“Reencarnação
-
estudo sobre as vidas sucessivas."
Capítulo V – 'A Hereditariedade
em face da Reencarnação’
por Aurélio A. Valente
Editora:
Moderna - Ano: 1946
Biblioteca
Espírita Brasileira
“As longas citações não são recomendadas
mas, quando elas se justificam pelo seu valor e riqueza dos fatos, que são os
argumentos mais poderosos e insofismáveis, não resistimos, e assim vamos
transcrever o capítulo V do livro “Vida e
Trabalho” e Samuel Smiles – “A
Hereditariedade do Talento e do Gênio”, não tanto pela sua interpretação
sobre o tema deste estudo, porém, pela quantidade apreciável de casos notáveis
colhidos pacientemente.
“Assim como as diferentes raças
humanas procriam filhos congêneres, assim também acontece com os indivíduos,
homens e mulheres de cada espécie. As raças continuam a conservar a sua forma e
constituição física, as suas feições. Os naturais da China, do Japão, da Índia
e do Oriente todos são os mesmos que eram há milhares de anos. Os Beduínos dos
tempos abraâmicos são os mesmos árabes Beduínos do século XIX. O mesmo se dá na
Europa, apesar do cruzamento das raças. O retrato dos alemães, desenhado por
Tácito, pode servir para os alemães modernos, que trajam pano em vez de peles,
e que se armam de espingardas e de canhões em vez de arcos e lanças. Júlio
César, nos seus ‘Comentários’,
descreve os gauleses como ainda hoje os vemos: Giraldo Cambrensis, nas suas obras, descreveu os irlandeses da
atualidade.
O mesmo dá-se entre as famílias que
procriam descendentes congêneres. Os filhos e as filhas assemelham-se aos pais
e às mães, e herdam a sua constituição, as suas feições, os seus temperamentos
ou o seu caráter. Não há dúvida que, por meio do casamento, estão sujeitos a
modificações. A progênie masculina em geral compartilha mais do caráter do pai,
e a feminina da mãe. Desaparecem certas peculiaridades, ao passo que outras se
tornam proeminentes; entretanto, embora se dispersem as qualidades
características dos progenitores, a sociedade coletivamente as conservam, e o
caráter da raça mantém-se inalterável”.
“Em muitas famílias, certas feições
ou sinais característicos atravessam numerosas gerações. Às vezes desaparecem
em um filho para reaparecerem no neto. Há cerca de cento e quarenta anos, por casamento
imprudente, introduziu-se o sangue indu em uma das mais nobres famílias da
Inglaterra; de tempos em tempos reaparece nela um rosto trigueiro, o qual se
destaca dos outros que se conservam alvíssimos. Aquele que percorrer a galeria
de retratos de um antigo solar terá ocasião de observar que certos traços
fisionômicos repetem-se muitas vezes, embora s pessoas que os reproduzem hajam
vivido em séculos diversos”.
“Não raras vezes, a semelhança com o
antepassado só s revela no leito da morte, ou mesmo depois do falecimento. Sir
Thomas Browne, em uma carta, descreve a morte de um amigo que “não tinha mais a
sua fisionomia habitual, mas se parecia com um tio, cujas feições estavam nas
linhas do rosto até então sadio. O poeta laureado da Inglaterra reconheceu este
fato quando escreveu no “In memoriam:
“Qual às vezes de um morto, no
semblante,
A pouco e pouco surgem imprevistas
As feições, antes nunca nele vistas,
De algum parente morto, bem distante.
“Em uma exposição recente de retratos
nacionais, a hereditariedade dos traços de família revela-se de um modo notável
na conformação da cabeça, na forma do nariz, na cor e no porte. Darwin menciona
diversos casos característicos, que são tão curiosos como as ilustrações dos
hábitos transmitidos pelo pombo mariola. Há feições peculiares que pertencem a
famílias diversas; existem também feições morais igualmente distintas. Algumas
famílias são loquazes e desembaraçadas; outras são silenciosas e retraídas.
“A família dos Howards de Carlisle é conhecida pelo seu grosso lábio
inferior, a dos Schaftsburys pelo seu rosto comprido e estreito, a dos
Dalrymple de Stair pelo nariz arrebitado, que se tem mantido inalterável
através de muitas gerações: Uma espessura peculiar no lábio tem sido hereditária
nos Habsburgs por muitos séculos, assim como certa largueza e grossura da parte
inferior do rosto tem caracterizado a família real da Inglaterra, desde Jorge I
à Rainha Vitória.
O atual príncipe de Gales assemelha-se exatamente ao seu avô Jorge III, quando
da mesma idade.
As feições características da
família real inglesa, porém, traçam-se até muito além de Jorge I; alcançam os
Stuarts da Escócia, por Isabel, filha de Jaime I. A face cheia e largo maxilar
inferior deste monarca desapareceram em seu filho Carlos I, mas manifestaram-se
nos seus netos Carlos II e Jaime II e, mais tarde, no Pretendente e no filho
deste, Carlos Eduardo Stuart, cujo retrato assemelha-se de um modo
extraordinário aos da rainha Vitória. Os
mesmos traços fisionômicos conservam-se nas famílias ducais do Grafton e St.
Albans, descendentes de Carlos II. A semelhança do falecido Lord Frederico
Beauclerk, filho de uma delas, com este monarca, era, segundo uns, quase
assustadora.
“Os Bourbons conservaram durante
muitos séculos as mesmas qualidades morais e físicas. Tem sido sempre
perversos, intratáveis e incorrigíveis. Desde Luís XIV até Carlos X
distinguiram-se todos pela sua estreiteza de espírito, cegueira e incapacidade
para governar com justiça. Napoleão Bonaparte chamou-lhes asnos hereditários. Foram expulsos de quase todos os tronos que
ocuparam na Espanha, na França e em Nápoles. O ramo austríaco sobrevive ainda,
mas o monarca hoje tem pronunciadas tendências constitucionais. A espessura do lábio inferior, que há tantos
séculos caracteriza este ramos da família bourbônica, é atribuída a um
casamento com a princesa polaca Jogellon, e tem-se ela manifestado sempre, sem
interrupção alguma.”
“A hereditariedade dos traços
fisionômicos e do caráter tem sido notável também na família reinante da
Prússia. Rosseti observou na coleção de retratos da casa de Brandenburgo a
extraordinária semelhança que existe entre os membros desta família, separados
por muitos séculos e gerações. Cita particularmente os retratos do Eleitor
Frederico I (1420) E Frederico II (1440), João Cícero (1486) e Joaquim I
(1499), como oferecendo espantosa semelhança com os de Frederico Guilherme IV,
Guilherme I e com os do recentemente falecido Guilherme II.
“A hereditariedade do caráter é
também digna de nota entre algumas famílias de nobres da Alemanha: Citemos, por
exemplo, a de Bismarck; o ilustre chanceler pertence a uma raça que tem sido
conhecida em todos os tempos pela sua virilidade, tenacidade, e mesmo pela sua
obstinação. O primeiro membro que se distinguiu nesta família desfiou em 1338 o
bispo da localidade, e com tal obstinação lhe fez frente, embora em assuntos de
política local, que foi excomungado, morrendo muitos anos depois, impenitente,
recusando os últimos sacramentos”.
“As qualidades morais e intelectuais
transmitem-se também embora muitas circunstâncias sejam tais que não permitam a
sua manifestação em duas ou três gerações sucessivas. Entretanto, existem
muitas famílias antigas em que o primitivo tipo moral reaparece de tempos em
tempos. As qualidades viris e enérgicas dos Normandos, que distinguiam os
Escandinavos, de quem descendiam, iluminam toda a história da Europa,
dando-lhes ducados e tronos na Normandia, na Inglaterra, na Escócia, na
Sicília, em Jerusalém e até em Constantinopla”.
“Nessas antigas famílias também têm
sido hereditários o patriotismo, o talento, o amor à ciência e às letras. Os
nomes de Sidney e Russel, de Shaftesbury e Bollingbroke, de Boyle e Cavendish,
de Fox e Pitt, de Lovelace, Hyde e Byron bem o provam. Henri Boyle, falando, em
uma de suas cartas de Byron, com quem estivera na Itália, diz: - “Os italianos
ficaram surpreendidíssimos ao saberem que este grande poeta orgulhava-se mais
em ser descendente dos Byrons Normandos que em ser autor da Parisina e de Lara.
“Sir Walter Scott sentia igual
orgulho na sua antiga linhagem, e prezava mais sua descendência dos Scotts de
Hardem do que a sua fama de escritor e poeta: “ sangue nobre, diz Hannay,
revela-se muito mais do que o que querem admitir aqueles que não estudaram o
assunto. Filósofos como Bacon, Hume, Berkley, poetas como Cowper, Shelley,
Byron e Scott, historiadores como Gibbon, marinheiros como Collingwood, Howe,
Raleigh e outros, todos de nobre estirpe, justificam amplamente a pretensão que
tem as nossas antigas famílias de chamarem a si a honra de ter dado à
Inglaterra os seus mais notáveis homens”. Até Jeremias Beniham, o filósofo
democrático, afagou em tempos a possibilidade de comprar as possessões dos
condes e Benheim, no Hanover, dos quais era ele descendente.
“Quando um historiador de aldeia do
Somerset foi ter com Sydney Smith, então residente em Combe Florey, a fim de
pedir-lhe o seu brasão, o espirituoso pastor replicou: “Os Smiths nunca tiveram
brasão, selavam invariavelmente as cartas com a unha do polegar” – “Mais tarde
mandou ele gravar na sua carruagem o lema Faber
meae fortunae (somos os artesãos
de nossa fortuna(?)).
Entretanto, o próprio Sydney Smith desvanecia-se da sua linhagem; seu avô fora
homem de singularíssimas aptidões intelectuais, e de sua mãe, filha de um nobre
huguenote francês, herdou ele as delicadas qualidades de espírito e a alegria
de temperamento, que tanto o distinguiram. Samuel Wilberforce, bispo de
Wilcherter, é ainda um dos muitos exemplos da transmissão da superioridade de
pai a filho. Como o primeiro Pitt, o primeiro Fox, o primeiro Grenville, o
primeiro Wilberforce, deixou um filho que sustentou em uma segunda geração a
distinção do nome paterno.
