A Pequena Parábola
por Vinícius (Pedro de
Camargo)
Reformador (FEB) 16 Março 1937
O Rabino da
Galiléia emprega o processo oposto. Seu método pegadógico consiste em apelar
para a razão, procurando desenvolver, pelo exercício e uso, os poderes ocultos,
que jazem em estado latente no interior de todos os seres conscientes e
racionais.
Enquanto o
escolasticismo, ainda em voga, abafa a divina centelha que bruxoleia na cripta
sagrada das almas, Jesus se esforça por desembaraça-la das pias do instinto, preparando-a
para alcandorar-se em altos voos, nas asas da razão e do sentimento.
É o que se
depreende da parábola sobre que escrevemos etas linhas. Trata-se do mais
pequeno e singelo dos apólogos imaginados pelo grande Mestre.
A extrema
simplicidade de sua urdidura toca as raias da infantilidade. Não obstante,
quanta sabedoria e quanta luz emanam de tão modesta e despretenciosa alegoria!
Mateus,
assim no-la relata: “Um homem tinha dois filhos; chamando o primeiro, disse-lhe:
Filho, vai tarbalhar hoje na minha vinha. Ele respodeu: Irei, senhor; e não
foi. Chegando-se ao segundo, disse-lhe o mesmo. Porém, este retrucou: Não
quero; mais tarde, tocado de arrependimento, foi. Qual dos dois fez a vontade
do pai?
*
A obediência
é uma virtude excelente. O filho que a revelou não foi, certamente, o que
prometeu e deixou de fazer boa a promessa; porém aquele que, impensadamente, se
negou a atender ao chamamento quando solicitado, mas que, posteriormente,
considerando o caso, achou que devia obedecer ao pai e obedeceu.
“Res non
verba” – eis a questão. Não será por meio de promessas que daremos o nosso
testemunho de verdadeiros servos do Senhor, mas pelos nossos atos, pela norma
de conduta por nós traçada e seguida.
A cada u
será dado segundo as suas obras – tal a síntese da indefectível justiça divina,
atuando sobre cada indivíduo. A doutrina cristã é a doutrina da experiência
pessoal. Só através dos fatos vivos e palpitantes que nos afetam podemos
senti-la, portanto, sonhece-la. As melhores teorias e os mais explícitos
relatos históricos sobre o Cristianismo não valem uma pequena experiência, uma
ligeira comprovação experimental, haurida na fornte dos acontecimentos da
nossas vida. As palavras, geralmente, só são compreendidas pelos que já
passaram pelos transes por elas descritos. Só nos entendem bem aqueles que já
experimentaram o que descrevemos. As palavras podem fantasiar, nunca, porém,
criar o que não existe. Daí porque só através da prática saberemos o que é, o
que vale e o que representa a revelação divina, mediante o Cristo de Deus.
Há duas
espécies de obediência: uma que eleva e enobrece o Espírito, outra que o
humilha e avilta. A primeira é espontãnea, voluntária, fruto do raciocínio e
das resoluções próprias; a segunda é imposta de fora, procede de autoridade
alheia ao mesmo tempo indivíduo. A primeira não restringe a liberdade de
outrem, não constarnge. Outrossim, não ameaça com penalidades, nem promete prêmios
e recompensas. Originando-e da razão, é ditada pelo dever, fator que encerra a
sua finalidade e todo seu poder de ação. A segunda é terrorista, amedronta,
apelando para o prestígio dos castigos. De outra sorte, promete favores e
privilégios, acenando ao interesse próprio.
A primeira espécie
de obediência, única digna dos foros da virtude, elevando aquele cujo íntimo
encontra guarida, promove a sua emancipação, tornando-o verdadeiramente livre.
A segunda submete e escravisa cada vez mais, destruindo as fibra da dignidade e
dos sentimentos, afrouxando a vontade e degenerando o caráter.
A primeira é
a obediência nobre do homem livre, que espontaneamente delibera e age. A
segunda é a obediência do escravo, que se aita, ora de medo do látego, ora
visando lucros e proventos. Tanto o medo como o egoísmo são formas de servidão.
Aquele que obedece por interesse, seja no sentido de eitar punição, seja no de
alcançar favores, procede como negocista; ao passo que a obediência derivada do
dever é a obediência do filósofo que pensa, medita e rflete sobre o “porque da
vida” e do destino que a envolve.
O moço que
foi á vinha do pai praticou ação deliberada e de “motu proprio”. Não ofez
coagido pelo medo, nem levado por interesses subalternos. Comportou-se com
dignidade após madura reflexão, descobrindo em seu fora íntimo os motivos da
obediência devida ao seu progenitor. Agiu por dever e por amor,
os dois elementos em que se fund a única forma de obediência que Deus – Pai Celestil
– requer dos seus filhos.
*
Inginieros
refere-se a uma certa obediência precoce, que reputa indício de fraqueza de
caráter. É erro combater-se a voluntariedade, ou mesmo algo de rebeldia que se
nota nas crianças. Muitas vezes não se trata de um mal, como supomos, mas dos
primeiros assomos de independência de uma vontade firme, bem cedo revelada. É
necessário dirigir e orientar aquelas manifestações, nunca, porém, combater
essa nobre altivez que reponta de alguns caracteres infantis.
A
doutrina ortodoxa costuma enaltecer e cantar louvores à obediência cega,
encarecendo-lhe o valor, fazendo-a passar, tanto nos lares, como na escola, por
ouro de lei. Percebe-se o alcance da velha escola religiosa, cujo fito é
preparar crentes passivos, sem vontade própria, desacostumados ao raciocínio, autômatos
que se movem soba influência de fatores egoísticos, habilmente explorados pelos
renanescentes da escola de Loyola cujo lema era e continua sendo: “Perinde ac
cadaver” (como um cadáver) .
Não é esta a
obediência ensinada e exemplificada pelo Rabino conforme se infere claramente
da parábola que ora acabamos de submeter à apreciação dos nossos leitores.
Obedecer,
sim, por dever e por amor, atendendo aos legítimos reclamos da
nossa razão e do nosso coração.
Fora de tais
condições, não se trata de obediência, mas de subserviência.
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