A desencarnação de Kardec
Reformador(FEB) Março 1952
“Continuai a derramar sobre os vossos discípulos o vosso concurso benigno e poderoso; a obra se cumprirá!.. e vosso nome, gravado no panteão da História, entre aqueles dos benfeitores da Humanidade, se transmitirá de idade em idade como os dos profetas antigos.” - Levent, 1870
No dia em que Allan Kardec desencarnava, constituindo este fato dolorosa surpresa para todos os seus amigos e para os espíritas em geral, nesse mesmo dia o Sr. E. Muller, grande amigo do Codificador e de sua digna esposa, assim se expressava por carta ao Sr. Finet:
“Paris, 31 de Março de 1869
Amigo,
Agora, que já estou um pouco mais calmo, eu vos escrevo. Enviando-vos meu aviso, como o fiz, talvez tenha agido um tanto brutalmente, mas me parecia que devíeis receber a comunicação imediata desse falecimento.
Eis alguns pormenores:
Ele morreu esta manhã, entre onze e doze horas, subitamente, ao entregar um número da Revue a um caixeiro de livraria que acabava de comprá-lo; ele se curvou sobre si mesmo, sem proferir uma única palavra: estava morto.
Sozinho em sua casa (rua de Saint’Anne), Kardec punha em ordem seus livros e papéis para a mudança que se vinha processando e que deveria terminar amanhã. Seu empregado, aos gritos da criada e do caixeiro, acorreu ao local, ergueu-o... nada, nada mais. Delanne acudiu com toda a presteza, friccionou-o, magnetizou-o, mas em vão. Tudo estava acabado.
Venho de vê-lo. Penetrando a casa, com móveis e utensílios diversos atravancando a entrada, pude ver, pela porta aberta de grande sala de sessões, a desordem que acompanha os preparativos para uma mudança de domicílio; introduzido numa pequena sala de visitas, que conheceis bem, com seu tapete encarnado e seus móveis antigos, encontrei a Sra. Kardec assentada no canapé, de face para a lareira; ao seu lado, o Sr. Delanne; diante deles, sobre dois colchões colocados no chão, junto à porta da pequena sala de jantar, jazia o corpo, restos inanimados daquele que todos amamos. Sua cabeça, envolta em parte por um lenço branco, atado sob o queixo, deixava ver toda a face, que parecia repousar docemente e experimentar a suave e serena satisfação do dever cumprido.
Nada de tétrico marcara a passagem de sua morte; se não fosse a parada da respiração, diria que ele estava dormindo.
Cobria o seu corpo uma coberta de lã branca, que, junto aos ombros dele, deixava perceber a gola do robe de chambre, a roupa que ele vestia quando fora fulminado; a seus pés, como que abandonadas, suas chinelas e meias pareciam possuir ainda o calor do corpo dele.
Tudo isso era triste, e, entretanto, um sentimento de doce quietude penetrava-nos a alma; tudo na casa era desordem, caos, morte, mas tudo aí parecia calmo, risonho e doce, e, diante daqueles restos, forçosamente meditamos no futuro.
Eu vos disse que na sexta-feira é que o enterraríamos, mas ainda não sabemos a que horas; esta noite seu corpo está sendo velado por Desliens e Tailleur; amanhã o será por Delanne e Morin.
Procuram-se, entre os seus papéis, suas últimas vontades, se é que ele as escreveu; de qualquer forma, o enterro será puramente civil.
Escrever-vos-ei, dando-vos os pormenores da cerimônia.
Amanhã, creio eu, cuidaremos em nomear uma comissão de espíritas mais ligados à Causa, aqueles que melhor conhecem as necessidades dela, a fim de aguardar e de saber o que se irá fazer.
De todo o coração, vosso amigo,
(assinado) Muller.
O parágrafo final é genial... "A causa" precisava seguir em frente, como seguiu!
ResponderExcluir