10CM
Meu caro padre Dubois:
Recebi a sua missiva de 2 do corrente.
Não posso acender ao seu desejo,
deixando de concluir a análise dos outros dogmas citados pelo amigo,
para que não pensem que fugi da arena.
Muito tempo nos resta para estudar o problema
proposto pelo amigo na carta acima referida.
Assim, vejamos hoje o dogma da
“Ressurreição dos corpos no fim dos tempos”.
Este dogma foi instituído pelo II Concílio de Nicéia,
no tempo do Papa Adriano I, convocado, aliás,
com o principal objetivo de restabelecer
o culto das imagens na Igreja do Oriente.
O concílio, interpretando materialmente o
versículo 32 cap. 25 de S. Mateus:
“Quando vier o Filho do homem na sua majestade e com ele todos os anjos,
então se assentará no trono de sua majestade,
v. 32: E serão todas as gentes congregadas diante dele,
e separará uns dos outros,
como o pastor aparta as ovelhas dos cabritos”,
decretou o dogma, sem repassar nas palavras de Jesus
“as minhas palavras são o espírito e a vida”.
Compreende-se logo o absurdo da interpretação.
Aonde iriam as almas de todas as criaturas
que habitaram o mundo buscar os corpos,
de há muitos centenares e milhares de séculos,
desaparecidos, sabido como é, quando o Espírito se desprende do corpo,
este se desagrega e se transforma?
As sepulturas são todos os dias revolvidas para receber novos corpos.
O erro consistiu em o concílio tomas a palavra gente ao pé da letra.
Jesus também ensinou: “O que é nascido da carne é carne;
o que é nascido do Espírito é espírito”,
o que quer dizer que o corpo nada é senão um veículo,
um meio que é concedido ao Espírito para
fazer a sua trajetória pela Terra, para a sua provação,
purificação e conseqüente progresso.
Quando, porém, Jesus vier, o que se dará
quando a Humanidade houver atingido um grau de progresso
tal que seja digna de receber o seu Senhor e Mestre,
então os nossos corpos não serão mais os corpos de lama que
são hoje, mas os corpos celestes, de que Paulo o apóstolo falou.
Não se podia, entretanto, esperar outra coisa do concílio de Nicéia,
pois ele se reuniu sob as condições mais anticristãs possíveis.
A “História dos Papas, Reis e Imperadores,
à pág. 340, 1º volume, diz o seguinte a este respeito:
”Carlos Magno, nas suas freqüentes viagens a Roma,
tinha podido avaliar a horrível depravação do clero italiano,
e a este respeito dirigiu queixas ao papa.
O príncipe verberava com a maior severidade os padres romanos,
acusando-os de comerciarem com escravos,
de venderem donzelas aos sarracenos,
de terem publicamente lupanares e casas de jogo,
e de escandalizarem a cristandade pelos
monstruosos crimes que tinham chamado outrora a
vingança de Deus sobre Sodoma e Gomorra;
e manifestava o desejo de ver o papa pôr um freio a tal procedimento.
“Taraise, criatura da corte de Roma, acabava de ser
ordenado patriarca de Constantinopla. Antes de aceitar esta dignidade,
ele tinha exigido que a imperatriz Irene e seu filho
Constantino jurassem solenemente que iam reunir um concílio
para julgar a heresia dos iconoclastas.
(Essa heresia, julgada como tal pelo sínodo reunido em
Constantinopla, em 745, pelo imperador Leão III,
consistia em considerar o culto das imagens uma idolatria).
Esta medida que, segundo o cardeal Baronius,
fora combinada entre Taraise e o papa Adriano,
devia dar em resultado não a um julgamento equitativo,
mas a sua condenação certa e o extermínio dos heréticos.
“Por fim, o concílio se reuniu em Constantinopla.
Conhecedor, porém, dessa trama, o povo perseguiu-o
e obrigou-o a refugiar-se em Nicéia, onde, reunido,
decidiu que as imagens fossem restabelecidas nas Igrejas do Oriente.
“Carlos Magno se opôs a essa decisão e
convocou um concílio em Frankfurt, no próprio palácio,
para pôr termo às disputas dos bispos do Oriente,
a despeito das imprecações de Adriano.
Os prelados de todas as províncias sujeitas ao seu domínio
obedeceram-lhe logo e acharam-se reunidos em número de 300.
Juntaram-se-lhes 100 padres e frades e os principais
senhores da corte imperial. O próprio soberano presidiu
à assembléia e fez admirar a sua
eloqüência nas discussões teológicas.
“O resultado das deliberações da Assembléia foi remetido
aos bispos espanhóis sob a forma de uma carta sinodal e
Carlos Magno escreveu-lhes, também, censurando-lhes
o terem colaborado na errônea doutrina, e convidando-os
a conformar-se com a fé ortodoxa, se quisessem que ele os
ajudasse a libertar-se da oposição dos sarracenos; e
quanto às deliberações do concílio de Nicéia,
o rei aconselhava-os a repelir, como ele, a idolatria das imagens.”
Agora, meu amigo, imagine em vez de
seguir o conselho do Cristo:
“Deus é espírito e em espírito deve ser adorado”,
pode produzir algo de agradável ao Senhor.
Por força, há de estar tudo torto. Não acha?
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