“Por outro lado, muitos grandes
homens não tiveram como arauto a celebridade dos seus antepassados. Jactando-se
alguns membros da antiga nobreza de França da sua linhagem em presença de
Junot, o marechal exclamou: “Tanto pior! Não sou fidalgo, eu sou o meu próprio antepassado”. Napoleão dizia que ia buscar os
seus generais na lama. Ele próprio era filho de um advogado como, fidalgo, é
verdade, mas de uma família que nunca se distinguira. Guerreiros e estadistas,
poetas e engenheiros, na mór relampeja repentinamente no meio de uma linha de
gerações desconhecidas. Nasce de um homem cujo nome repercute pelo mundo
inteiro e conserva-se vivo em todos os tempos; mas é o único da sua raça, e
quando ele morre a família afunda-se de novo no esquecimento”.
“O talento é transmissível; o gênio,
porém, raramente o é. O talento pode ser um traço de família, ao passo que o
gênio pertence só ao indivíduo. Muitas vezes vemos uma família de inteligência
medíocre dar vida a um homem de gênio portentoso. O talento recebe o cunho do
tempo em que vive, o gênio imprime o seu nos séculos vindouros. Shakespeare
brilha sozinho na sua raça. Antes e depois dele nada houve na sua família. Só
vivem os sus dramas e os seus poemas, a sua linhagem extinguiu-se. Assim também
foi Newton, o filho do lavrador de Woolsthorpe; antes dele não existiu Newton algum,
depois dele não houve outro Newton. Os maiores poetas ingleses destacam-se
sozinhos na sua raça – Shakespeare, Milton, Dryden, Pope, Burns, Byron, Shelly,
Keats e muitos outros”.
Os grandes homens na realidade não
pertencem a nenhuma hierarquia ou classe distinta; são filhos de todas as
classes, de todas as hierarquias. Tem nascido tanto em choças e cabanas como em
palácios e castelos, e, embora contem-se muitos grandes homens de nobre
estirpe, o seu número é muito maior entre as classes pobres e plebeias. A
seguinte lista de nomes ilustres é uma prova de que o talento e o gênio não são
exclusivos de uma classe ou raça:
Fidalgos Classe Média Proletários
Tycho-Brahe Newton Colombo
Galileu Cuvier Copérnico
Descartes Cuvier Lutero
Bacon Young Dellond
Cavendish Herschell Faraday
Dante Dalton Laplace
Alfieri Shakespeare Ben Jonson
Copwer Milton Bunyan
Scott Petrarca Burns
Byron Dryden Beranger
Shelley Schiller Jasmin
Burleigh Goethe Brynddley
Sully Molière Stephenson
Bolingbroke Wodsworth Arkwrigt
Mirabeau Keats Telford
Montaigne De-Foe Livingston
Smolett Adam-Smith Inigo
Jones
Fielding Jayme Watt Canova
Hume John Hunter Cook
Bulwer
Lytton Carlyle Jorge Fox
Condé Jeremias Taylor Turner
Conde
Tilly Drake Sir John
Hawkswood
Wallenstein Cromwell Sir Cloudesley
Shovd
Marechal
Saxe Washington Ney
Marlborough Napoleão
Hoche
Wellington Nelson Soult
É, às vezes difícil traçar a linha
que separa a classe média da fidalguia. Muitas famílias dessa classe afirmaram
pertencer à nobreza, e na Inglaterra não poucas traçam os antepassados até além
da conquista de Guilherme de Normandia.
“Cromwell, embora fabricante de
cerveja e criador de gado, é por muitos considerado como descendente dos
Cromwells, cavalheiros de Hinchinbrook, assim como de descendentes dos Stuarts
da real casa da Escócia. Entretanto, o
Cromwell original era apenas ferreiro em Putney, temos aqui, pois, reunidas em
uma só família a realeza, a aristocracia e o plebeísmo. A família de Descartes
considerava uma mancha, no seu brasão, o fato de ter sido ele, cavalheiro, degenerado
como filósofo. Mas hoje só se conhece o nome do filósofo, ao passo que o resto
dos aristocráticos parentes jazem no mais completo olvido.
“Conquanto Colbert fosse filho de um
negociante de panos e vinhos, elevava ele a sua descendência a uma antiquíssima
família escocesa, os Cuthberts de Castle-Hill; Maximiliano de Bethune, duqye de
Sully, era descendente de uma família de Escócia; os Beatons ou Bethunes do
condado de Fife.
“Os maiores guerreiros têm, no geral,
saída das classes governistas – reis, condes e fidalgos – como Alfredo, o
Grande, Carlos Magno, Eduardo III da Inglaterra, Carlos V da Espanha, Henrique
IV da França, Gustavo Adolpho e Carlos XII da Suécia, Frederico, o Grande da
Alemanha e Pedro o Grande da Rússia. Entre os fidalgos contam-se Turenne,
Condé, Wallenstein, Marlborough, Marechal Saxe, Wellington e outros.
“Dos poetas, os mais notáveis têm
pertencido à classe média, como Shakespeare, Milton, Goethe e Schiller, ao
passo que na literatura geral são as honras igualmente divididas entre nobres e
plebeus. Na ciência prática, porém, nas invenções e na mecânica, como era de
esperar, os nomes mais distintos encontram-se nas classes média e proletária.
“A maioria dos grandes químicos da Inglaterra, diz D. G. Wilson, nasceu na
classe média ou entre os operários”.
“Não foi senão no reinado de Isabel
que a classe média começo a existir como u poder novo no Estado. Até então a
ciência e a legislação haviam sido inteiramente restritas ao clero e à aristocracia.
A extensão do comércio, o aumento da riqueza, a invenção da imprensa e a
reforma religiosas, concorreram, entre outras causas, para o desenvolvimento da
força na classe de que falamos. Dessa época em diante encontramos nela, não
somente grandes navegadores, como Hawkings, Raleigh, Drake e Blake, e grandes
poetas, como Spencer, Shakespeare, Johnson, Milton e muitos outros”.
“Dos grandes estadistas, que então
começaram a aparecer, diz Macauley: “Não eram membros da aristocracia. Não
haviam herdado títulos, batalhões de servos armados, nem castelos fortes.
Entretanto, não eram homens vis tais como os príncipes às vezes arrancam das
ferrarias e das sapatarias para colocar nas mais altas posições. Eram todos
homens delicados, haviam recebido todos uma educação liberal e, fato notável,
eram todos membros da mesma universidade. Cambridge teve a honra de educar
esses célebres bispos protestantes, a quem Oxford teve a honra de queimar, e em
Cambridge formaram-se espíritos de todos esses grandes estadistas, a quem se
deve atribuir, principalmente o estabelecimento seguro da religião reformada no
norte da Europa”.
Nos últimos dois séculos, os mais
distintos estadistas da Inglaterra têm pertencido à classe dos proprietários
rurais como Fox, Pitt e outros, em anos mais recentes, porém, os mais ilustres
homens de Estado saíram da classe comercial. Por ocasião da morte de Richard
Cobden, Disraeli pai, fazendo-lhe o elogio, diz ele ter sido o único homem
pertencente à pura classe média que nos tempos modernos distinguiram-se como
estadista; devemos entretanto recordar-nos de que Burke, Conning, Peel,
Macauley, Wilberforce e Gladstone pertencem a essa classe, e estes homens
figuram entre os estadistas cujos nomes não cairão facilmente no esquecimento.”
“A maior parte, porém, dos grandes
homens tem tido uma linhagem quase ignóbil, e muitos mal podiam traça-la até os
avós. Excetuando Beaumont e Fletcher, os dramaturgos do reinado de Isabel de
Inglaterra eram todos filhos do povo. Embora pobres, tinham, entretanto, alguma
educação; mas a sua pobreza contrastava violentamente com essa educação.
Morlowe era filho de sapateiro, ao passo que Massinger era filho de lacaio a
casa nobre. Viviam como podiam, escrevendo para ganhar o pão de cada dia e
representando no palco. Quase todos tiveram uma vida cruel e morreram
tristemente.”
Lutero era filho de um mineiro:
Pizarro em menino foi guardador de porcos; Hauy, o mineralogista, era filho de
um tecelão, e o pai de Hauteville era padeiro. Hans-Sachs remendava calçado e
Allan Ramsay fazia cabeleiras, Benjamin Franklin foi tipógrafo; Burns, moço de
herdade; Tonnahill, tecelão; Stephenson, e muitos outros, com ele, tiveram a
origem ainda mais humilde. Voltaire, falando de si e de sua origem, passa em silêncio
o nome de seu pai e descreve-se como o neto de seu avô. Béranger também dizia o
mesmo de si. Refere-se a seu avô alfaiate, mas cala o nome de seu pai. Jasmin,
o poeta e barbeiro gascão foi talvez o primeiro de sua família que não veio a
morrer no asilo de mendicidade.”
“Vimos já que as tendências,
constitucionais e o temperamento, são hereditários em homens e mulheres. Altura, feições, forma, força, energia, vida
curta ou longa são também hereditárias. Darwin afirma que a longevidade era um
traço de família; diz ele também que o daltonismo, ou cegueira das cores, tem
sido traçado em cinco gerações consecutivas. O alemão Holcher sustentou que até
a caligrafia é hereditária. A enfermidade o é com certeza. A lista das
moléstias hereditárias é muito longa: escrófulas, tísica, cancro, loucura e
outras. O Dr. Gray diz que o resultado de suas observações no hospital dos
tuberculosos prova que o pai transmite aos filhos a hereditária tendência. E
que os filhos recebem-na da mãe. A gota passa por ser a moléstia dos ricos. É transmitida
pelo pai ou pela mãe ao filho ou à filha, e, muitas vezes, é acompanhada, não
pela riqueza que lhe deu origem, mas pela miséria, e, nesse caso, é mito
difícil de suportar”.
