sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Mistificações conscientes

 

Mistificações conscientes

por Carlos Imbassahy

livro: “Libertação” (Editora Ismael - Araras-SP, 1955)

             Dizia certo cronista que a qualidade universal de nossos adversários é a incompetência. Mas não é só.

            No começo das experiências psíquicas, alguns experimentadores se espantavam de que, ao lado dos fenômenos iniludivelmente autênticos, houvesse outros que se diriam fraudulentos. Depois de vários estudos descobriram que, ora a suposta fraude era intrínseca ao fenômeno, como os fios que surgiam das mãos de Eusápia, ora que se tratava de mistificação inconsciente, como os casos de automatismo e sugestão.

            Os ignorantes, não obstante, continuavam a falar nos embustes de Eusápia, até que a Sociedade de Pesquisas, de Londres, enviou, para examiná-la, três dos seus mais célebres investigadores, peritos em prestidigitação. Esses técnicos concluíram pela autenticidade dos fenômenos.

            Se depois de tantos anos de observação, de experiências múltiplas; se depois do veredito dos sábios da época; se depois da afirmação de Richet, a de que a mediunidade de Eusápia era suficiente para ter-se a fenomenologia objetiva como demonstrada; se depois da última palavra da Sociedade de Londres alguém afirma que os fenômenos produzidos por Eusápia Paladino eram fraudulentos, esse está mistificando conscientemente.

            Temos, ainda, mistificação consciente quando se declara, como o faz abalizado teólogo, que:

             “após as tristes experiências de Cambridge por cientistas ingleses, ficaram por tal modo patenteados os “seus” processos fraudulentos...”

             (Estes ‘seus’ devem ser os processos de Eusápia e não os dos cientistas ingleses, como a redação pode presumir. Feche-se os parenteses).

             “... que a Society for Psychical Researchs resolveu não mais tomar conhecimento dos seus fenômenos”.

             E temos consciente mistificação porque, muito depois de Cambridge é que foi nomeada a célebre comissão de Baggaly, Fielding e Carrington, que assegurou a realidade dos fatos supranormais e a absoluta honestidade da médium. O relatório declarava: “A ausência de fraude é completa”. (Veja-se os Proceedings, 1969, e Annales des Sciences Psichiques, de Paris, setembro de 1909).

            Esse o último veredicto da Sociedade.

            Aquelas manifestções de Cambridge, segundo o contestante, ter-se-íam realizado em 1896, logo 13 (treze) anos antes do relatório dos três.

            Apadrinha-se o teólogo com Grasset. Mistificava, portanto: o Grasset se disse o que lhe imputam e não desconhecia o relatório.

            Quando se afirma, diante das provas e dos documentos apresentados por Crookes e por quantos o acompanharam em suas memoráveis experiências,

             “que a trapaceira mocinha Florence Cook iludiu por muito tempo o circunspecto e honrado professor”.

             Mistifica-se conscientemente.

            Quando se declara que o Times desmascarou a médium, está-se ainda a mistificar com toda a consciência, porque o Times não desmascarou coisa nenhuma, apenas publicou uma informação que lhe trouxeram, sem qualquer elemento de prova, a de que o Sr. Fulano havia apanhado em fraude uma Senhora Corner e que esta fora a Miss Cook. Provou-se a fragilidade da denúncia.

            Ora, William Crookes fez experiências com aparelhos de vária espécie, cercou-se de todas as precauções, auxiliado pelas suas máquinas, suas lâmpadas, e até por sua senhora, visitou, contou com a colaboração do Engenheir Varley, que inventou um “controle” elétrico e nele envolveu a médium; as manifestações se realizaram no gabinete do sábio e ele viu a materialização em plena luz, enquanto a médium jazia inanimada no canapé e no assoalho, e ele examinava, ao mesmo tempo, uma e outra.

            Ele viu, ao mesmo tempo, Katie e miss Crook; comparou-as, mediu-as, auscultou-as, tomou-lhes as pulsações, fotografou-as, enquanto as lâmpadas iluminavam o aposento. O fantasma dissolveu-se diante dos seus olhos como “uma boneca de cera”. Isto consta dos trabalhos de Crookes e de tantos quantos presenciaram o caso e escreveram sobre o assunto.

            Eram de granito essas experiências, assegurava Richet (C’est du granit).

            Afirmar que tudo não passava de mistificação, quando os maiores sábios ainda admiram as experiências de Crookes, é deixar entre as pessoas sensatas a convicção de que o verdadeiro mistificador é o negativista.

            Para acreditar que três anos ininterruptos de tis experimentos, à luz de vários focos, diante da impecável fiscalização mecânica e humana, puderam vir à terra pelo que disse a um jornal um informante qualquer, é mistificar conscientemente.

