A Imprescindibilidade da Vigilância
Tasso
Porciúncula (Indalício Mendes)
Reformador
(FEB) Março 1966
Jesus não fez distinções, não disse
que amássemos somente a determinadas pessoas que quiséssemos bem apenas aos
nossos correligionários, aos que pensam como nós, aos que nos agradam ou adulam.
Não determinou que só amássemos aqueles que nos seguiam e os que, a partir de
Antioquia, se chamassem cristãos. Referiu-se o Mestre a toda a Humanidade, sem
curar da orientação religiosa ou doutrinária dos homens, sem excluir sequer os
judeus, nenhuma raça, nenhum povo. Dirigiu-se aos homens em geral, a todos os
homens, porque são estes que estabelecem limites ideológicos entre si, que
erguem barreiras doutrinárias e dogmáticas para permanecerem confinados em suas
greis, como em compartimentos estanques.
Para Jesus, o espírito de
fraternidade deve ser como o Sol que a todos aquece e ilumina, que a tudo
purifica, visitando montes e vales, jardins e pântanos, maus e bons, tigres e
cordeiros.
Ora, se assim é, como compreender-se
que elementos de um mesmo credo cristão não sigam sua recomendação? Como podem
alguns ter autoridade para levar a outrem o verbo fraterno, realmente sincero,
se não põem nele o coração entre aqueles de quem, doutrinariamente, se dizem
irmãos? Não importam as divergências de pontos de vista, nem podem estas
constituir motivos de maior agravo, porque, se as divergências se originam do
intuito sadio de prevenir ou retificar erros, do desejo de esclarecer dúvidas,
não podem ser aceitas para instituir o clima de prevenção e desarmonia. O
necessário é que tenhamos todo o espírito desarmado de preconceitos e a
suficiente humildade para não reagir ao primeiro impulso, a fim de que a
reflexão aclare os pontos críticos da divergência.
Com o culto sincero da fraternidade, tudo se
tornará mais fácil, desde que haja realmente fraternidade. Quando ela é apenas
aparente, não consegue impedir que a substitua a irritação, a cólera, a ânsia
de revide. Divergências, sempre as houve e as haverá enquanto os homens não
atingirem mais elevado grau de sabedoria, a par de seguros conhecimentos
evangélicos e doutrinários, porque elas nada mais são que fruto de
desnivelamento de aquisições morais e intelectuais. Todavia, a divergência é
ainda necessária para estimular a vigilância evangélica, principalmente em
torno de princípios que o hábito, a rotina, pode debilitar, pois a
familiaridade com as coisas muitas vezes induz ao enfraquecimento da vontade e
da visão, pela aparência de que tudo vai bem e é imutável. Daí o afrouxamento
da vigilância e a invasão sorrateira da imprevidência entre aqueles que se
consideram sentinelas atentas e seguras de si mesmas, embora muitas vezes se
deixem vencer por cochilos curtos, mas suficientes para que a praça seja
violada por sitiantes pertinazes, solertes, audaciosos e mal-intencionados.
André Luís afirmou que “o espírito de
fraternidade funde todas as divergências”. É verdade, porque, havendo de
ambas as partes o interesse superior de alcançar o esclarecimento definitivo,
sem os entraves da vaidade, que gera o agastamento, e do orgulho, que dificulta
a compreensão, o espírito de fraternidade, emergirá ainda mais belo e forte do
debate. Não foi à toa que exortou seus discípulos à vigilância: “Estai de
sobreaviso, vigiai: porque não sabeis quando será o tempo. É como se um homem
em viagem num país estranho, tendo deixado a sua casa e tendo cada um o seu
trabalho, tivesse mandado também ao porteiro que vigiasse. Vigiai, pois; porque
não sabeis quando virá o dono da casa, se de tarde, se à meia-noite, se ao cantar
do galo, se pela manhã; para que, vindo de repente, não vos ache dormindo. O
que digo a vós, digo a todos: Vigiai!” (Marcos, 13:33-37).
“O que digo a vós, digo a todos.”
Muito bem dito, porque nenhum de nós deve ter a presunção de ser infalível na vigilância.
Acontece que somos humanos. Portanto, fracos, falíveis, vencíveis. Nem sempre
sabemos resistir ao assédio de inimigos ocultos, mas espertos e tenazes, que se
apresentam sob muitos disfarces – o orgulho, a vaidade, o excesso de amor
próprio, a ingenuidade imprudente, a superestimação do Eu.
Eis porque devemos, uns com os
outros, fazer o que fazia aquele escravo, que, seguindo de perto o triunfador romano,
advertia-o, de quando em quando, com estas palavras: “Cave ne cadas”
(Cuidado para não caíres), a fim de que o senhor, tomado de orgulho e vaidade,
não se expusesse a surpresas desagradáveis.
Se realmente não somos mais do que
espíritas teóricos, devemos ajudar-nos uns aos outros, fraternalmente,
evangelicamente, vigiando nossos pensamentos e atos, mas também alertando
reciprocamente a atenção para falhas, omissões, imprudências e erros, numa
permanente colaboração mútua, sem melindres tolos que apenas mostram a
distância que nos separa da Doutrina Espírita e do Evangelho. Se é que
pretendemos mesmo alcançar, não as gloríolas mundanas, os aplausos suspeitos,
que não trazem qualquer benefício à nossa posição espiritual. As susceptibilidades
à flor da pele denunciam a existência de um espiritismo epidérmico, de um
cristianismo de superfície limitada, sem extensão nem profundidade.
O Espiritismo cristão, o Espiritismo
evangélico, colima a reforma íntima da criatura humana, a fim de que cada qual seja
espírita organicamente, de dentro para fora e de fora para dentro, não somente
em dias de reuniões ou quando em contato com outros espíritas, para
exteriorizar conhecimentos nem sempre reais da Doutrina e do Evangelho. Uma
coisa é o parecer, outra o ser espírita. Nunca será demasiado o exame de consciência
repetido, frequente, feito com sinceridade e humildade. Se não tivermos a
coragem de reconhecer os defeitos que os outros nos apontam fundamentalmente, e
se não nos esforçarmos por bani-los da nossa personalidade, então não somos
espíritas, não somos cristãos: somos apenas mistificadores conscientes que
comprometem o avanço seguro do Espiritismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário