terça-feira, 7 de setembro de 2021

"Ser ou não ser, eis a questão"

 

“Ser ou não ser, eis a questão”

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Fevereiro 1972

             Todos nós nos dizemos Espíritas, porque todos queremos ser espíritas.  Será que o somos, realmente? Será que sabemos ser espíritas? Eis duas perguntas aparentemente fáceis de responder, mas, na realidade, tão difíceis quanto ser, verdadeiramente, espírita.

            De certo modo, somos espíritas, porque acreditamos nas manifestações das almas desencarnadas no mundo físico., porque os fatos nos trouxeram a convicção inabalável dessa maravilhosa realidade, além de evidências outras que provam, à saciedade, a existência do plano invisível. Disse Kardec, que é espírita “o que tem relação com o Espiritismo: adepto do Espiritismo aquele que crê nas manifestações dos Espíritos” (“O Livro dos Médiuns”, página 411)

            Mas, há diversas gradações de espíritas. Uma condição distingue o espírita perfeitamente consciente de seus deveres doutrinários: a vontade de estudar, para compreender, cada vez melhor, os problemas que nos darão meios de conhecer, em toda a sua extensão e profundidade, o Espiritismo Cristão, a Doutrina Espírita, que é a sua espinha dorsal. Estudando, o espírita adotará uma atitude serena em face de qualquer manifestação fenomênica, nada afirmando ou negando sem demorada reflexão, seguindo, a este respeito, o exemplo do eminente Allan Kardec. Para os gratuitos desafetos do Espiritismo, somos demasiado crédulos, acreditamos sem vacilação em tudo que nos pareça de natureza espiritual. Ora, isso não é totalmente verdade. Há, sem dúvida, e isso não acontece somente no Espiritismo, os crédulos sistemáticos, mas há, igualmente, os que seguem o exemplo e as recomendações de Allan Kardec, examinando e refletindo antes de aceitar, em definitivo, certas manifestações mediúnicas. E são esses os que beneficiam o Espiritismo pela segurança de suas opiniões, pelo equilíbrio dos seus pontos de vista, quando defrontam os céticos sistemáticos, os céticos bolorentos e falidos, que lutam desesperadamente para sobreviver, assim como os enfatuados da meia-ciência, que, não estudando a fundo os fenômenos, buscam sempre uma justificativa para negar a sua natureza espirítica, pretendendo explica-los. diferentemente, sem, contudo, chegar a uma conclusão lógica, sensata e, sobretudo, imparcial.

É dever dos espíritas mais aptos esclarecer os que não possuem o recurso do estudo meticuloso da doutrina e da fenomenologia espíritas. Os fatos espíritas não serão jamais modificados pela atitude dos negadores, sejam eles de que procedência forem. Fatos são fatos. Mas, é indispensável que, dentro do Espiritismo, procuremos demonstrar que nem tudo quanto acontece é devido à interferência de Espíritos.

Léon Denis, cuja autoridade permanece íntegra, tantos anos após a sua desencarnação, pelo equilíbrio de suas opiniões, pela pujança de seus argumentos e também pela pureza de seus argumentos, afirma:

Nada é mais prejudicial à causa do Espiritismo que a excessiva credulidade de certos adeptos.” (1) E temos observado o acerto desse reparo. Já ouvimos pessoas de gabarito intelectual dizerem, com ares de superioridade, que os espíritas são vítimas da própria imaginação e aceitam como boas as fantasias que ouvem, que veem ou que leem... Mas, convidadas a lerem alguma coisa de substancial sobre o Espiritismo, sorriem, sempre superiormente, e recusam o oferecimento... Negam a luz porque estão de olhos fechados e não querem abri-los, por isso ou por aquilo... Se há espíritas simplórios, há também espíritas instruídos, investigadores e desejosos de fatos reais.

 (1)     Léon Denis, “No Invisível”, edição FEB, páginas 58, 59 e 113.

 “O homem crédulo é dotado de boa fé; a si mesmo se engana inconscientemente e torna-se vítima de sua própria imaginação. Aceita as coisas mais inverossímeis e muitas vezes as afirma e propaga com entusiasmo extravagante. É isso um dos maiores estorvos para o Espiritismo, uma das causas que dele afastam muitas pessoas sensatas, muitos sinceros investigadores, que não podem tomar a sério uma doutrina e fatos tão mal apresentados. É preciso não aceitar cegamente coisa alguma. Cada fato deve ser objeto de minucioso e aprofundado exame. Só nessas condições é que o Espiritismo se imporá aos homens estudiosos e racionalistas. As experiências feitas superficialmente, sem conhecimento de causa, os fenômenos apresentados em más condições fornecem argumentos aos céticos e prejudicam a causa a que se pretende servir.” (2)

 (2) Idem, ibidem.

 Mesmo na intimidade das casas espíritas, é preciso haver mais rigor na observação das manifestações, de maneira a distinguir, das legítimas, as que são produto da auto sugestão, do animismo ou da simulação. Tal cuidado se torna imprescindível, para a própria segurança dos serviços mediúnicos. A mediunidade não se improvisa. O médium tem características fáceis de notar. Além disso, não é possível padronizar a faculdade, dada a variedade de suas manifestações. O que se deve é observar cada médium de per si, de modo a aproveitar ao máximo o potencial que ele demonstrar possuir e, adequadamente, metodicamente, traçar-lhe o programa de exercício para o apuramento dos seus dons. Não devemos esquecer, em nenhum instante, que “o estudo da mediunidade prende-se intimamente a todos os problemas do Espiritismo; é mesmo a sua chave”, segundo ainda a palavra de Léon Denis. Esse mesmo apóstolo da Terceira Revelação, na obra a que nos estamos reportando, salienta que “a mediunidade apresenta variedades quase infinitas, desde as mais vulgares formas até as mais sublimes manifestações. Nunca é idêntica em dois indivíduos, e se diversifica segundo os caracteres e os temperamentos. Em um grau superior, é como uma centelha do céu, a dissipar as humanas tristezas e esclarecer as obscuridades que nos envolvem.” Em face de tudo isso, é meridianamente clara a impossibilidade de se pretender clara a impossibilidade de se pretender padronizar a mediunidade, como já tem sido tentado em alguns “centros”.

Não nos podemos atribuir a condição de espírita se não nos empenhamos, seriamente, em praticar os deveres determinados pela nossa Doutrina, mesmo que o façamos com falhas, desde, porém, que nos anime o desejo permanente de melhorar mais e mais. Falíveis todos o somos. Uns mais; outros menos. A nossa vontade de progredir é que nos mostra até onde nos poderemos considerar espíritas. Se sentimos essa preocupação de vence as nossas próprias deficiências, lutando contra nós mesmos, erguendo-nos depois de cada queda, com o propósito de diminuir os tombos, então já somos espíritas.

A Doutrina deve ser o guia dos nossos passos diários. Não importa que outros estejam mais adiantados que nós. O essencial é que nos esforcemos por progredir moralmente, apoiados na Doutrina e no Evangelho, porque, assim, venceremos também o mundo, pelo menos o nosso mundo individual, preparando-nos para desbravar o caminho do Mundo Maior.

            Parodiando Hamlet, monologamos: “Ser espírita ou não ser espírita, eis a questão.” Não nos preocupemos em mostrar aos outros que somos espíritas. Procuremos, pelo exemplo, pela humildade, sentir que o somos, sem qualquer preocupação com o juízo que possam fazer de nós os pretenciosos, os arrogantes, os agitadores, porque cada um terá a sua parte, contada e dividida, quando chegar a hora.

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