“As estatísticas provam que até o
pauperismo é mal de família. Os hábitos perversos e de ócio dos pais são
infligidos aos filhos até terceira e quarta gerações, fato este que deveria fazer
que os homens regessem a sua vida de modo a que oferecessem sempre um bom
exemplo, quando não para a sua própria dignidade, ao menos por amor daqueles
que lhes são caros. Os capelães das penitenciárias e prisões bem nos afirmam
que o galé procria o galé, e os diretores de asilos de mendicidade também nos
dizem que o vagabundo de uma geração é filho do vagabundo da geração que o
precedeu. Tudo isso pode parecer crueldade da sorte, mas nem por isso deixa de
ser um fato eloquentíssimo. Os próprios vícios agrários são hereditários e
estes só poderão ser corrigidos pela força de vontade e pela educação,
auxiliados por um governo justo e prudente. Um fato digo de nota, apontado pelo
Dr. Ball, é que os crimes agrários da Irlanda acham-se há muitos séculos Limitados
aos mesmos distritos rurais. O poeta Spencer cuja casa foi violada e incendiada
há cerca de três séculos, descreve o estado do sudoeste desse país naquela
época, e vemos que nenhuma mudança
houve até hoje. O Dr. Ball faz-nos observar a coincidência de haver Spence
escolhido no seu poema “Faery Queen”, para morada dos maus espíritos, o Valle
de Aberlow, lugar este ainda recentemente tornou-se demasiadamente notável pela
ferocidade dos crimes agrários nele cometidos.”
A habilidade técnica e o talento
artístico também podem passar de pais a filhos. O filho de um mecânico é mais
apto para os trabalhos que exigem delicadeza do que o filho de um lavrador. A
sua habilidade parece natural. A sua educação técnica é mais fácil em razão da
hereditariedade. Existem famílias de escritores de gravadores, escultores e
pintores. Em Ausburg existiram quatorze Killians distintos como gravadores,
estendendo-se pelo espaço de quatro gerações . Contam-se quatro Wakderveld,
quatro Vernet, dois Tenier, dois Rafael. Os Gaertner, uma família de arquitetos
alemães, floresceram durante dois séculos, e os Milne, mecânicos, arquitetos e
engenheiros, foram célebres pelo espaço de trezentos anos. Nestes acasos, os
pais talentosos procriaram filhos talentosos também. Daí a grande fórmula de
Pascal: “A inteira sucessão da humanidade
pelo longo espaço de muitos séculos deve ser considerada como a sucessão de um
homem só, existindo sempre e sempre aprendendo coisas novas”.
Os povos orientais tem grande fé na
virtude da linhagem. As escrituras contém muitos trechos de genealogia. O
primeiro capítulo de S. Mateus contém a geração de David até o nascimento do
Cristo. Os árabes até hoje acreditam firmemente na virtude da genealogia.
Abd-el-Kader oferece um exemplo nos seguintes termos: “Tomei um espinheiro e regai-o durante um ano inteiro com agua de rosas,
ele não deixará por isso de produzir somente espinhos, mas se tomardes uma
tamareira e a deixardes sem água, em terra árida, ela continuará, não obstante
isso, a dar-vos abundantes e doces frutos.”
Plutarco tem o maior cuidado na
descrição da ascendência de seus heróis. Os principais homens diziam-se
descendentes dos deuses e dos gigantes. Platão descendi de Sólon, e Alexandre
de Hércules.
“Em todas as famílias, diz César,
existe a santidade dos reis que governam os reis”. Na verdade, é tão comum a transmissão do
caráter e da organização física, que, segundo diz Sir Henry Holland, seria
extraordinário, não que o caráter fosse hereditário mas que ele deixasse de o
ser. Entretanto, é forçoso admitir que a hereditariedade do caráter não é tão
fácil de traçar como a semelhança física, pois o caráter depende muitíssimo das
circunstâncias de educação, das dificuldades e dos empecilhos contra os quais
se tem que lutar para a formação do ser humano perfeito e inteligente.
Em todo caso, é uma grande vantagem ser bem nascido, pois que as qualidades
morais, bem como as da inteligência, se transmitem com o sangue. A delicadeza
de sentimentos pertence a certas famílias, quer pobres ou ricos, e é um dos
mais valiosos predicados da sua herança de sangue. Pascal dizia que as
vantagens de um bom nascimento consistiam em proporcionar ao seu possuidor, aos
vinte anos, posição e considerações que outro qualquer em circunstâncias
contrárias não alcançaria antes dos quarenta. Mas a vantagem de um alto
nascimento não está tão somente na posição do indivíduo na sociedade; está
também na elevação moral e mental do seu caráter. Sainte-Beuve, em uma crítica
sobre Lacordaire, diz; “Não é de modo algum matéria de somenos importância,
mesmo no que diz respeito a futuras convicções e crenças, ter nascidos de uma
raça forte sadia como de uma raça honesta e pura. Quando, nas bases de uma
organização firme e distintamente marcada, encontramos talento, virtude e
gênio, quando a eloquência transborda em palavras de fogo, e todos os gloriosos
predicados da virilidade aparecem pujantes, podemos ficar certos de que o vigor
natural da sua constituição terá forças para sustentar esses predicados até o
fim”.
Alguns dos homens mais
extraordinários da história - homens de maravilhosa força de caráter e vigor de
inteligência - nasceram de uniões ilegítimas. Isaac Disraeli, na sua memória
sobre Toland, diz que “o nascimento ilegítimo cria caracteres fortes e
decididos”, fato este que o citarmos a história de personagens mitológicos,
chegamos ao grande nome de Carlos Martel, cognominado o Martelo, filho de
Pepino, o gordo, e que repeliu os sarracenos que invadiam rapidamente o mundo
cristão, derrotando-os completamente em seguida, na batalha de Tours. Foi este
fato um dos grandes marcos da história moderna, pois que, sem o valor de Martel
e do seu exército, a maior parte da Europa seria hoje maometana. O filho de
Martel, Pepino, foi proclamado rei dos Francos, e o filho deste, Carlos Magno
ou Carlos, o Grande, foi o maior vulto da história primitiva da Europa, com
exceção talvez de Alexandre, o Grande e de César.
Passando em silêncio muitos nomes,
citaremos Guilherme, o Conquistador, filho ilegítimo de Roberto, o Diabo, duque
de Normandia, e que conquistou a coroa da Inglaterra na batalha de Hasting.
Alguns dos mais ilustres varões da casa dos Stuarts foram ilegítimos; Murray, o
bom regente, filho de Jaime V da Escócia e Lady Margarida Erskine, e o duque de
Berwick, filho de Jaime II da Inglaterra e Arabola Churchill, irmã do duque de
Marlborough. Montesquieu considerava Berwick como a personificação viva de um
homem perfeito.
“Pelos
livros de Plutarco, diz ele, vejo o que foram os grandes homens; no duque de
Berwick eu vejo mais de perto o que eles são.” Entretanto, Berwick era frio nas
maneiras e franco no falar. Quando perguntaram à rainha da Espanha porque ela
não quisera conservar junto de si o general, respondeu ela: “É um diabo grande,
um inglês seco que quer sempre o direito diante dele”, o maior elogio talvez
que se possa fazer a um inglês, que fala pouco, mas cumpre o seu dever.
Erasmo, o homem mais erudito de sua
época, era filho ilegítimo: a sua vida começo na desventura e foi uma
continuada luta pela luz, pelo saber e pela liberdade. Leonardo da Vinci,
igualmente grande como pintor, arquiteto, engenheiro e filósofo, era filho
natural de um fidalgo florentino, cujo nome jaz no esquecimento, ao passo que o
de seu filho é imortal. Não era mais distinta a origem de Boccácio, autor de ‘Decameron’, e de Cardan, médico e
filósofo. O marechal de Saxe, descendia de sangue real, pois era filho de
Augusto II, rei de Polônia e Eleitor de Saxe, e da Condessa de Koenigsmarck,
uma senhora sueca de ata linhagem, cujos vícios herdou. É bem digno de nota que
a Sra. Dudevant, mulher conhecida como Geoge Sand, orgulhava-se em descender do
grande marechal Dorset, assim como Savage era fruto dos amores de Lord Rivers e
da Condessa de Macclesfield, que o abandonou e repudiou.
Jean le Rond d’Alembert, foi outro
ilustre filho natural. Foi encontrado em uma fria manhã de inverno nas escadas
da igreja de St. Jean le Rond, de Paris, onde havia sido cruelmente abandonado.
O comissário de polícia, a quem foi levado quase moribundo, confiou-o aos
cuidados da mulher de um pobre vidraceiro, e por ela foi o menino criado. Mais
tarde, o pai do menino, o Sr. Detouches, comissário de artilharia, apresentou-se
e reclamou o filho; então soube-se que a mãe não era nada menos do que a Sra.
De Teucin, irmã do cardeal de Teucin, arcebispo de Lyon. Tornou-se ela depois
muito conhecida em Paris pelo seu talento e ilustração. O pai forneceu os meios
para a educação do menino, frequentou este as melhores aulas, e, em breve
revelou o gênio que tanto o celebrizou. Quando se havia tornado famoso e
ilustre, procurou-o a Sra. De Teucin e revelou-lhe o segredo do seu nascimento,
convidando-o a residir com ela. – “Que diz, minha senhora! Exclamou ele. Ah! A
senhora não é senão minha madrasta; a minha verdadeira mãe é a pobre mulher de
um vidraceiro! E d’Alembert voltou para a modesta casa da pobre mulher que o
criara com tantos carinhos, e pelo espaço de quarenta anos se contentou com o
seu humilde lar. A boa mulher, porém, dificilmente ocultava a contrariedade que
lhe causavam os estudos matemáticos a que ele se entregava. Quando d’Alembert
contou-lhe o que havia escrito, exclamou ela: “Ah! Tu não ás de ser nada mais do
que um filósofo! E que é filósofo? Um tolo que leva a atormentar-se durante a
vida para que falem dele depois de morto!”
Lord Brougham publicou um admirável estudo
sobre d’Alembert, na sua obra ‘Filósofos
do tempo de Jorge III’, na qual ele coloca-o na primeira plana dos
matemáticos, e cita-o como “o primeiro entre os filósofos e geômetras que
sucederam Newton.”
Embora muitos grandes homens tenham
saído repentina e inesperadamente de família desconhecida, a maioria deles, bem
nascidos, continua a exibir a capacidade, o talento e o caráter herdado dos
seus maiores. Emílio Deschanel diz que se pode definir e deificar um homem
quando se tem inteiro conhecimento das suas relações de mocidade e da maneira
porque foi criado. Está claro que os pais entram em conta neste fato. No que
diz respeito a exemplos individuais, tem sido sempre matéria de cogitação saber
a quem mais deve o filho as suas qualidades morais e intelectuais, se à mãe ou
ao pai. Tem sido afirmado por muitos que a criança deve mais à mãe, e há ainda
muito que dizer a favor desta teoria. Os homens, diz J. J. Rousseau, serão
sempre aquilo que as mulheres os fizerem; se, pois, quiserdes que os homens sejam
grandes e virtuosos, incuti no espírito das mulheres o que são a grandeza e a
virtude.”
