d.
“Dos Princípios Incontroversos
às
Hipóteses Plausíveis”
A
Hipótese do Eterno Perispírito
Encetemos agora a análise de algumas
das diversas hipóteses que têm sido aventadas, mais ou menos plausíveis, porém
que não podem ainda ser consideradas, no quadro da Doutrina Espírita. princípios
não suscetíveis de controvérsia.
Nenhuma dessas hipóteses,
antecipemos a declaração, envolve na sua aceitação ou na sua recusa,
fortalecimento ou enfraquecimento dos princípios axiomáticos ou perfeita e
cabalmente demonstrados da Doutrina, enumerados no esquema, a que denominamos -
Quadro do Espiritismo - e diante de cuja evidencia ruiu todo o frágil edifício
do materialismo e foi restaurada, em sua pureza evangélica, a Religião.
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Está mais ou menos assentado pelos
tratadistas espiritas "não espiritualistas" - (a expressão é autorizada
por eles mesmos: veja-se Gabriel Delanne p. 287 de "A Evolução Anímica",
tradução de Manoel Quintão, 1938) que "o ser humano compõe-se de três elementos
distintos: a alma com o seu perispírito, a força vital, e a matéria".
(Mesmo autor, pag. 53). Isso está verificado, exaustivamente, por múltiplas
observações, experiências, raciocínios, formando um dos mais interessantes
capítulos do Espiritismo, que veio trazer muita
luz a certos fenômenos constatados pela ciência e que tinham, até então, se conservado
inexplicáveis.
Que o ser humano, além do corpo
material (a força vital não devendo ser considerada parte integrante do ser,
mas elemento indispensável à sua encarnação, que ele haure na própria fonte
vital do planeta a que desce), é constituído da alma unida a um perispírito, não
se pode negar, pois os fatos o afirmam. Basta, para o conhecimento dessa
verdade, ter-se o cuidado de perlustrar a vastíssima bibliografia espírita,
nesse particular acrescida de um respeitável acervo de obras sobre metapsíquica,
hipnotismo, magnetismo, de. Aqueles que se não
contentarem com a autoridade dos sábios pesquisadores, a cujos esforços são
devidas as obras clássicas da doutrina (procedimento que. diga-se de passagem,
seria parcialíssimo, pois em todos os outros ramos de conhecimento aceita-se a
autoridade dos competentes), ainda tem
o recurso da observação e da experimentação diretas, que lhes mostrará a evidência
dos fatos.
Dissemos acima, abrindo um parênteses,
que a força vital deve ser considerada elemento indispensável à encarnação do
espírito, que ele haure na própria fonte vital do planeta a que desce. É uma
hipótese plausível. Tudo parece, entretanto, demonstrar que a força vital não é
um elemento a parte na natureza, mas sim uma irradiação do espirito. A nosso ver,
a vida é um atributo do espírito, que lhe dá capacidade de agir sobre a matéria
organizando-a para nosso uso próprio ou alheia utilização, hipótese, esta última,
que responderia ao pensamento de Oersted: "Há espírito na Natureza."
O que acontece é que a matéria,
assim organizada, adquire um certo grau de coesão molecular, mais ou menos
duradouro, permitindo às formas que o espírito modela, uma permanência também
maior ou menor, post retirada do
elemento espiritual, conforme os fins a que essas formas são chamadas a
preencher na Natureza. Vemos, assim, por
exemplo, que dos corpos dos animais uma parte entra logo em decomposição, outra
permanece por mais tempo (a ossatura), mas todas acabam por dissociar-se e
voltar à fonte de onde promana toda substância. Essa força de coesão molecular post-mortem, nada mais teria a ver com o
espírito, senão que foi por ele produzida, ficando ainda a dar coesão à
matéria. Ninguém poderá, efetivamente, estabelecer confusão entre um tronco de árvore
viva, do qual brotam ramos que produzem folhas, e folhas que se transformam em
flores e frutos, com um tronco de árvore morta cuja umidade (?) pode dar nascimento a uma nova forma de vida: os cogumelos
que, por sua vez. depois que morrem, ainda subsistem materialmente, por algum
tempo, em seu arcabouço .
