domingo, 13 de março de 2011

02/50 'Crônicas Espíritas'


2

Meu caríssimo padre Dubois:

Ainda uma vez está V. Revma. enganado.
Não é, como V. Revma. diz, um prurido de exibicionismo e publicidade o que motivou a minha carta, e sim, tão somente, o fato de V. Revma. ter comentado a minha “crônica” do “Correio da Manhã”, de maneira injusta. Isto originou a necessidade de eu esclarecer ao público paraense que – se V. Revma. no seu alto critério de justiça acusou os médiuns de mercadores das graças divinas – a justiça do país estava em desacordo com V. Revma.
Aliás, não é esta a primeira vez que os tribunais brasileiros têm dado ganho de causa aos médiuns. Já no tempo em que estava confiada a direção da Saúde Pública ao saudoso e muito ilustre Dr. Oswaldo Cruz, quando também médicos havia que julgavam do seu direito ou dever perseguir os médiuns, o Dr. Eliezer Tavares, juiz dos Feitos da Saúde Pública, consultando e citando autores nacionais e estrangeiros, absolveu o médium Filgueiras, dizendo entre outras coisas “que o médium não era mais do que uma máquina, da qual o Espírito de um falecido médico se aproveitara para exercer a arte de curar.”
Era, pois, preciso, meu ver. amigo, pôr os pontos nos ii e, se isso é prurido de exibicionismo e publicidade, Deus me há de perdoar este pecado sem que eu o confesse em segredo a um sacerdote da sua Igreja. Creio, porém, que não é pecado, pois Jesus disse que a verdade deve ser proclamada do alto dos telhados. (S. Mat., 10:27, S.Luc., 12:3).
Acho, entretanto, que o espaço que ocupou na “Folha” e o tempo que V. Revma. gastou em escrever a jocosa resposta, podiam ter sido aproveitados para rebater qualquer ponto que não estivesse ao sabor de V. Revma.
Talvez não esteja V. Revma. bem compenetrado da sua responsabilidade perante o nosso Criador e perante o Cristo, nosso Senhor: e, daí, o troçar V. Revma. das coisas que mais interessam a felicidade futura de V. Revma., o que não era de esperar de um cavalheiro que se diz sacerdote do Cristo.
Céptico como é, o que, aliás, publicamente confessou numa das suas conferências, segundo alguém que o ouviu me informou, terá uma grande desilusão quando transpuser os umbrais da verdadeira vida. E a esta passagem não poderá fugir, quer nela acredite, quer não.
Se parece haver prurido de exibicionismo e publicidade, perdoe-me a V. Revma., pois concordará V. Revma. em não passar de uma vaidade esta discussão em torno de uma língua que já é considerada “morta”. A quem aproveita isto?
Não digo tal, entretanto, com a intenção de magoar V. Revma. Sei que somos irmãos, e do meu coração só partem preces, silenciosas, sim, porém sinceras ao Criador para que V. Revma. a tempo reconheça o seu erro e medite seriamente sobre o futuro que o espera.
Quanto ao tempo que V. Revma. pede para me responder, pouco na verdade é. Bem pensado, que representam trinta e poucos anos para a eternidade? E como estou certo de que no futuro, no além ou numa outra encarnação, à qual nem o ver. amigo nem eu escaparemos, nos haveremos de encontrar, bem pode suceder que nesse caso fraternalmente discutamos os pontos controversos das nossas crenças.
Com respeito ao culto das imagens, estou certo de que V. Revma. não tem interesse nenhum, como, aliá, nenhum sacerdote romano, em defender o culto propriamente dito, e sim, tão somente, o interesse pecuniário que daí provém. Este, sim, precisa ser defendido a todo transe, por necessário ao exercício do sacerdócio e para o “infalível” sacerdote que se assenta na pretensa cadeira de São Pedro, o pobre pescador que desconheceu a batina, e que, se hoje surgisse, seria corrido a pedradas por desonrar com a sua simplicidade o fausto que reina no Vaticano. Poderia, por ventura, o pobre pescador, que protestou contra o ato de o divino Mestre lhe lavar os pés sujos de pó da estrada, sujeitar-se a que lhe beijassem o pé? Certo que não, não acha?
Esse interesse, de que acima falo, é claramente demonstrado com o aumento constante de “nossas senhoras” que surgem e aparecem logo que uma nova vila ou cidade se constroem. Aproveita-se a vaidade e a ignorância dos crentes que não raciocinam por não poderem fazê-lo ou dos que por preguiça abdicam do dom precioso que Deus lhes concedeu e lá vão levar o seu óbolo sem cogitar do fim a que vai servir. A intenção, não há dúvida, é santa: “É para Nossa Senhora”.
Se eles soubessem qual é a “nossa senhora” que vai usufruir o óbolo, este teria, por certo, outro e melhor destino.
Entretanto, Jesus diz expressamente no Evangelho de São João, cap. IV, v. 23 e 24: “Mas a hora vem e agora é, quando os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade. Porque tais, quer também o Pai que sejam os que o adoram. Deus é Espírito; e em espírito e verdade é que o devem adorar os que o adoram,”
Ora, em rendendo alguém culto a imagens, pode ser considerado tal culto como adoração a Deus? Ainda uma vez V. Revma. tem que confessar que não, e que a criatura só pode adorar a Deus praticando a sua lei, dando combate aos seus defeitos e cumprindo os preceitos exarados no Evangelho do Cristo e resumidos no Evangelho de S. Mateus, capítulo XXV, v. 31-46. Só assim se torna a criatura digna do amor e da misericórdia de Deus, da proteção da Virgem, Virgem espírito, toda amor, Mãe não só das filhas que dispõem de recursos para obter o título de “Filhas de Maria”, mas muito especialmente daquelas a quem faltam os recursos, e que por isso mesmo mais precisam da sua proteção, do seu amor e da sua caridade.
No fim das contas, meu caro padre Dubois, sem pretender mais do que dizer-lhe que esperava resposta por estes 30 anos, lá fui eu também meter o meu bedelho no culto das imagens! Perdoe-me V. Revma., mas o meu defeito é deixar o lápis rabiscar e ele nem sempre é tão amável quanto eu desejo ser.
Como V. Revma. está mesmo resolvido a só daqui a trinta anos conversar comigo, digo-lhe eu, desde já: Até lá, amigo, no mundo da verdade...


Nenhum comentário:

Postar um comentário