            Colhamos outros fatos de igual coturno. Temos exemplo num rol de psiquistas lançado no prelo, entre os quais se inclui Lombroso, Geley, Crawford, Flammarion...

             “que não admitem as explicações dadas pelos espíritas, segundo os quais os fenômenos produzidos pelos médiuns têm como causa a ação dos desencarnados”.

             Conta o autor do rol com a ignorância geral em tais assuntos e se fia em que, repetindo-se indefinidamente as mesmas inverdades, elas acabam esculpidas no cérebro de quem as lê.

            Já havíamos apresentado as opiniões de Lombroso. Oautor deixa passar o tempo. O tempo é a esponja mais eficaz para que os infelizes esqueçam as suas mágoas e os matreiros renovem as suas expertezas.

            Mas, o venábulo (lança curta, usada em combate ou em caça de animais selvagens) é velho e a zargunchada (pancada ou ferimento com zarguncho – instrumento de uso na cultura do trigo); ineficaz. Lembremos que já dizia René Sudre, autor insuspeito aos antagonistas:

             “Assim como Wallace e Lombroso partiram do mais radical materialismo para chegarem, sem transição, à certeza da sobrevivência humana...” (Ver. Mét. 1923, págs. 403)

             E para maior insuspeição, transcrevemos o próprio Lombroso:

             “Grande é pois a influência dos médiuns nos fenômenos espiríticos. A completa explicação sóse encontra na combinação d força medianímica com outra força, ainda que fragmentária e transitória mas que adquire, por momentos, e por causa do médium, maior potência. E esta força, que consta da tradição de todos os séculos e de todas as nações, unida à observação experimental, demonstra a ação sobrevivente dos defuntos”. (Richerche sui fenomeni ipnotici e spiritici”. Milão, 1909, págs. 171)   

             A respeito de Geley, estafei-me também em citações. O opositor não deu aos leitores o prazer de um daqueles seus maravilhosos expedientes. Calou. Mas o tempo correu e Geley volta agora a baila como um dos que não admitem a explicação dada pelos espíritas. E se ficou por aí, nesta simples, mas desnorteante afirmativa. Vejamos, pois, um pequeno trecho de Geley, por não tomar muito espaço:

             “Quando pela primeira vez estudamos seriamente a questão (espírita) esperimentamos verdadeira estupefação; percebemos que os fenômenos espíritas reduzem-se a alguns tipos principais, fixos e nítidos, que estão solidamente estabelecidos pelo testemunho concordante de milhares de pesquisadores; que foram fiscalizados com o máximo rigor do método experimental, por sábios de todos os países, que a negação pura  e simples equivale a uma declaração de ignorância, com surpresa não me.nor se verifica que esses fatos têm como base e ponto de partida uma doutrina racional e verdadeiramente científica, uma filosofia simples, clara e bela” (Essai de Revue Générale et d’Inter-prétation synthetique du Spiritisme. Avant-propos. Paris 1925. Págs. 2).

           Jean Meyer diz:

             “Geley afirma a sobrevivência com uma lógica, uma simplicidade de vistas e uma elevação de espírito, que sua autoridade de experimentadortorna singularmente impresionante.” (Prólogo à obra de Geley).

             Agora Crawford, e aproveitemos ainda uma exposição sintética. É de Sudre, na “Revue Metapsychique” de 1922, págs. 308:

             “Ele crê na existência independente desss operadores invisíveis. Em uma palavra, é espírita. No prefácio do seu primeiro livro declara formalmente que está convencido de que os operadores invisíveis são os espíritos de seres humanos que passaram para o Além. Dois anos mais tarde repete – Estou inteiramente certo de que os “operadores” são homens desencarnados.”

             A vista disso é mistificar conscientementemeter o Crawford entre os lábios que não admitem a explicação dada pelos espíritas.

            Finalmente, declarar que os autores que costumo invocar não passm de literatos desconhecidos, qundo me reporto aos que estão no “rol”, e fora do “rol” a vultos da estatura de Conan Doyle, John Edmonds, Hyslop, Richard Hodgson, Paul Gibier, Aksakof, Wallace, Willian Barret, Willian Crookes, Varley, Zoellner, Oliver Lodge, Eugene Huss, Bozzano, Frederico Myers, Chiaia e por aí além, é levar muito longe o direito de mistificar.

            E aqui fico, por então, deixando que os admiradores das boas peças quedem-se no deslumbramento dos magníficos recursos que acodem a polemistas de certo estofo.

            Cá entre nós, estou com Horácio – “nihil admirari”. (locução latina que significa "não se perturbar com coisa alguma")


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