sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Casos e Coisas

 

M. Quintão

Casos e coisas

por Manoel Quintão

Reformador (FEB) Janeiro 1940

                 Nota: Quem lê Quintão sabe que em seus textos são inseridas palavras de rara utilização. Se você se sente confortável para alterar nossas anotações feitas entre parênteses por favor, sinta-se à vontade. Envie-nos as devidas correções para o nosso email: gckauffman@gmail.com. e o texto será revisto. Grato. Gustavo

             Confrades solícitos e quiçá escandalizados escrevem-nos constantemente e nos enviam recortes de jornais, para que respondamos às críticas mais ou menos pitorescas, quando não parvas (pouco inteligentes), aí surgidas agora, como broto abortivo da campanha médico-clerical.

            Não se precatam (acautelam-se), esses amáveis confrades, de que o jogo é velho e feito sempre com as mesmas cartas. O que muda é a parceria, quando muda.

            Em se tratando do Parnaso de Além Túmulo, vale então dizer que essa crítica veio tarde e a más horas, pois esse livro, maravilhoso e único nos anais da bibliografia espírita, apareceu há oito anos, está na terceira edição quase esgotada e, por conseguinte, consagrado no conceito público.

            O público, é bem de ver, não se conta aqui pelas tasquinhas (pedacinhos) da peraltice literária, esfatiada ao gosto de mentalidades seminaristas e mais ou menos cavadoras de notoriedade, em achegas de revistas mais ou menos esportivas. Não é, tampouco, o que ajuiza de conta alheia. Esse público nós o damos sem ágio aos mercadores de roupas feitas, para que se vista à vontade e acompanhe o terço e a missa que melhor lhe saiba. Não temos a pretensão de aposentar Panurgo (designação irônica dos que só procedem por espírito de imitação.) Nosso público é de outra marca, não se improvisa, não se requesta. A convicção não se lhe faz ab extrinseco ( apresentar a fé impondo-se à alma unicamente do exterior e por via autoritária), mediante garabulhos (asperezas) de convicção, mas, ex intimis, (do mais íntimo...) em penhor de madureza espiritual, que os “Saint-Beuvesinhos” (Saint Beuve: crítico literário francês) de arribada (ato ou efeito de arribar, de chegar à margem) jamais poderiam conceber na sua psicologia materialista, salvo o paradoxo. Então, que querem os confrades missivistas? É deixa-los com a sua psicose e aguardar que o Tempo, o grande mestre da vida, se encarregar de lourejar (amarelecer) as searas, como quem sabe que não crê quem quer, mas, quem pode.

 *

             Pelo que nos diz respeito a nós, os do pariato (é um sistema de títulos da aristocracia, historicamente usado em muitos sistemas monárquicos de governo. O termo "pariato" tecnicamente se refere a um subconjunto do sistema completo de títulos da nobreza, e o significado varia de país para país.) intelectual no conceito deles detentores da ciência qye nem sempre é consciência e, menos ainda, consciência divina, o que importa é prismar a questão e fixá-la nos seguintes termos: Francisco Cãndido Xavier é uma criatura de carne e osso, não mítica, nascida, criada, educada ali assim em “Pedro Leopoldo”, onde vive pobre, modesta e virtuisamente. Todos os seus conterrâneos o estimam, exaltam-lhe as virtudes e sabem que ele não teve outra instrução além da rudimentar, ministrada em nossas escolas primárias, da roça. Precisando ganhar a vida, adolesceu (tornou-se adolescente), esfregando balcão de taverna e ainda hoje exerce um insignificante cargo de copista datilógrafo. Nunca teve dinheiro para comprar livros e, ainda que lhos ofertassem, não lhes sobraria tempo de os ler e, menos ainda, meditar.

            Não teve, outrossim, o convívio e o estímulo de rodas intelectuais e literárias, não foi tipógrafo, qual Machado de Assis, nunca fixou de plano qualquer problema filosófico, social, moral, científico ou religioso... Isso ele mesmo o diz, melhor que nós, no proêmio do Parnaso e é o que a crítica honesta competiria considerar antes de criticar.

            Pois bem: esse moço, que não escreve quando quer nem como quer, e nunca para ganhar dinheiro – pois que nada aufere da sua recolta (ato ou efeito de colher, recolher) mediúnica e os próprios elogios o constrangem e intimidam – esse moço nos vem dando de improviso, vertiginosamente, sem intermitência de quaisquer elucubrações embrionárias, ou de plano preconcebido, obras de relêvo literário, não somentte, mas de fundo filosófico e científico, só frutecentes ( que dê frutos) em cerebrações      (atividade mental) privilegiadas e adubadas de copiosa e intensa cultura.

            E na prosa como no verso afloram estilos, modismos, dialéticas, hermenêuticas pessoais inconfundíveis e mais – inconcebíveis, porque tudo isso ele ignora. É a História trabalhada em veios ricos de poderosa síntese, é o Romance entretecido em bastidores de fina tela psicológica, a preceito técnico, é a Filosofia condensada, pasteurizada à luz de todas as conquistas do pensamento humano.

            Em toda essa obra multifária (variada) e cambiante (modulada), desbordam teorias, fatos, doutrinas e conclusões, que o médium não ruminou, não poderia ter imaginado, induzido ou deduzido jamais. Alega-se que há falahs nessa obra? Perrfeitamente; mas, antes de tudo, é preciso focalizar no seu conjnto e atender às circunstâncias em que se nos ela oferece. Que nos dizem os críticos, por exemplo, desse alfabeto de cegos, coisa que o médium nunca viu, por ele grafado a ponta de alfinete? Que dizem da escrita invertida e, ao demais, em inglês, idioma desconhecido do médium? E das mensagens de caráter íntimo, concernentes a episódios remotos, totalmente ignorados do médium e esquecidos do consulente?

            Conosco mesmo, ainda há pouco, em sofrermos um acidente que nos levou ao leito por 30 dias, o médium vibrou a 650 km distante e deu o alarme com uma mensagem espontânea de Emmanuel (seu Guia-Espiritual), absolutamente sintonizada com o nosso estado de alma, reproduzindo ipsis verbis (literalmente) pensamentos nossos em face do acontecimento, quando, por si, nada sabia nem poderia presumir!

            São provas documentais, nítidas, incontáveis, que se não infirmam com paroleiras (imposturas) mais ou menos áticas (despojadas) e bizantinas (especulativas). Noutro país, elas seriam dignas de estudo conspícuo, qual o fizeram na Inglaterra a Sociedade Dialética de Londres e, na Frnaça, o Instituto Metapsíquico.

            Entre nós, com a nossa mentalidade moitante (brincalhona)-desportivo-carnavalesca, vai tudo à conta dos Pimentéis (?) e do ... “pastiche” (obra literária ou artística em que se imita abertamente o estilo de outros escritores, pintores, músicos etc.)

                Mas, como o “pastiche” pressupõe habilidade invulgar, cultura intelectual, tempo e, sobretudo, interesse, claro ou oculto, e nada disso ressalta da obra honesta do médium Xavier, já houve um preopinante que se saiu com esta: ou fenômeno genial inexplicável, ou pastiche inconsciente... Ouviram bem? – inconsciente! E aí tens, leitor confrade, uma charada sem conceito pata o teu conceito, que seria de lhe “dar com um gato morto até miar”, se o velho bichano não andasse por aí escondido com a cauda de fora. E que cauda, santo Deus!

            Portanto, convenhamos: é deixá-los examinar, até que lhes possamos repetir evangelicamente o quoerite et invenietis... (procure e você encontrará...)

            Mas até lá...


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