Napoleão Bonaparte era de opinião
que “o futuro, bom ou mal, da criança, depende inteiramente da mãe”. Certa
ocasião, no correr de uma conversação, observou: “Os antigos sistemas de
educação parecem-me inteiramente inúteis; que julga que falta ainda para a melhor
educação do povo? “Faltam mães”, retorquiu imediatamente a Sra. De Campan. Esta
resposta impressionou o Imperador: “Sim, disse ele, aqui encontrou a senhora um
sistema em uma palavra: mães educadas para instruírem os seus filhos!” Napoleão
costumava atribuir à sua mãe a educação do seu caráter. Era uma senhora
distinta pela sua força de vontade e pela sua vigorosa compreensão e
inteligência. Um dos biógrafos de Napoleão disse: “Pessoa alguma o podia governar, à exceção
de sua mãe, que, por meio de uma curiosa mescla de ternura, severidade e
estrita justiça, conseguiu que ele a amasse, respeitasse e obedecesse. De sua
mãe aprendeu ele a virtude da obediência. “Entretanto é fácil ver que na
maioria dos casos a grandeza de caráter é predicado individual, tomando como
exemplo Napoleão, que foi o único de uma numerosa família que se tornou
verdadeiramente grande, pois que a grandeza dos outros irmãos “foi-lhes imposta
por ele”. José, o primogênito, teve a mesma mãe que Napoleão, entretanto, o
Imperador não cessava de queixar-se da estouvada incompetência de José. Assim
também Lord Nelson, que era um dos homens mais leais e nobres que hajam
existido, era irmão de um ministro protestante, que recebeu um título de conde
por causa do valor do almirante, e que pela sua subsequente conduta em relação
à filha de Lord Nelson, mostrou-se o mais vil e mesquinho dos homens.
Não há fato mais fácil de verificar
do que este: as circunstâncias que cercam a natureza tenra e maleável da
criança exercem a mais duradoura influência sobre a vida do homem: e os
impulsos e instintos que mais arraigados estão na sua conduta tiveram a origem
na infância. Nem pode ser de outro modo. Na manhã da existência, quando a
educação se faz ainda silenciosamente, a criança está de todo nas mãos da mãe.
A quem pode ela imitar mais naturalmente do que à mãe? Nesse mesmo tempo, educa
esta o caráter da prole. O pai pode dirigir o intelecto, mas é sempre a mãe
quem dirige o coração do filho. “A mãe,
somente, diz Richter, sabe educar
humanamente... Verdade é que o homem ignora os sacrifícios que a mulher por ele
faz. Os homens governam e conquistam as glórias todas, ao passo que as centenas
de noites em claro, e as penas sem fim com que uma mãe conquista um herói ou um
poeta para a pátria, jazem no olvido, sem nunca serem contados, pois que uma
mãe conquista um herói ou um poeta para a pátria, jazem no olvido, sem nunca
serem contados, pois que as próprias mães não sabem contar; e assim, durante
séculos e séculos, as mães sem nome, e sem agradecimentos, atiram ao mundo os
sóis, os condores, os rouxinóis dos tempos. Raro, bem raro, encontra uma
Cornélia, um Plutarco que a uma aos Graccos. Mas, como estes dois filhos, ao
levarem a sua mãe ao templo de Delfos, encontraram a morte como recompensa,
assim os vossos desvelos junto aos vossos filhos só encontrarão recompensa
perfeito na terminação da vida.”
Não obstante a falta relativa de
dados biográficos sobre as mães dos grandes homens, ainda assim se podem
coligir alguns pormenores que revelam a influência da mulher na formação de um
caráter. Falamos acerca da mãe de Napoleão; a mãe de Cromwell não foi menos
notável pela sua decisão de caráter, sua energia e seu vasto bom senso.
“Pronta, diz Forester, para lutar contra a fortuna na sua forma mais adversa, tinha
um espírito e uma energia somente comparáveis à sua cordura e paciência. Com o
trabalho de suas mãos dotou cinco filhos de modo a permitir-lhes casar-se sem
desdouro em famílias tão honradas conquanto muito mais ricas do que a sua. O
seu único orgulho era a honestidade, a sua única paixão o amor ao próximo; no
suntuoso palácio de Whitehall conservou os mesmos gostos simples que a
distinguiam na antiga cervejaria de Huttingdon, tendo por único cuidado, no
meio do esplendor que a cercava, a segurança de seu adorado filho, que viu em
tão elevada posição.”
Sainte-Beuve era de opinião que os
grandes poetas herdem da mãe o temperamento e o gênio. Swedenborg, ao
contrário, sustentava que o homem recebe do pai a alam e da mãe o corpo. Era
este o seu caso pessoal, mas existem muitas e notáveis exceções. Diz
Saint-Beuve: - “Aqueles que procuram nos pais dos grandes homens a origem das
suas brilhantes carreiras, aqueles que procuram nas mães de Walter Scott, Byron
e Lamartine o segredo dos gênios de seus filhos, lembrar-se-ão de caráter
melancólico e nimiamente delicado da Sra. Chateaubriand.” Ao mesmo tempo
Sainte-Beuve acrescenta que um dos tios paternos de Chateaubriand, padre, era
poeta e que outro tio, também paterno, dedicou-se a profundos estudos
históricos.”
A mãe de Walter Scott, senhora de
rara sagacidade, era filha do professor Ruthford, de Edimburgo. Tendo grande
amor às letras, animou o filho nas suas tentativas literárias, que eram
desconhecidas do pai, homem de inteligência vulgar e rígido sectário presbiteriano.
M uma carta a Jorge Ellis, assim se refere Scott aos seus antepassados: “Meu
avô foi negociante de gado, e ganhou grande riqueza; meu bisavô foi jacobino e
traidor (segundo se dizia naquela época), e perdeu todos os seus haveres.
Depois dele vieram um ou mais fidalgos meio mortos de fome, montados em uns
cavalos magros, seguidos de galgos mais magros ainda, e que a custo cobravam
umas cem libras de uma centena de rendeiros; batiam-se em duelo, traziam chapéu
à banda e diziam-se cavaleiros.”
Catarina Gordon de Gight, mãe de
Lord Byron, era senhora de extrema vivacidade e veemência céltica, que tamanho vis dava aos seus poemas. No Don Juan,
Byron diz que “por nascimento era meio escocês, sendo-o inteiramente por
educação”. A inconstância e irascibilidade
maternas exerceram, sem dúvida, poderosa influência sobre o caráter do poeta,
que se revelou na mórbida obstinação e na provocadora mordacidade da sua curta
e brilhante carreira. Desiludido, infeliz, grande e ao mesmo tempo fraco,
acompanhou-o na vida o pesado fardo da triste herança materna.
Fontenele reconhece que herdou o talento de
sua mãe, uma irmã de Corneille, e Carlota Corday descendia em linha reta da
outra. A mãe de De-Tocqueville era neta de Malesherbes. Balanche saía ao pai
nas qualidades físicas, mas, “como todos os grandes homens, diz Sainte-Beuve,
herdara de sua mãe o sentimento.” A mãe de Manzoni era filha do marquês
Beccaria, autor da célebre obra “Tratado
sobre crimes e castigos”.
Kant, o filósofo alemão, costumava
dizer que devia à influência d caráter materno a severa retidão dos seus
princípios morais. Cuvier era filho de um oficial reformado, que não se
distinguira em coisa nenhuma; mas sua mãe, senhora de elevado caráter,
dedicou-se assiduamente à educação desse filho querido. Embora ignorasse o
latim, obrigava o filho a repetir-lhe as lições, e acompanhou-o nos seus
estudos de desenho; animou-o a ler obras de literatura e história, e
desenvolveu nele essa sede de saber e essa curiosidade acerca de todas as
coisas animadas ou inanimadas que formavam, segundo a própria expressão de Cuvier.
“a mola real de sua existência”.
Antes de deixarmos este assunto,
devemos mencionar uma circunstância notável, em relação ao caráter moral das
famílias. Naquelas em que a mãe é boa e virtuosa, embora seja o pai descuidado,
devasso e vil, pode ela, com a força do seu exemplo e a influência coerciva da
cordura e do amor, salvar os filhos e encaminhá-los nas sendas virtuosas da
vida. Naquelas, porém, em que o caráter é mau, por muito honesto e virtuoso que
seja o pai, é bem raro que se criem filhos bons. Não há vantagens de educação
nem se confortos de riqueza que compensem a falta de uma boa mãe. São elas,
principalmente, que dirigem as influências do lar. O lar é, não só o seminário
das afeições sociais como também o das ideias e das máximas que governam o
mundo. As nações saem do regaço materno e as mãos de uma boa mãe podem
tornar-se guias de um bom governo moral.
Como já dissemos, a maior parte dos
grandes homens tem tido a fortuna de ser bem aquinhoados pelo lado paterno e
materno, sendo assim duplamente bem nascidos, Lord Bacon oferece um frisante
exemplo. O seu pai, Nicolau Bacon, foi guarda dos selos durante vinte anos no
reinado de Isabel de Inglaterra. Era um homem de elevado cultivo intelectual,
de caráter nobilíssimo, e igualmente distinto como advogado e estadista, pois
só foi excedido por Lord Burleigh no seu tempo. Sua mãe foi Anna Cooke, uma das
filhas do sábio Sir Antony Cooke. Era senhora de extraordinária instrução e
numerosas prendas, conhecendo perfeitamente o grego e o latim, além da maior
parte das línguas modernas.
Lutero, Tasso, Goethe, Burns e
Wesley tiveram igualmente pais distintos. A mãe de Lutero foi descrita como
“moça casta, virtuosa, temente a Deus, o orgulho de Moerha”. Seu pai, João
Lutero, era homem de exemplar honestidade e decisão de caráter, tão simbolizado
pelo brasão de armas: um martelo sobre uma rocha de granito.
O pai de Tasso foi poeta de grande
distinção, embora a sua reputação se haja obscurecido pelo brilho da do filho
ao passo que sua mãe possuía um caráter extremamente belo e meigo. Durante o
exílio do marido foi ela quem velou cuidadosamente pela educação do filho.
