Convergência
e divergência
Tivéssemos o direito de julgar e
classificar os nossos companheiros de jornada pela superfície de um mundo de
expiações e de provas, onde todos somos grilhetas do pecado e do erro, como bem
expressa o lindo provérbio esperantista, dizendo que os característicos do
homem são o pecado e o erro (Peko kaj
eraro estas ecoj de I' homaro); pudéssemos arvorar-nos em julgador dos
nossos irmãos da Terra e do Espaço, e seguiríamos o critério de colocar sempre
mais alto os que sabem encontrar mais pontos de convergência para unir os seres
entre si e, inversamente, cada vez mais baixo os que mais divergências sabem
encontrar para dividir os filhos de Deus.
O maior descobridor de divergências
pode ser e muitas vezes é uma brilhante inteligência mundana, convencional, mas
lhe faltam quase sempre a intuição do futuro, a compreensão do dever, o
sentimento de unidade da família humana e com essas faltas torna-se um cego guiando
cegos para os abismos do ódio, das divisões e subdivisões infinitas até tornar
o indivíduo insulado de todos os outros, estéril e infeliz. É o puritano que
não pode ter contatos com outros para não se contaminar e tem de fossilizar-se
num claustro real ou imaginário, porque todos os outros são indignos do seu
convívio superior. Todos os outros lhe parecem, aos olhos cegados pelo orgulho
intelectual, inferiores e indignos, porque não veem ou fingem não ver as divergências
que os deveriam afastar de muitas rodas que frequentam, de trabalhos em que prestam
sua colaboração.
Justamente o contrário, o
descobridor de convergências encontra sempre algo de bom mesmo nos maus, algum
ponto de afinidade para estabelecer contatos e ajudar aos outros e a si
mesmo. Tem a intuição quando não a compreensão da solidariedade humana e
encontra sempre
algum serviço a prestar em favor do crescimento dessa solidariedade. Pode não
ter a inteligência
presentemente muito cultivada, mas revela sua evolução pela intuição nítida do
dever a cumprir sem discussão, de ligações a estabelecer por toda parte entre
os homens. Ama e o amor lhe dá uma visão espiritual que penetra através das
muralhas da seita e do partido para encontrar o bem e o cultivar fora e dentro
de seu círculo pessoal. Não traça limites intransponíveis para o bem e o justo.
Não se encarcera numa concepção sectária e isolante.
Em religião, o descobridor de
divergências é o intolerante fabricador de seitas e semeador de ódios; o descobridor
de convergências é força amorosa e unificadora que sabe colocar o bem acima dos
dogmas e dos livros sagrados.
Na família espírita, o descobridor
de convergências estuda com amor as obras de Kardec, Roustaing, Léon Denís,
Gabriel Delanne, Myers, Davis, Wood, Imbassahy, Bezerra de Menezes, Sayão,
encontrando numas confirmação e complemento das outras, num grandioso todo que lhe
desvenda a origem divina da Revelação; lê a Bíblia, os Vedas, o Corão; encontra
a concordância de Bhagavad-Gita com o Evangelho; sente a ligação do Socialismo
com o Cristianismo, com o Budismo, com o Espiritismo, com o Esperantismo, com
os progressos da Ciência; vê por toda parte Missionários preparando cada um dos
pormenores do grande futuro da Humanidade redimida de amanhã e sente em
transbordamentos de júbilo o anseio de colaborar com todos eles na obra comum
de preparar o Reinado de Deus sobre a Terra.
O descobridor de divergências,
porém, do alto de sua cátedra, superiormente fulmina tudo quanto não esteja
dentro de sua limitadíssima compreensão de Kardec; exaspera-se de haver comunicações
de índios e africanos e exige arrogantemente que sejam excomungadas tais modalidades,
e que com elas nada de comum tenha a nossa Federação; exige para si o direito
de julgar e classificar os grupos espíritas e reclama do Estado a força do
braço secular para impedir o funcionamento dos grupos que lhe incorram na
desaprovação.
Todos estes pensamentos nos ocorrem
ao lermos a linda mensagem do Irmão X, impressa em Reformador[1] de
julho deste ano, páginas 145 a 147, com o título Definindo Rumos. Embora sem
descer a minúcias, o Grande Espírito que mal se oculta sob esse anonimato, pois
que seu estilo é inconfundível e de todos nós mui conhecido, defende
ardorosamente a Federação por haver atraído para seu amoroso convívio todos os
irmãos de boa vontade que se reuniam fora da Casa de Ismael. Leiamos e
meditemos sobre a grande lição do Irmão X. Temos muito que aprender com ele e
com todos os descobridores de convergências.
A luz que ilumina o roteiro não é a
da fria e pretensiosa, curta e falível inteligência do descobridor de divergências;
é a do amor ardente que a todos envolve, que tudo impulsiona, tudo eleva para
Deus, mas não sabe julgar, nem negar, nem condenar as obras dos filhos de Deus.
por Ismael Gomes Braga
in Reformador (FEB) Agosto
1945
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