Este modo de contemplar,
distinguindo-os em próprios da economia individual e para utilização alheia, os
fenômenos da organização das formas materiais, acabaria com a ideia que procura
ver, até nos conjuntos minerais atuais um princípio espiritual em elaboração,
pois que,
ao contrário, veríamos aí, na força de coesão molecular, a energia imanente da
substância como reflexo da energia do Espírito, subsistente nas formas que ele
organizou, para cumprimento da Vontade do Pai.
É fácil, portanto, esta hipótese
aceita, distinguir onde há espírito e onde existe apenas um reflexo evanescente
da energia que o Espírito comunicou à substância. Daí o profundo senso
filosófico da célebre frase do Padre Vieira: "Quereis saber o que é uma
alma? Vede um
corpo sem alma."
Será, portanto, a força molecular
uma vibração do Espirito que deixa, desse modo, assinalada uma das propriedades
que Deus lhe concedeu: a de organizar o arcabouço em que deve peregrinar pela
superfície dos planetas e de comunicar o mesmo influxo a outros organismos ou
corpos que pode formar na Natureza.
Eis aí uma hipótese a estudar, a
menos que se não prefira estabelecer diferenciação fundamental entre força
vital e força de coesão molecular - o que redundaria no desdobrar a hipótese
aventada em duas outras, apenas complicando o assunto sem esclarece-lo melhor.
***
Feita esta pequena digressão,
consideremos agora a fundo a hipótese do eterno perispírito, como elemento de
individualização ou identificação do Ego imortal, isto é, do Espírito, no
sentido absoluto da expressão, que significa o Ser pensante, criado à imagem e
semelhança de Deus.
O perispírito, sabemo-lo, é o
modelador das formas grosseiras do envoltório material: portanto o repositório relativamente permanente da força vital
que lhe é comunicada pelo Espírito, em virtude de seu divino e eterno dinamismo
essencial. Mediante a ação dessa força é modelado, pelo perispírito, o corpo físico,
deixando aquele, ao retirar-se, na forma assim organizada, energia suficiente
(chame-se vibração, coesão, força) para manter a estrutura material inalterável,
por um tempo que pode variar entre algumas horas e alguns séculos.
A natureza está cheia de
manifestações que tem certa analogia com os fatos a que nos acabamos de referir
e pelos quais se constata a permanência dos efeitos de uma vibração, de uma
força, após a passagem da causa determinante: v. g. - as ondulações concêntricas
da água, posta em vibração por um corpo qualquer, a repetição dos sons, etc.,
etc. Nenhuma razão existe para se recusar valor, portanto, a hipótese da permanência
dos efeitos, na matéria, da maior força que existe no Universo, que é a que tem
por sede o Espírito.
Mas, do fato de ser o perispírito
esse repositório relativamente permanente da força vital que dimana do
Espirito, não se deduz que este deva sempre ser acompanhado do perispírito em
questão, o qual, de qualquer forma, é matéria fluídica ou de outra espécie que seja.
Tal dedução, que reflete os métodos
e processos de demonstração da doutrina materialista, parecendo lógica,
engendra uma atitude mental pretenciosa, com o querer estabelecer princípios e
regras segundo os quais se execute o modus
operandi da própria Divindade, ou pelo menos confinar apenas a limites
acessíveis ao pensamento humano, toda a infinita ação criadora da Inteligência
e da Vontade Onipotentes de Deus!
Para que não se diga que deturpamos
o pensamento dos tratadistas espíritas não espiritualistas, citemos uma
passagem - basta-nos uma - tomada a esmo em qualquer livro em que se procure
abordar o assunto por esse prisma. O próprio Gabriel Delanne, aliás um dos mais
respeitáveis autores de obras doutrinárias, não pode fugir à sedução dessa
escola, ao afirmar: "O princípio inteligente, do qual emanam todas as almas, é inseparável do fluido universal, ou por
outra - da matéria sob a sua forma original, primordial, o que vale dizer em seu
estado mais quintessenciado.