Schiller herdou a natureza da sua mãe, assemelhando-se a ela
extraordinariamente no físico e no moral. Possuía a mesma estatura alta e
esbelta, os mesmos cabelos louros e olhos azuis, a mesma expressão tristonha da
sua mãe.
Como o
filho, era ela piedosa, tenaz e entusiástica, e possuía a mesma compreensão das
belezas da natureza e o mesmo amor da música e da poesia. O pai de Schiller era
homem de singular probidade de caráter e, no meio das maiores dificuldades
conseguiu sempre prosseguir diligentemente nos seus estudos de filosofia e
ciência.
No seu caráter, Goethe parecia
reunir as excelentes qualidades de seus pais: “Herdei de meu pai, diz ele, uma
certa eloquência que me permitia demonstrar as minhas doutrinas aos meus
ouvintes e de minha mãe me veio a faculdade de representar com vivacidade e
vigor tudo quanto a minha imaginação concebia. Era senhora de grande bom senso,
muito amorosa, excelente escritora e a todos os respeitos nimiamente estimável.
Um entusiasta de Goethe, depois de larga conversação com ela, disse: “Agora compreendo
como Goethe se tornou o homem que é.”
Burns, o poeta, herdou do pai as
suas qualidades intelectuais e a ele se assemelhava também no seu temperamento
irritável e melancólico; entretanto, se assemelhava muitíssimo à sua mãe. Foi
ela quem, semelhante à mãe de Walter Scott, despertou o gênio do filho, recitando
lhe as antigas baladas nacionais. Assim, o gênio poético do menino
desenvolveu-se, expandiu-se pela influência e pelos exemplos dos pais.
Embora estes e muitos outros fatos
possam ser citados para demonstrar que a capacidade, o talento, e o caráter são
herdados do pai e da mãe conjuntamente, e, não poucas vezes, somente da mãe,
ainda assim são muito mais frequentes os fatos em que a hereditariedade se
revela unicamente na linha masculina. É bem antigo o adágio “Tal pai, tal
filho”. As mesmas feições, bem como os mesmos talentos, são assim transmitidos
durante séculos.
Já nos referimos a essa curiosa
semelhança, e repetição de traços fisionômicos e físicos, tão fácil de se notar
nas galerias de retratos das famílias de antiga linhagem. Falemos, pois, da
hereditariedade de talento e de qualidades artísticas e musicais. O pai de
Rafael era pintor de mérito, e foi o primeiro mestre do filho, que o devia
exceder. O irmão, o filho e o neto de Ticiano foram todos pintores de
merecimento. Existiram três Bellinis, artistas e arquitetos, quatro dos quais
foram célebres. Os três Caracci estão no número dos maiores pintores da Itália.
Nicolau Abati, o célebre pintor a fresco tinha por irmão um notável pintor de
cavalos e de batalhas, e seu filho e seu neto foram pintores de grande
habilidade. Os cinco Bassanos, pai e quatro filhos, foram todos pintores de grande
reputação. O pai de Canova trabalhava em mármore e era bom escultor.
O mesmo fato se dá na França. Os
três filhos de Jacob Sigisbert Adam, escultor notável de Nancy, em princípios
do século findo. Não menos notáveis foram os quatro Coustou: Antonio Coysevox e
seus sobrinhos Nicolau e Guilherme, e o filho deste último, Guilherme, também,
que conquistou o grande prêmio da academia.
Os Basires eram uma família de
gravadores, que transmitiam a sua arte de pais a filhos. Foram quatro os
pintores Vernet, pai, filho, neto e bisneto. O primeiro floresceu em princípios
do século passado, e o último pertence aos nossos dias.
A mesma hereditariedade artística
revela-se nos Países Baixos. Cuyp e Paulo Potter eram ambos filhos de pintores.
Matsys, o moço, era filho de Quintino Matsys, pintor notável. Os dois Teniers
eram pai e filho. Os três Vanderveldes eram pai, filho e neto. Rafael Mengs era
filho de um pintor de certa habilidade. Entre os ingleses existe também alguns
exemplos semelhantes. Nolleekns era filho de um escultor. Os quatro Stones eram
estatutários: pai e três filhos. Os cinco Nasmyths de Edimburg, pai, filho e
três filhas foram pintores de merecimento; poderíamos acrescentar-lhes ainda um
outro Nasmyth, o engenheiro inventor, que é também hábil pintor.
Vejamos agora os músicos. Os dois
Scarlatti, pai e filho, ambos notabilíssimo; existiu tambpem um neto conquanto
menos distinto do que os seus predecessores. Toda a família de Bach parece ter
cultivado a música. O seu fundador foi Veit Bach, o moleiro de Presburgo, que
viveu na primeira parte do século XVI, e durante seis gerações consecutivas a
faculdade musical foi-lhes transmitida sem interrupção. Até meados do século
passado, haviam existido 58 descendentes masculinos de Veit Bach que, segundo
Forkel, exerciam as funções de professores de música.
O gênio da família chegou ao seu
auge em João Sebastian Bach; quatro filhos e cinco filhas deste foram todos
mais ou menos notáveis na mesma arte. O pai e o avô de Beetoven eram notáveis
músicos de profissão. O pai de Weber era tão fanático da música, que vivia a
tocar rabeca nas ruas e nos campos. O pai de Mozart era músico de talento,
mestre de capela e compositor do arcebispo de Salzburg, mais adiante, porém,
veremos como degenerou o filho de Mozart. O pai de Haydn tocava harpa, “sem conhecer
uma nota de música”. O pai de Rossini tocava trompa na orquestra de uma
companhia ambulante. Mendelssohn descendia de uma família mais distinta pelos estudos
científicos do que pela música, o seu avô foi Moyses Mendelsshn, o célebre
filólogo e filósofo.
Em muitas famílias o talento para a
ciência e para a política parece também hereditário. Os Scaligeros, pai e
filho, eram igualmente notáveis como críticos e sábios; o mesmo acontece com os
dois Struves, Jorge Adam e Burchard Gotthelf; Geraldo e Isaac Vossius foram
grandes sábios na sua época. Os dois Casalbone, pai e filho, distinguiram-se
igualmente pelos seus vastos conhecimentos. Os dois Aldanis, Giovanni e
Antonio, um distinto como estadista e outro como filósofo, eram sobrinhos de
Galvani, descobridor do galvanismo. Os
Strozzi, de Florença, distinguiram-se durante três séculos, pela sua ilustração
como sábios e como políticos. Outro ramo da mesma família, estabelecida em
Ferrara, era notável pelo número de poetas e de críticos que lhe pertenciam.
A família de Basnage distingue-se pelos
seus sábios, pregadores e advogados. Os d’Aubigne, de Genebra, de origem francesa,
distinguiram-se durante três séculos pelos seus historiadores, teólogos e
sábios. Os três irmãos Schegel eram igualmente grandes com sábios e como
críticos. Nos Estados Unidos encontramos os membros da família Adams – João
Adams, presidente da República; João Quincy Adams e Carlos Francisco Adams,
eminentes todos como estadistas.
A hereditariedade de qualidades
heroicas no ramo masculino de uma família tem u exemplo frisante na história
dos membros da casa de Nassau. O primeiro, que se distinguiu na história,
pertence aos meados do século XI. O ramo primogênito permaneceu na Alemanha e
subiu ao trono imperial no século décimo terceiro, na pessoa de Adolfo de
Nassau, e deu à pátria muitos eleitores, bispos e generais. O ramo mais moço, e
também o mais heroico, auxiliou e guiou os holandeses na sua luta pela
liberdade contra a prepotência da Espanha e da França. Guilherme I de Orange,
cognominado O Taciturno, foi o primeiro
que comandou os holandeses na sua guerra contra a tirania de Carlos V e de seu
filho Felipe II. Eram poderosos os inimigos contra os quais lutava: o duque
d’Alba, João da Áustria e Alexandre Farnese de Parma comandavam os exércitos
unidos da Espanha e da Itália. Ele, porém, foi bem sucedido e conseguiu
estabelecer o célebre Tratado de Utrecht, que veio formar a base mais sólida da
República Holandesa.
A sua cabeça foi posta a prêmio,
sendo ele assassinado por um sicário, de seus inimigos; a sua obra, porém, teve
continuar em Maurício, o príncipe de Nassau, que foi eleito estadhuder (Chefe da República) em lugar
de seu pai, e que com o auxílio das forças inglesas livrou a Holanda da tirania
da Espanha. Foi este sucedido por seu irmão Frederico Henrique; depois deste
citemos a Guilherme III de Orange, o segundo conquistador da Inglaterra. As
duas obras de Motley, a ‘Origem da
República Holandesa’ e a ‘História
dos Países Baixos’, são os mais belos monumentos erguidos ao heroico saber
dos varões da casa de Nassau.
A estatística também parece
hereditária. Os Standleys do reino de Eduardo II e de Eduardo III da Inglaterra
ainda tem representantes no reinado de Vitória; os Cecils do reinado de Isabel
são representados pelo atual Lord Slisbury. A família escocesa de Bethune ou
Beafon produziu estadistas, teólogos e diplomatas pelo espaço de dois séculos.
Entre os estadistas modernos encontramos os dois Pitt, pai e filho, os dois
Fox, os dois Peels, e o seu sucessor, o orador da Cãmara dos Comuns, os dois
Canning, pai e filho, além de outro parente, Lord Stradfrd Canning de
Redcliffe. Os Temple foram também distintos pelos seus dotes hereditários de
ciência, eloquência e estadística, que chegaram ao seu auge em Lord Palmerston.
Há outros casos, porém, em que o talento
hereditário não tem sido tão extenso, passando apenas pelo do pai ao filho ou filha
sem ir mais além. Citemos, por exemplo os dois Colman, os dois Kean, os dois
Allan Ramsay, os dois Maucalay, etc. Temos também o financeiro... Necker e sua
célebre filha, a Sra. De Stael; o Dr. Burney e sua filha Sra. Ritchie, autora
de diversas novelas. Lucas, na sua obra sobre hereditariedade, diz que o
movimento ascendente das altas faculdades mentais dos fundadores de famílias
cessa quase sempre na terceira geração, poucas vezes passa além da quarta, e
quase nunca transpõe a quinta. Frequentes vezes também não vai além da primeira
geração, começando e terminando nela.
