sexta-feira, 25 de março de 2011

'A Inquisição' - Parte 3



                Os Albigenses -  Com o nome de Albigenses designavam-se todas as seitas que nas províncias do meio-dia da França eram contrárias, mais ou menos, à doutrina católica - e porque, entre as cidades que ocupavam principalmente, se contava a cidade de Alby. Foi contra os Albigenses que Inocêncio III mandou os inquisidores da fé. Foi contra os Albigenses que Domingos de Gusmão, depois S. Domingos, fundou a ordem dos pregadores ou domínicos, com o fim de os converter por meio da palavra. Todavia, essa palavra, mais que dirigida ao coração dos hereges, era usada pelos domínicos, conforme vimos, no incitamento do povo e dos príncipes contra eles.
            “Que importa dizer-se que, enquanto Raimundo de Monforte exterminava a ferro e fogo os albigenses, S. Domingos não se metia na guerra e não queria mais que a prédica e a oração? Que importa, se a palavra dos pregadores e a  oratória de S. Domingos eram o fogo que ateava a labareda do fanatismo no ânimo barbaresco do povo e aguçava os ciúmes e a inveja entre os grandes senhores, disfarçando-se todas as ruins paixões com o zelo religioso? Ora, como os albigenses não davam ouvidos às prédicas dos dominicanos nem - segundo escreveu Alexandre Herculano - cediam à violência, onde e quando achavam em si recursos e força para a repelirem, a guerra não foi mais que um tecido de atrocidades, praticadas pelos católicos contra os hereges e por estes contra aqueles.
            Os da ordem de S. Domingos não se esqueceram nunca de cumprir o artigo no qual o papa os encarregava de “exortar os príncipes e magistrados a punir, até mesmo com o último suplício, as pessoas que persistissem  nos seus erros”. E matava-se tudo sem distinção - homens, mulheres, donzelas, crianças e velhos. Tendo alguns soldados perguntado ao abade de Citeaux qual era o sinal pelo qual haviam de distinguir católicos de albigenses, respondeu-lhes o padre: “Matai a torto e a direito. Deus, depois, na outra vida, saberá distinguir os bons dos maus, os fiéis dos infiéis”.  O sábio Vaissette, na sua História Geral do Languedoc, pintou assim os domínicos: “Eles faziam sofrer horríveis torturas aos que prendiam com o pretexto de heresia, para lhes fazer confessar crimes de que não eram  culpados; subornavam testemunhas, falsificavam escrituras, etc., etc.; de sorte que todos os povos pareciam dispostos à revolta.”
            O abade de Santa Genoveva exclamava: “Não encontro por toda a parte senão cidades devoradas pelas chamas e casas arruinadas. Os perigos que me cercam fazem-me ter sempre presente a imagem da morte.”
            Apenas o arcebispo de Bruges não acamaradou com os outros nas violências contra os hereges. Exortava... convencia... implorava a graça de Deus... Foi canonizado, depois, a arcebispo S. Guilherme, logo após a sua morte, em 1209. “E por aí se vê - escreve Herculano - que mesmo no meio do delírio das paixões e da perversão das idéias, nunca obscurece de todo a sã razão e a verdadeira virtude.”

            Crê ou Morres! - Em 1229, reuniu-se o concílio provincial de Tolosa, no qual foram promulgadas quarenta e cinco resoluções, sendo dezoito relativas aos hereges ou suspeitos de heresia. Vejamos como se exprimiu a este respeito Alexandre Herculano: “Estatuiu-se que os arcebispos e bispos nomeassem em cada paróquia um clérigo, com dois, três ou mais assessores seculares, todos ajuramentados, para inquirirem da existência de quaisquer heresiarcas, ou de alguém que os seguisse ou protegesse, e para os delatarem aos respectivos bispos ou aos magistrados seculares, tomando as necessárias cautelas pra que não pudessem fugir. Estas comissões eram permanentes. Os barões ou senhores das terras e os prelados das ordens monásticas ficavam, além disso, obrigados a procurá-los nos distritos ou territórios de sua dependência, nos povoados e nas selvas, nas habitações humanas e nos esconderijos e cavernas.
            Quem consentisse em terra própria um desses desgraçados seria condenado a perde-la e a ser punido corporalmente. A casa  onde se encontrasse um herege devia ser arrasada. As demais disposições em analogia com estas, completavam um sistema de perseguições digno dos pagãos, quando tentavam afogar no berço o cristianismo nascente. A completar e reforçar esta obra, veio Luís IX (S. Luís, rei da França) com um decreto “não só concorde na substância com as provisões do concílio Tolosano, mas em que também se ordenava o suplício imediato dos hereges condenados e se cominavam as penas de confisco e infâmia contra os seus fautores e protetores”!
            Esta legislação francesa, aliada à de Frederico II na Alemanha, dando sanção legal ao sistema de intolerância sanguinária seguido contra os dissidentes, e à parte da Itália, tornou muito mais tremendas as providências tomadas na assembléia de Tolosa.
            Ainda assim... e embora, pelo que respeitava ao extermínio dos hereges, o poder eclesiástico e o civil ou secular “se compenetrassem na prática” conforme escreve Alexandre Herculano - não foi o concílio de Tolosa que firmou o cunho definitivo da inquisição como entidade independente.


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