quinta-feira, 14 de junho de 2012

e. (e final) - Dos Princípios Incontroversos às Hipóteses Plausíveis



‘e’e final. “Dos Princípios Incontroversos
às Hipóteses Plausíveis”


2. A Hipótese da Morbidez Perispiritual

            Sendo a enfermidade um elemento de expiação ou de prova para o espírito Dependente de causas anteriores ou de negligências atuais, poder-se-ia admitir, especialmente no primeiro caso, que a sua sede é o perispírito: daí a eficácia da ação magnético-fluídica dos passes que vão constituindo modalidade terapêutica sempre e cada vez mais apreciável.

            A hipótese parece-nos plausível: mas necessário é não exagerarmos o conceito, ao ponto de levá-la a extremos inconsequentes. Sobretudo é preciso diferençar as causas remotas das enfermidades expiatórias, do imediatismo que revestem certos acidentes patológicos.

            ... O que se passa, no caso em apreço, é o seguinte, parece-nos: enquanto o homem permanece na fragilidade do pecado - índice incontestável de imperfeição espiritual - o seu perispírito não dispõe de energia fluídica suficiente para imunizá-lo contra as enfermidades endêmicas ou esporádicas, próprias do ambiente em que se encontre - e o homem tem o seu corpo físico acessível ao assalto dessas enfermidades. Vemos ai o imediatismo do acidente mórbido, condicionado, porém, às causas remotas da imperfeição do espírito, imperfeição que lhe não permite constituir um perispírito capaz de proteger eficazmente o arcabouço contra as doenças.

            Agora, o que se pôde, aceitar como regra geral, é que, quanto mais perfeito o espírito, tanto mais invulnerável o corpo, graças à energia perispiritual, a certas formas de doença, principalmente àquelas que, por sua incurabilidade, revestem caráter expiatório.

            Regra geral, dizemos, porque frequentes são as exceções constatadas. No que concerne à tuberculose, por exemplo, são de tal modo frequentes os casos em que vemos criaturas boníssimas acometidas do mal incurável, que se poderia afirmar constituir a tuberculose - a moléstia das pessoas de bom coração, como se dizia outrora, nos bons tempos em que os poetas cantavam desinteressadamente como os rouxinóis, constituir a moléstia característica dos poetas.

            Em nosso mundo, o aforismo - Mens sana in corpore sano é de aplicação muito relativa.

3. A Hipótese da Memória Perispiritual

            Outra asserção que se encontra nos tratadistas da doutrina, é a de que o perispírito possui a faculdade de conservar, como em um registro, a memória dos acontecimentos que o espírito presenciou ou dos fatos que ocorreram e de que foi ele protagonista, em sua passagem pela Terra, o que lhe permite a própria identificação, através das sucessivas encarnações planetárias e do estado de erraticidade na vida espiritual. Constitui esta hipótese um simples corolário da precedente, sob n." 1, isto é, a do "eterno perispírito".

            A memória é, sem duvida, o quid divino, sem o, qual não existe individuação possível. A perda total e permanente da memória constituiria, fosse tal coisa suscetível de dar-se, o não ser, isto é, a verdadeira morte, o nada para o homem. Conceder esse atributo ao perispírito, seria deslocar para, este o sentido espiritual do ser, a personalidade humana em sua essência eterna, ainda que obscurecida pela matéria, mas de cuja existência pode-se ter perfeito conhecimento, como disseram os espíritos a Allan Kardec, pelo pensamento. (1)

            (1) "Livro dos Espíritos', pág.9, nº 26:
             P. Podemos conceber o espírito sem a matéria e a matéria sem o espírito?
            - R.  Sem dúvida, pelo pensamento",

            Queremos crer que a confusão resulta de se desdenhar, na pesquisa das causas primárias, no que concerne ao homem, o fator sentimental, emotivo, esse imenso repositório da vida espiritual, que o intelectualismo de um lado e, de outro, os prejuízos de toda ordem das diversas escolas e, sobretudo, as exigências do viver carnal, substituem pela existencialidade terra a terra, do homem.

            Entende-se, talvez por isso, que o Espirito, sem matéria alguma, seria uma abstração: daí a permanência eterna do perispírito, como o entendem alguns filósofos e o deslocar-se o atributo essencial da memória para esse revestimento de matéria fluídica, sem o qual pretende-se que o Espirito seja apenas uma abstração. É reduzir muito as faculdades superiores com que Deus dotou o homem!

            Mas, indaguemos, há ou não há o Espirito? A própria teoria que o considera abstração desde que não se ache unido ao perispírito, nada mais estabelece do que a existência da pura personalidade espiritual, pois para que alguma coisa esteja unida a outra, é necessário, fora de dúvida, que tenha existência real.

            Ao nosso ver, o que há é um defeito de conceituação (do Espiritismo dentro do Materialismo). que convém corrigido a tempo de evitar deturpações da Revelação Espírita, por acréscimos contraproducentes ao que nos disseram os mensageiros de Jesus e cuja extemporaneidade retrógrada faz recuar os princípios da Revelação a uma fase de reação psicológica do materialismo científico contra o dogmatismo religioso, fase já vencida e ultrapassada pela humanidade. 