A muita gente pode parecer à
primeira vista absurdo afirmar que a disposição e o talento para a ciência e
investigações científicas são hereditárias; entretanto há muitos singulares exemplos
desta forma de hereditariedade. Os Cassini, cujo nome se acha tão intimamente
ligado à história da astronomia, ocuparam o posto de astrônomos Reais de França
pelo espaço de cento e vinte dois anos. Não existiram menos de oito membros da
família Bernouilli ocupando diversos graus de distinção, no decurso de quatro
gerações. Como os Cassini, distinguiram-se principalmente pelo seu talento
matemático.
Os Herschel, pai e filho, foram
igualmente astrônomos e Carolina Lucrécia, irmão do primeiro, foi tão paciente
e acurada observadora como qualquer um deles, tendo descoberto sete cometas com
o auxílio do telescópio que seu irmão mandara fabricar para ela. Em 1798
publicou, a expensas da Sociedade Real da Inglaterra o Catálogo das Estrelas,
segundo as observações de Flamstead, obra astronômica de grande valor. Por morte
de seu irmão, em 1822, regressou para Hannover, na idade de setenta e dois
anos, a fim de terminar seus dias na terá natal. Não se conservou, porém,
ociosa: continuou nos seus trabalhos astronômicos e, em 1828, completou o
catálogo das estrelas observadas por seu irmão, recebendo por essa ocasião a
medalha de ouro da Sociedade Astronômica de Londres. Morreu em 1848, na idade
de noventa e oito anos. Os Darwin também têm demonstrado o seu gênio para
investigações científicas no decurso de quatro gerações, pois que Carlos (Charles?) Darwin, o autor da
‘Origem das Espécies’, é neto do Dr.
Darwin, poeta, naturalista e médico, ao passo que Jorge (George?) Darwin, filho de
Carlos (Charles?), distinguiu-se na
Universidade de história natural e fisiologia.
A vista destes exemplos, pode
supor-se que a hereditariedade é geral. No que diz respeito à formação física,
em grande parte o é. Assim, vemos certos sinais, como verrugas e estrabismos,
aparecerem sempre em determinadas famílias, e não são esses os únicos
distintivos; há famílias em que são hereditários a pela fina ou a pele grossa,
o daltonismo ou a cegueira, o raquitismo e o lábio leporino, o demasiado
cumprimento das pernas ou dos braços, e até as pernas de pau. Trata-se de uma
família, de homens do mar da costa meridional da Inglaterra, família notável em
muitas gerações pelos seus valorosos capitães e almirantes da marinha real.
Quase todos entraram em violentos combates navais, de modo que voltaram ao seio
da família mutilados, exigindo o auxílio do carpinteiro, a fim de caminharem.
Daí um dito popular que afirmava “serem as pernas de pau um mal de família”.
Jeremias Bentham dizia que até o ressonar é
hereditário. “Se um Bentham não ressonar, dizia ele, é porque não é legítimo.
Meu pai ressonava, minha mãe também e, se meu sobrinho não ressonar, é
bastardo!” Mais importante do que o ressonar hereditário, é o idiotismo
hereditário. Stephen Haller, nos seus ‘Elementos
de Fisiologia’, diz:
“Conhecemos um exemplo notável de duas
senhoras de nobre estirpe que, em razão e sua grande riqueza, encontraram
maridos, embora fossem idiotas, e cujo defeito mental se tem propagado no
espaço de um século, por muitas famílias, de modo que alguns filhos de seus
descendentes continuam idiotas na terceira e na quarta geração.”
Existe, entretanto, uma coisa sobre
a qual não tem influência a hereditariedade: é o gênio poético. Conquanto seja
o talento hereditário em muitas famílias, o gênio, na maioria delas, é um dom
individual, como um prêmio ou uma condecoração. Tratando-se dos homens do mais
alevantado gênio, parece que nada existe de notável em relação a seus pais.
Esses gênios, isolados, destacam-se solitários e únicos no meio das gerações a
que pertencem. Embora deixassem descendentes, estes resvalaram para o meio do
comum dos homens. Na sua raça, nem antes nem depois deles, coisa alguma
existiu. Dir-se-ia que, intelectualmente, não tiveram progenitores. Foram eles
os fatores do próprio cérebro e, como o marechal Junot, são eles seus próprios
antepassados. As circunstâncias em que nasceram e se educaram foram talvez mais
propícios ao desenvolvimento do seu gênio do que seus próprios pais. Ao mesmo
tempo, é forçoso confessar que o gênio desafia a análise, e não pode ser
seguido até a origem. Tem este sido o caso de todos os grandes poetas. Surgem
como cometas, percorrem o seu curso e deixam-nos maravilhados. Assim apareceram
e assim partiram Spencer, Chaucer e Shakespeare. Shakespeare foi o homem único
do seu tempo. Não houve outro antes nem depois. Assim também temos um só
Milton. Byron foi o único gênio da estirpe. A linhagem de Shelley, embora
aristocrática, não era distinta; foi este poeta uma contradição viva à teoria
hereditária. Foi ele o único homem distinto da sua família, da sua raça, um
sistema nervoso poético e vibrante, um ente quase etéreo. Se o gênio fosse
hereditário, que não devêramos esperar do filho deste homem!.. Henrique Crabb
Robinson, no seu Diário, diz: “A Sra. Shelley entrou com o filho. Se o talento
descendesse de pais a filho, que não seria dele? Ele que é do sangue dos
Godwins, de Maria Woolstenecroft, isto é, de Shelley e da mulher? Que romance
não é o nascimento deste menino?
São numerosos os casos em que homens
de nascimento ilustre nenhuma indicação apresentam do talento ou do gênio que
ilustrara, os seus progenitores. De fato, muitas vezes tem eles revelado
qualidades exatamente opostas. Os antigos, apesar da sua consideração pelo
nascimento e pela nobreza, não se mostravam insensíveis aos fatos que vinham
desmentir a sua teoria. Filhos nobres nem sempre nascem de nobres pais, disse
Sófocles, nem do mal nasce o mal; entretanto, não é bom fiar em coisa alguma
mortal.”
Temístocles conseguiu fazer do filho
um bom cavaleiro, mas não pode fazr dele um homem virtuoso. Aristides, Péricles
e Tucídides foram igualmente infelizes com os filhos. Germânico, um dos mais
sábios e virtuosos generais de Roma, e Agripina, sua esposa, uma das mais
nobres e virtuosas mulheres, tiveram seis filhos, nenhum dos quais revelou a
mínima parcela da bondade dos progenitores. Dois deles, Caio Cesar. Melhor
conhecido como Calígula e Agripina, tornaram-se famosos pela vileza dos seus
crimes. Agripina foi mãe de Nero, um dos mais horríveis monstros da antiguidade,
entretanto Nero teve Sêneca como preceptor. O imperador Marco Aurélio era um
modelo de virtudes e sabedoria; entretanto, seu filho Cômodo foi um monstro de
crueldade. O filho de Scipião, o africano, era parvo e pródigo. Marco, o
bêbado, era filho de Cícero que lhe dedicou a sua famosa obra De Officis.
Voltemo-nos para épocas mais
recentes. Não houve paladino mais famoso pela sua histórica piedade do que o
Conde Jovelline de França; entretanto, foi sucedido por um filho infame,
devasso e bêbado, que perdeu o principado paterno e morreu à fome. O virtuoso e
valente Eduardo I da Inglaterra teve um filho e sucessor, o viciado e
pusilânime Eduardo II. O irmão do piedoso S. Luís de França foi o bárbaro
Carlos d’Anjou.
O filho e Lutero causou desgostos ao
pai pelo seu desregramento e desobediência. Ricardo, filho de Oliviero
Cromwell, não tinha semelhança alguma com o pai ou com a mãe; era indolente e
apático, e foi com verdadeiro prazer que entregou o protetorado da Inglaterra a
que sucedera. O filho do religioso quacker William Penni era devasso e o que
geralmente se chama um velhaco. O único descendente do poeta Addison foi uma
filha de fraca inteligência. Lord Chesterfield escreveu as suas notáveis cartas
sobre cortesia e delicadeza para um filho, que, entretanto, nunca passou de um
lôbrego e malcriado. O filho de Walter Scott era um oficial de cavalaria, que
se envergonhava da reputação literária do pai, e jactava-se de nunca lhe ter
lido as obras. O filho de Benjamin Franklin era realista e morre recebendo uma
pensão do governo inglês.
No próprio domínio da arte existem
anomalias. Voltaire, na sua ‘Vida de
Molière’, diz:
“Observou-se que quase todos aqueles
que conquistaram um nome nas belas artes e cultivaram-nas, apesar dos parentes,
é que a natureza foi-lhes sempre mais preponderante que a educação.” É isso bem
verdade, pelo, pois que no maior número de casos os artistas tem-se visto obrigados
a abrir caminho por entre inúmeros obstáculos. Que o digam Cláudio Lorraine, o
pasteleiro; Tintoretto, o tintureiro; Giotto, o campônio; Zíngaro, o cigano; e
na Inglaterra, Opie e Romney, os carpinteiros; Jacobson, o alfaiate; e Lough, o
pedreiro. Reynolds dizia que não é o nascimento que faz o artista, e sim a
oportunidade, a aplicação e o trabalho. A natureza deve, é verdade, conceder o
dom da arte, mas é somente o trabalho constante que o pode desenvolver.
Rembrandt, um dos maiores pintores do mundo, inha um filho. Tito, a quem educou
cuidadosamente para pintor; todos os seus esforços, porém, foram baldados, e Tito
só foi conhecido por ser filho do seu pai.
Achando-se Blanchini, o compositor
de música, em Milão, desejou visitar o filho do célebre Mozart. Foi ter com ele
em seu escritório, e felicitou-o pelo ilustre nascimento. O moço Mozart, sendo
algum tanto ríspido, limitou-se a responder por monossilábicos. “Então, é
realmente o filho único do grande Mozart?, perguntou Blanchini. “Sim!” “Então veio a esta pátria das artes protegido
pela gloriosa sombra de seu pai?. “Hum!” “Sem dúvida, cultiva com amor o violino
e o piano? “Por quem diabo me toma o senhor?! Não gosto de música!” “Como! Pois
não é músico?” “Não, senhor, sou banqueiro e a única música que me agrada é
esta!” E metendo a mão no bolso, Mozart filho tirou dele um punhado de luíses
de ouro, que fez cair tinindo sobre a secretária. “É esta, continuou, a música
de que gosto!” Blanchini afastou-se indignadíssimo.