Todos os Espíritos, qualquer que
seja o grau do seu
progresso são, portanto, revestidos de um invólucro invisível, intangível e imponderável.
Perispírito denomina-se esse corpo fluídíco." (1)
(1) Gabriel Delanne: A Evolução Anímica, pag. 10.
Como podemos afirmar que todos os
Espíritos, qualquer que seja o grau de seu progresso, são revestidos de perispírito?
Somente pelo que se observa na Terra?
Então porque o ser humano é sempre
revestido de perispírito, somos por esse fato induzidos à generalização do
princípio, vinculando-o a todas as manifestações da inteligência no Universo?
Com que direito? O da nossa
ascendência espiritual? Mas esta apenas se acha demonstrada em relação à essência
espiritual dos outros seres habitantes da Terra.
Poderíamos afirmar que a
demonstração de tal ascendência seja suscetível de fazer-se em relação aos
habitantes dos mundos mais adiantados?
E quando mesmo se trate dos mundos fluídicos,
de que nos fala a Revelação Espírita, poderá persistir a hipótese, por analogia
com o que ocorre em relação ao ser humano, de que os seus habitantes possuam, à
forciori, um perispírito?
Mas, se esses mundos são fluídicos,
fluídicos em mais intenso grau devem ser os corpos dos seus habitantes. Como
será constituído o perispírito desses seres? Terão somente perispírito? De
qualquer forma, porém, já se verifica a necessidade, para eles, de um envoltório
super fluídico. E como a progressão continua ao infinito, até onde chegaria a fluidez
do perispírito ?! (1)
(1) Só em estado de êxtase ou
desprendimento completo da matéria, domínio da Fé, pode o Espírito perceber a
sua própria natureza espiritual. "Nada mais existe do que o
pensamento", afirmou-o Humphry Davy num desses momentos de êxtase. V.
"O Desconhecido e os Problemas Psíquicos",
de Flammarion. Nota à pag. 17.
Mas onde a afirmativa é aberrante de
toda moderação e de toda prudência, que devem revestir as nossas pobres
conclusões, em matéria tão transcendente, é no ponto em que ela se desloca do
plano das cousas relativas, para o do absoluto, atribuindo ao próprio
Onipotente um perispírito: "o fluido
universal, a matéria sob sua forma original".
O arrojo, aí, atinge as raias do
delírio!
Além disso, a teoria leva também a
uma outra afirmativa inconsequente, a da emanação das almas: "O principio inteligente, do qual emanam
todas as almas ",...
(Gabriel
Delanne: Loc. cit.)
Quando mesmo fujamos ao pensamento
de atribuir à frase o sentido decorrente da sua filiação linguística, mediante
uma rápida análise filológica, porque, deste jeito, chegaríamos a pensar que os
tratadistas espíritas, não espiritualistas, assemelham Deus ao acaso dos
materialistas, às causas primárias indevassáveis,
com que se forram à humilhação (para eles) de reconhecer no Universo a existência
de um Ser infinitamente mais inteligente e poderoso do que eles (O termo ‘emanar’
- do latim emanare - significa,
etimologicamente, desprender-se, exalar-se, deduzindo-se, da análise filológica,
que o pensamento encerrado na frase em questão, afirmaria provirem as almas de
um elemento inerte, do qual desprender-se-iam, exalar-se-iam); atribuindo mesmo
ao termo o sentido figurado - provir,
proceder que lhe diminui um pouco a
gravidade do arrojo, ainda assim permanece o conceito completamente destituído
de lógica, pois que esse não é o domínio da indagação filosófica, mas
unicamente o da crença, da Fé. Poder crer ou não poder crer - são condições
decorrentes de atributos morais do Espirito e não de sua capacidade cognitiva
humana.
