida humana. O mitológico Prometeu simboliza o homem
desvairado pelas paixões inferiores. Encadeado no cimo do Cáucaso por Hefaisto,
sofria o atroz suplício de ter o fígado dilacerado por voraz abutre, até que Hércules,
dele compadecido, libertou-o. Como o filho do Titã Japeto, o homem também está
encadeado, mas às suas inferioridades, vitima dos próprios impulsos, sentindo
as inelutáveis consequências da lei de causa e de efeito, à qual tudo está
subordinado no Universo. Sua falta de educação moral, seu esquecimento dos
deveres sagrados de fraternidade, bem como a volubilidade do seu caráter, são o
abutre que lhe rasga com avidez as entranhas, impondo-lhe torturas pavorosas. E
ele continuará sofrendo, debatendo-se em
aflições imensas, alucinado por pesadelos que parecem eternizar-se, enquanto se
processam os efeitos de outra lei inflexível: a da evolução. Sua liberdade será
tanto mais rápida quanto mais depressa ele se desvencilhar dos vícios e erros
que o têm deprimido. O livre arbítrio será sua bússola. Então, sabendo já
desejar somente o que pode e sabendo querer, o homem fará consigo mesmo o que
Hércules fez com Prometeu.
Poderá assim regozijar-se perante
Deus, numa exclamação de felicidade:
- SOU LIVRE!
por José Brígido (Indalício
Mendes)
in Reformador (FEB) Janeiro 1946
Grifos do Blogueiro!
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