O fim ignominioso das grandes casas
é frequente. A nobre estirpe dos Hastings, descendentes de reis, tendo nas
veias o sangue do Plantagenet, extinguiu-se em um velhaco, companheiro usual de
jogadores de profissão. A velha família dos Staffords foi ultimamente
reconhecida até a pessoa de um remendo, que nunca passou ultra crepidam (além do sapato). Os De Vere extinguiram-se com o vigésimo
Condé que manchou o brasão com um crime. Um descendente dos Dudlegs era guarda
de uma barreira de onde avistava as torres do castelo que havia dado o nome ao
baronato do que era co-herdeiro. O último dos Platagenet era sacristão de uma
igreja de Londres. O arquivo da prisão de Newgate contém a narração do fim de
um nobre lorde, cujos antepassados eram contemporâneos de Guilherme, o
Conquistador. O representante do Conde de Ulster, grande no reinado de Isabel,
era, ainda há bem pouco tempo, agente de polícia em Liverpool. O último
descendente de Vasco da Gama e pregava-se como copeiro.
O rei, diz Landor, pode espalhar títulos e
dignidades até que os filósofos, como os da ilha de Sancho Pança, se tornem tão
numerosos como as moscas, mas não pode ele livrar aqueles a quem distingue do
esquecimento e da podridão. Diz Gregório: “O
Imperador pode fazer que se chame Leão a um mono, mas não pode torná-lo tal”.
O nascimento ilustre só pode enobrecer-se pela virtude: é esse o título de
nobreza que o rei não pode conceder: Jaime I vendia os seus títulos de
fidalguia por dinheiro, mas dizia sempre: “Posso
fazer de um homem um lorde, mas não posso torna-lo cavalheiro.”
Um nobre cavalheirismo da alma é um
privilégio inalienável, que é um dom de Deus somente. Eis a razão por que os
melhores entre os grandes homens não são fidalgos de nascimento. Indivíduos de
baixa origem podem ser dotados de elevado espírito e podem tornar-se nobres
pelas suas virtudes e obras. A única distinção digna de admiração e amor é a
que não depende absolutamente de um esplendor adventício que, embora adorne e
auxilie, nenhuma grandeza pode dar por si só. O gênio é como o ar que sopra
onde lhe apraz. O gênio derruba as dificuldades e abre caminho para prosseguir
avante. A paciência procura uma senda, o gênio fá-la.
Os mais alevantados espíritos tem
sido antes criados do que desenvolvidos. Tem-se visto famílias de inteligência
relativamente baixa alevantarem-se e produzirem um gênio luminoso. Como é que o
gênio se expande em um homem, ao passo que permanece oculto nos seus obscuros
pais? Será em razão da lei do desenvolvimento, ou da lei da criação? É em razão
da lei do desenvolvimento, ou da lei da criação? É em razão da lei de
desenvolvimento, ou da lei da criação? Respiramos todos o sopro de uma vida independente
em virtude de leis estabelecidas, e, quando a inspiração do gênio começa a lei
da criação contínua a agir como o tem feito desde o princípio da vida.
Não há dúvida, o espírito de todo
homem sente maior ou menor influência das circunstâncias que o cercam, Os
homens fazem-se consoante o tempo em que vivem.
Quando herdam dos pais energia e
força de vontade, as suas faculdades se desenvolvem nos encontros com as
dificuldades se desenvolvem os encontros com as dificuldades e com os
obstáculos, e assim, se tornam eles famosos. No caso de seus filhos, já são
diferentes as circunstâncias. Estes não foram influenciados pelos encontros com
a dificuldade; a senda da vida foi-lhes já facilitada, satisfazem-se em gozar
da celebridade paterna, e por fim deixam-se resvalar para a manada dos homens
comuns.
Quantos plebeus distintos, distintos
e aventureiros célebres de nascimento obscuro não temos tido? Entre os mais
célebres “Shakespeare, Johnson, Milton, Dryden Pope e Burns como poetas:
Newton, Davy, Watt e Farady como filosóficos; Temístocles, Cesar, Guilherme o
conquistador, Pizarro, Cortez e Bonaparte como guerreiros; Burke, Canning,
Peel, Lyndhurst, Cobden e Disraeli como estadistas: Jeremias Taylor, Bunyan,
Tillotson, Richardson e Carlyle como literatos e teólogos; Arkwright, Brindley,
Maudsley, os Prunels e os Stephensons como engenheiros e mecânicos, além de
quase todos os artistas e escultores.
A América do Norte é também um país
de homens célebres de nascimento obscuro. Embora muitos hajam aí alcançado
invejável distinção, poucos são aqueles dentre
os mas famosos, que herdaram dos pais um nome e fortuna. Washington,
conquanto lavrador e agrimensor, é talvez o único cavalheiro de nascimento
nomeio dessa admirável companhia de pensadores e atores. Franklin foi
tipógrafo; Sherman sapateiro; Knox encadernador; Green ferreiro, Adams e
Marshall eram filhos de pobres lavradores e Hamilton, o mais sutil e fogoso e
arrebatador talento de todos, encetou sua carreira como caixeiro de armarinho.
A sagacidade de Cristovam Gore livrou a Daniel Webster, filho de pequenos
lavradores, da sorte de condutor de gado. Calhoun teve por pai um curtidor de
couros, e o pai de Henrique Clay pertencia
mais humilde classe dos pastores da seita batista; Tomás Corvin foi
carroceiro; Silas Wright mecânico, o grande Abraham Lincoln foi primeiro
rachador de lenha e depois trabalhou nos barcos de carga que navegavam no
Mississipi; e o ex-presidente dos Estados Unidos, Cleveland, foi mestre-escola.
De Bruyère espirituosamente assim falou de homens ilustres como esses: “Estes
homens não tiveram nem antepassados nem pósteros; - eles, só, compõem toda a
sua raça.
Não há a menor dúvida sobre o real
merecimento desses aventureiros. São eles os homens que fazem a grande obra do
mundo. Pertencem-lhes os mais alevantados pensamentos, são eles que escrevem os
melhores livros, que praticam as melhores ações, que pintam os melhores
quadros, que esculpem as mais nobres estátuas. Esses grandes aventureiros veem
do povo e a ele pertencem, deles nascem, na realidade são o próprio povo.
Reconhecendo o grande espírito aventureiro deste século, reconhecemos apenas
aquilo que, em outras palavras é designado como a dignidade do trabalho, os
direitos da indústria e a força da inteligência. Toda a honra é pois devida ao
homem que honestamente, pela sua energia inata, conquista para si a riqueza,
exercendo a força e a inteligência que lhe pertencem como homem.
Tem sido frequentemente notado que
os homens de gênio, em sua maioria, não tem prole. Muitos conservam-se
celibatários ou se se casam, poucos filhos deixam, e esses mesmos em breve
tempo morrem. Crocker, na sua “Vida de Johnson” diz: “É realmente notável que
nenhum dos nossos grandes poetas, e mesmo poucos de nossos poetas secundários
hajam deixado posteridade: Shakespeare, Johnson, Goldsmith, Cowper não tiveram
herdeiros de seu nome”. A estes podem acrescentar Lord Byron e Sir Walter
Scott, que não possuem pósteros homens. Dir-se-ia que foi ordenado que sejam os
filhos do cérebro a única progênia concedida aos grandes homens.
Sir Isaac Newton não deixou
herdeiro. O ramo masculino da família de Cristovam Wren está extinto. Já não
existem as famílias de Sir John Reynolds, de Olivério Goldsmith, de Telford e
de Faraday. Jorge Stephenson e o seu filho Roberto não deixaram sucessores
distintos. Alguns dos grandes homens acima mencionados eram celibatários, de
modo que nenhuma posteridade lhes ficou além dos filhos do seu espírito.
“Na verdade, diz Bacon, o homem verá
que as mais belas obras e os mais nobres conceitos procederam de homens sem
filhos, que procuraram dar vida aos filhos do espírito, Quando lhes faltaram os
do corpo. Assim, pois, o cuidado da posteridade tem cabido principalmente
àqueles que não a possuem”. (S. Smiles – “Vida e Trabalho”).
A abundância desses fatos cuidadosa
e metodicamente colecionados, leva-nos a considerar, para estudo, a
hereditariedade sob os seus diversos aspectos, analisando separadamente:
a) as características
físicas ou materiais;
b) as índoles
intelectuais;
c) as tendências
profissionais;
d) os predicados
morais e
e) os atributos do
gênio.
A Doutrina Espírita não menospreza
os conhecimentos da ciência materialista, não julga inútil o esforço dos
abnegados sábios, nem tem o objetivo de ridicularizar nada. Não negamos
portanto o que ensina a Biologia, a Fisiologia e a Filosofia. O que almejamos é
despertar nos homens estudiosos, obstinados nas teorias de antanho, eivados de
preconceitos, o interesse pela nossa Doutrina, pois, sem ela todas as hipóteses
se desfazem como fumaça ao sopro do vento e todos os argumentos se enfraquecem.
A Doutrina Espírita aceita como
verdadeira a herança física até certo ponto, pois ninguém pode negar que as
características dos pais se transmitem de forma notável aos filhos. Ora são os
filhos que herdam todo o aspecto dos pais e as filhas o das mães, ora são os
filhos que se parecem com as mães e as filhas com os pais, sem que se possa
determinar quando nem por que.
Por vezes, a semelhança com um outro
parente, tio, tia, primo ou um antepassado, avô, bisavô, tetravô, tia avó, o
que contribuiu para a ciência materialista classificar hereditariedade em
direta e indireta, conforme se opera a transmissão, se diretamente dos pais ou
de outros parentes.
Há famílias cujos membros se
reconhecem facilmente elo mesmo aspecto fisionômico, defeitos, estigmas, como
os que foram descritos por Samuel Smiles, todavia, vez por outra, sem que tenha
havido a admissão de um estranho, pelos meios legais, aparece um descendente de
tipo sensivelmente diverso, capaz até de despertar suspeitas de uma mulher de
conduta impecável. A Biologia estanca diante desse fato, porém explica
facilmente a propensão para certas moléstias como o cancro, a tuberculose e a
infalível e inconfundível tara sifilítica.
