Apologia da Dor
M. A.
Reformador (FEB) Maio 1919
Na ordem natural das coisas nenhum ser
vivente pode se eximir desse legado, que é como uma perene dádiva para todos
dentro de todos os séculos. Ela é a alma do universo.
A vida não se analisa pelo conjunto de
prazeres que a cercam, mas sim pela eterna cadeia de dores que a assistem. Tudo
quanto empolga o espírito do homem está sob o império da dor: glórias,
esperanças, sonhos, amores e venturas, e quanto essa tétrica imagem nos beija a
fronte é porque estamos na plenitude da verdade terrena.
A fantasia enganadora nos embriaga com sua
voluptuosidade, fazendo-nos esquecer a existência da dor; entretanto, ela nos
segue, nos alcança, nos assedia e, por fim, nos vence, porque tem poder para
tudo, é superior a tudo.
Por duas formas distintas ela acabrunha nossa
alma: a dor física, que é material, e a dor moral, que é a dor oculta, de
origem misteriosa, para alguns.
Para a dor moral a alma está sempre no
presente, porque o homem vive no presente, enquanto que para a dor física, por
maior que ela seja no momento, com o decorrer do tempo, se não a esquecemos
totalmente, apenas guardaremos vaga lembrança. É bem certo que o passado tem o
poder de dilatar e esmaecer as visões da vida, mas esse poder nem sempre se
exerce nas dores morais. A dor oculta é anelo, é virtude, é sacrifício, em
suma, é a suprema fé da alma, o infinito bem de tudo.
Sentir, chorar, gemer é a eterna verdade em
que a humanidade se engrandece e se purifica.
A dor tem fortalecido os povos, formado as
ações, embelezado as coisas e aperfeiçoado os seres.
Amar a dor é próprio das almas fortes que se
mantém na perfeita razão de ser das coisas. Os que querem, os que amam, os que
sentem, os que compreendem trazem em seu ser a chama de todas as virtudes,
nasceram no sofrimento que levanta, que embriaga de esperança.
Os que temem a dor moral, originárias das
grandes coisas, temem a morte e os que temem a morte não merecem gozar a vida.
Nas grandes alegrias há loucura e nas grandes
dores consolo. Nem todo o prazer é puro, mas toda a dor é grandeza; naquele há
os gozos desenfreados e nesta as grandes ações que embelezam o mundo por terem
surgido dos pesares que atormentam o homem.
A dor que constitui o inferno da vida é a dor
da ambição, do egoísmo, do desejo, da vaidade, que a tudo envilece, a tudo
avassala, porque tudo exige e tudo quer.
A dor é sabedoria, é a grande inspiração.
Cristo foi o único ser que sobre a Terra deu
o maior exemplo de resignação diante da dor.
As dores físicas da humanidade nada valem em
comparação com a grande dor moral que ele sentiu vendo a corrupção do mundo e
os instintos cegos em que estava submergida a espécie humana, sob a aterradora ignorância
daqueles séculos tenebrosos.
As palavras evangélicas oferecem à dor da
morte uma só doutrina: a ressureição de Cristo.
Para mim, ela é o prelúdio, o começo de uma
estrada nova, e esplendida, por onde vai a vida do espírito à sua eterna
felicidade.
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