É muito cedo para que a ciência
possa transpor o abismo que separa a relatividade das cogitações da mente humana,
do absoluto, que caracteriza o pensamento divino. O Pai não pode desvendar os
seus segredos a filhos ainda tão imperfeitos. Consente-lhes apenas entrever as
fulgidas realidades da Criação, em rápidos instantes de suprema emoção, quando
uma grande dor, ou uma graça divina de felicidade, leva-os a curvarem os
joelhos, humildes, para aquele ato sublime de Fé, exemplificado por Nosso
Senhor Jesus Cristo, na dolorosa angústia
do Gethsemane: "Pai, faça-se conforme a tua divina Vontade."
Pois se o Cristo, investido, como o
demonstrou em toda a sua vida, de poderes que se podem dizer absolutos, sentia
e sente a necessidade dessa atitude humilde perante o Pai, como é que nós
poderemos chegar a compreendê-lo procedendo de forma diferente?
* * *
Fiquemos por aqui, quanto a este
ponto. Não é outro o nosso propósito, nesta como em todas as oportunidades que
temos de falar aos nossos confrades, senão o de convidá-los a penetrar com
imenso respeito e a máxima prudência, nesses domínios sagrados, onde o crente
prefere a qualquer atitude de discussão, a de genufletir-se silenciosamente, no
silêncio profundo da consciência, banhado nas lágrimas de emoção, à simples ideia
de se considerar, em espírito, na presença do Pai.
Deus é o nosso Criador e Pai; d’Ele
não emanamos apenas: Ele nos deu a
Vida por um Ato divino do seu infinito amor de Pai.
* * *
Agora, quanto a conservarem todos os
espíritos, em todos os graus de seu aperfeiçoamento, o seu perispírito,
parece-nos uma hipótese insustentável, atendendo-se não
só à existência de mundos fluídicos, nos quais já o espírito não precisa de
dois envoltórios, mas apenas de um - o fluídico, perispiritual, da natureza do
mundo em que se encontra, como também a Revelação (V. Bittencourt Sampaio:
"Jesus Perante a Cristandade), em que se afirma que os espíritos prepostos
à vinda de Jesus ao nosso planeta, tiveram de preparar-lhe um perispírito
formado dos elementos mais sutis da Natureza: a flor da vide e dos trigais -
para que lhe não fosse maior a tortura do constrangimento.
Preparar-lhe um perispírito, veja-se
bem, o que logicamente conduz à inferência de que o Divino Mestre não permanece
unido a um perispírito, mas toma-o quando dele precisa, como na época memorável
em que desceu á humanidade terrena, para lhe trazer a luz das eternas
verdades.
Isso, aliás, o próprio Jesus o
declarou, quando disse que tomava ou deixava o seu corpo, conforme lhe
aprouvesse.
O estado permanente de Jesus é,
portanto, o da Pura Espiritualidade. E do mesmo modo a de todos os filhos de
Deus, que atingiram a perfeição do Cristo, constituindo a categoria dos Espíritos
Puros, Mestres de Humanidades -- Unigênitos do Pai, isto é, independentes de
toda materialidade. (1)
(1) Somente ao atingir esse grau de pura
espiritualidade é que é dado ao espírito compreender a essência divina, como o
disseram os Espíritos a Allan Kardec (Livro dos Espíritos, ed. de 1917, pag.
4): "11. Será dado ao homem compreender um dia o mistério da Divindade
7" R. "Quando o seu espírito não mais estiver obscurecido pela
matéria e quando, pela perfeição, se houver aproximado de Deus, poderá então
vel-O e compreendel-O" .
A hipótese do eterno perispírito,
portanto, não resiste a uma análise, desenvolvida no sentido espirita e com os
elementos de raciocínio que o Espiritismo nos faculta.
por Arnaldo S. Thiago
Conferência realizada em 1º de
dezembro de 1940
no Centro Espirita "Discípulos
de Samuel"
in “Ao Serviço do Mestre” (Ed. FEB 1942)
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