            A incompreensão do que seja um Espírito, em sua essência divina, já não existe mais senão para os que teimam em formar a sua cultura espírita à luz do extremado Racionalismo que ainda em nossos dias predomina nas classes cultas.

            Precisamos, porém, não confundir as épocas. Esse racionalismo foi necessário, para vencer a opressão da fé dogmática,  esse credo quia absurdum que serviu para o cerceamento das consciências. Pode ainda convir aos que se deixaram galvanizar nos princípios da escola que teve por única missão arrancar o domínio das almas das mãos da igreja, tornada incompetente para o ministério sagrado de educadora da humanidade, desde o instante em que deixou de servir ao Cristo para entregar-se ao serviço de Mamon. Mas os que evoluíram com o Espiritismo, os que fizeram a sua educação nos moldes do Espiritismo Evangélico, procurando encontrar o espírito que vivifica, a fim de se nortearem por ele, separando-o da letra que mata, esses não tem dificuldade em sobrepor-se aos dogmas que a ciência sobrepôs aos da igreja e, iluminados pela Fé viva que desperta o sentimento nas almas, conhecem o Espirito, conhecem-se a si mesmos como entidades livres em sua essência espiritual, que as imperfeições morais podem escravizar acidentalmente à matéria, em qualquer dos seus grãos, mas cuja libertação definitiva um dia chegará!  

            Que seria feito, nesse dia, do ser eterno, indestrutível - do Espirito - se a memória constituísse apanágio do perispírito?

            Seria a perda da individualidade, porquanto, extinto o perispírito, sede da memória (conforme a hipótese que estamos contestando), extinguir-se-ia com ele o espírito. Absurdo, arquitetado por um panteísmo de nova espécie, decorrente de um esforço extemporâneo para explicar fenômenos que apenas podem ser, pela inteligência humana, constatados, porque evidentes.

            A memória é atributo exclusivo do Espirito.

            Simples palavras, dirão os nossos irmãos ainda aferrados ao racionalismo. E nós lhes daremos a resposta do Cristo, quando falava a Nicodemos: "Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?" (1)

            (1) João, cap. 3, vers. 12.

            Os espíritas que seguem a Jesus, quer leiam Kardec ou estudem Roustaing; inundem os cérebros de cultura cientifica ou se deixem ficar na penumbra silenciosa da prática da caridade; esses, não têm, entretanto, o direito de dizer que lançamos palavras ao vento.

            Meditem profundamente, sobre o que acaba de ser exposto, os nossos companheiros de lides doutrinarias. Escrevemos depois de haver perlustrado muitas páginas de obras espíritas, de tratados de metapsíquica, de hipnotismo; depois de longos entretenimentos com espíritos de diversas categorias, em um quarto de século de trabalhos humildes em humildes oficinas de Jesus, onde se preza a inteireza da consciência; depois, também, de termos exercido a mediunidade que, além de ser uma porta aberta para o mundo admirável dos fluidos, é uma pequena, minúscula ogiva rasgada no templo da Verdade, acessível ao homem, para o infinito do mundo espiritual.

            Por essa minúscula ogiva tem subido a nossa alma para o seio de Deus, em momentos, para nós memoráveis, de nossa vida humilde - os momentos das supremas eclosões da alma, quando os olhos inundam-se de lágrimas, a prece evola-se do tabernáculo da alma e do complexo humano, em um rápido instante, apenas fica lugar para a vibração íntima e profunda do Espírito.

***

            O que se disse com relação à memória, é aplicável a quaisquer outras faculdades permanentes do Espirito, que possam porventura ser atribuídas ao perispírito.

            A confusão resulta dos estreitos limites em que se confinam estudos concernentes a fenômenos de suma transcendência, como esse de que acabamos de tratar.

            Circunscrever tais estudos ao nosso plano, ao plano material, pela necessidade de lhes aplicar os nossos métodos de indagação objetiva, não é nada recomendável.

            Admitimos que, uma vez constatada a existência do perispírito, a ele se reportem as nossas pesquisas, respeito às manifestações que transcendem o mundo visível, palpável, da carne, em que nos achamos soterrados: como as do mediunismo, por exemplo.

            Essa constitui uma nova etapa, de alvissareiras perspectivas, para as indagações de ordem científica. Mas a razão nos diz, a Fé no-lo afirma, Jesus nos ensinou que não é um término do descortino intelectual.

            "Vós procurais o perispírito, disse certa vez um pensador do plano invisível; nós procuramos o Espírito".

            Este o caminho que nos foi aberto por Jesus. Para percorrê-lo é preciso ter fé. "Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis isto à figueira, mas até se a este monte disserdes: Ergue-te e precipita-te no mar, assim será feito". E tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis. (1)

            (1) Mateus: Cap. 21 – Vers. 21 e 22

            Cultivemos a virtude da Fé e obteremos a certeza da Pura Espiritualidade -- alvo bendito a que todos nos destinamos pela Vontade de Deus.



por Arnaldo S. Thiago

Conferência realizada em 1º de dezembro de 1940
no Centro Espirita "Discípulos de Samuel"

inAo Serviço do Mestre”    (Ed. FEB 1942)

FIM


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