A idiotice que se manifesta em muitas
famílias que abusam dos casamentos consanguíneos por interesses econômicos, não
pode ser negada, porque os fatos se repetem em todos os tempos e foi isso que
levou o primeiro legislador do mundo - Moisés - a proibi-los, dando para ser
respeitado uma feição de recomendação divina. Poderíamos ilustrar com casos
positivos mas, ainda que ocultássemos os nomes poderiam ser facilmente
reconhecidos, e não temos o propósito de divulgar aquilo que possa causar
desolação a alguém. O leitor, como nós, também deve conhecer fatos semelhantes,
e assim concordará que dizemos a expressão da verdade.
Com as características físicas vem
também a resistência orgânica. Há famílias que se tornam conhecidas com
numerosos macróbios, e sempre a contrabalançar um caso afirmativo, vem os
negativos, com famílias cujos componentes, de vida curta, aparecem com casos
esporádicos de longevidade.
Se a hereditariedade fosse devida
exclusivamente a causas materiais, não se notariam tantos casos estranhos.
Entre esses citaremos o da menina Solange, nascida em Belém do Pará faz muitos
anos, primogênita de dois entes que se amavam desde a meninice. Um verdadeiro
romance de amor iniciado na infância e alimentado pela amizade recíproca dos
pais. A gestação correu normalmente, e somente ao nascer houve certa
dificuldade. Depois de um parto laborioso, a criança manifestou sinais
evidentes de macroencefalia. A cabeça enorme para um corpinho débil de
recém-nascido, dava-lhe um aspecto monstruoso. Não necessitamos descrever a sua
fisionomia, porque o leitor bem pode avaliar: uma cabeça muito grande, maior do
que duas vezes a de um homem normal. Os pais gozavam excelente saúde, não
tinham doenças nem taras, tanto assim que depois deram ao mundo mais quatro
rebentos lindos, mimosos, perfeitos e inteligentes.
Como era natural, recorreram a tudo,
em busca de cura. Bateram ás portas das searas espíritas ea explicação foi
imediata. Prova para os pais. Revolta do espírito que se ía reencarnar. Ele não
queria renascer naquele meio. Ofuscado pela lei dos renascimentos, só na hora
de ver a luz, teve um lampejo de consciência, e num arranco final desejou matar
o corpo, mas não pode.
O Espírito-Guia disse que assim
viveria até aos sete anos, quando voltaria ao espaço. E assim foi. Quando
completou sete anos, esse espírito em expiação deixou o mundo para sossego dos
seus pais. Como justificar casos semelhantes?
Ninguém poderia de boa-fé negar que
a Biologia explica também, de forma cabal, a formação das raças através dos séculos, durante os
quais a natureza vai agindo de forma sutil e admirável, sem submeter-se aos
caprichos do homem, e tanto assim, que apesar dos chineses, no decurso de
muitos séculos deformarem os pés das mulheres para torna-los pequenos, eles
continuaram a nascer de mesmo tamanho; e apesar dos judeus circuncidarem os
homens, desde mais de seis mil anos, eles continuam a nascer perfeitos, à
exceção de casos anormais e esporádicos, como o citado da judia que se casou
com o católico.
Entretanto, não poderia explicar a razão de
aparecerem elementos estranhos que lembram as características de outras raças,
e recorrem então a supostas impressões fortes das gestantes, sem que isso possa
confirmar todos os casos, como já vimos no capítulo “Prelúdios da
Reencarnação”.
Os sábios que mais tem estudados o
assunto observaram, em muitos países, as raças de tipo já consolidado pela
natureza, no decurso de milhares de séculos, e por isso deveriam ficar
perplexos diante do que se passa em nosso Brasil, no qual, três raças
diferentes em todos os sentidos, ainda não se tinha firmado o verdadeiro tipo
brasileiro.
Julguemos estar em erro aquele que
diz não haver uma só família nacional isenta de mestiçagem. Há e muitas, porém,
vez por outra, um tipo diferente aparece, como para confundir a soberba das
mesmas e satisfação dos maldizentes e, nesses casos, a ciência oficial não dá
explicações satisfatórias como o Espiritismo.
A Doutrina Espírita explica
cabalmente a herança física.
As raças se constituem sob a
influência climatérica e pela frequência durante muitos séculos de
reencarnações dos mesmos espíritos que, pouco a pouco, adquirindo semelhanças
de forma, vão estilizando o tipo. No
prolongado período dessa elaboração, conforme o clima, alimentação, modo de
vida e missão a desempenhar na Terra – pois cada povo tem a sua – os homens
desenvolvem-se, grandes ou pequenos, e por esse motivo vemos povos pequenos e
pigmeus. Os tipos diferentes aparecem esporadicamente, depois da raça estar
determinada por seus característicos essenciais, são elementos de outras raças
que nasceram naquele meio por castigo ou missão. Os seus perispíritos diferentes contribuem
para que os característicos das duas raças se confundam num mesmo ser.
No
Brasil, a imigração não se faz somente no mundo material, através de convênios
internacionais, há também a do mundo espiritual que vem por determinação
divina, sem que haja limitações ou obstáculos impostos pela conveniência
puramente humana. A Pátria Espiritual é uma só.
É esta a causa racional de
aparecerem casos como o de nossa filha Lucy-Elisabeth, que disse uma palavra
inglesa sem nunca ter ouvido, e o seu tipo lembra mais uma estrangeira, muito
embora os traços fisionômicos revelem, segundo dizem, muita semelhança conosco.
Em certas famílias, é interessante vermos crianças que, ao aprenderem a falar,
misturam tanto as palavras que levam os pais a dizer: este menino parece
“turco” ou “espanhol”.
As famílias portadoras de tara
sifilítica, de ébrios e de criminosos, estão sujeitas a aproximação de
espíritos afins pelos sentimenos ou estados mórbidos, e por essa razão vão se
reproduzindo, reencarnando, até extinguirem pelo resgate dos males que
proporcionaram a outrem.
A semelhança com os antepassados é,
segundo o Espiritismo, a reencarnação dos mesmos membros da família, que
necessitam pagar as dívidas contraídas nesse meio, e, desse modo, não é difícil
reconhecer no neto o “retrato” perfeito do avô, pois é a sua própria
reencarnação. É preciso notar que nem sempre tal acontece: é uma hipótese. Não
queiramos ver em cada descendente um membro antepassado, pois disso poderá
resultar algum mal, com teremos oportunidade de ver mais adiante.
Esclarecem-se assim, os ensinamentos
contidos nas tábuas da Lei Mosaica – de que Deus exerceria a sua Justiça até à
terceira e quarta gerações. Ora, se Deus é Infinitamente Justo e Misericordioso,
não seria razoável levar “a sua ira implacável até a terceira e quarta
gerações” desde que a justiça Humana, falível, não condena o pai pelo crime do
filho, nem este pelas faltas daquele.
É pois necessário harmonizar a
Biologia com o Espiritismo, para podermos resolver todos os problemas da
hereditariedade, sobre o aspecto físico, pois os outros escapam da sua alçada,
isto é, da alçada da Biologia.
Se a hereditariedade física escapa à
teoria materialista, como acabamos de demonstrar, é evidente que não tem
argumento para explicar plenamente as índoles
intelectuais.
Se em muitos casos aparecem famílias
que se revelam notáveis pelo amor à ciência e às belas letras e à arte, é
incontestável encontrarmos outras cujos descendentes não demonstram as mesmas
aptidões e até envergonham os seus antepassados pela sua estupidez. São
numerosos os casos de cientistas célebres que tiveram descendência medíocre,
incapaz de qualquer fulgor.
Além dos exemplos admiráveis,
quantos mais poderíamos apresentar para comprovar a falência da teoria
materialista.
A explicação espírita não é absurda
nem destituída de lógica. As famílias de sábios são constituídas por almas que
formaram núcleos de estudiosos trabalhadores e vêm à Terra no mesmo meio,
continuarem tarefas iniciadas anos antes, pois é aí que vão encontrar os
materiais e recursos já acumulados por eles para ajudar o progresso da
humanidade. Eles unem-se como amigos, como membros da mesma família, sendo de
salientar o caso simplesmente notável do casal Curie.
O caso de ser u só sábio no seio de
uma família de broncos, é uma manifestação da Bondade Divina para provar que
ela não abandona nenhum dos seus filhos, e também porque só aí o espírito
encontraria margem para um estudo aprofundado, emancipado do preconceito da sua
época. E tanto isso é verdade que o mundo tem dado os seus mais largos passos
no caminho do progresso, pelo esforço de estudiosos que não cursaram academias,
por isso sofreram combates tremendos dos pretensos portadores da sabedoria
coeva. E até mesmo os acadêmicos
humildes e libertos de soberba, amigos da Verdade como Ambroise Paré, o pai da
cirurgia moderna, sentiram sobre si toda sorte de hostilidade dos seus próprios
companheiros de profissão. Disse bem Alex Carrel que as melhores coisas não vêm
ao mundo por intermédio de congressos nem de coortes de sábios, mas de homens
práticos que penetram no desconhecido com vontade de conhecer a verdade,
abandonando princípios encastelados pela rotina.
A lei da física “os semelhantes se atraem e os contrários se
repelem”, tem considerável aplicação nas irradiações espirituais. Os
estudiosos sinceros que buscam a Verdade atraem os sábios do espaço, e eles vem
por influência divina ou oculta revelar aquilo que é necessário para o bem da
humanidade da época. O acaso, que tanto tem ajudado os inventores e cientistas
nas suas descobertas, não passa de auxílio invisível e providencial. O acaso
verdadeiramente não existe. É apenas uma palavra para explicar um fato
estranho. Tudo tem a sua razão de ser. Um encontro de aparência fortuita é
sempre favorecido por causas desconhecidas no momento, mas verdadeiras e
necessárias.
A revelação dessa assistência
espiritual pode levar algumas pessoas menos esclarecidas na Doutrina a julgarem
que o Espiritismo desse modo atribui tudo aos espíritos e podem desse modo
induzir os homens a confiar e esperar apenas pelo seu amparo. Enganam-se porém
nesse ponto. Os espíritos auxiliam de boa vontade os amigos do progresso e do
bem da humanidade, os estudiosos aplicados, os trabalhadores incansáveis e
merecedores, mas negam-se a qualquer cooperação com os vaidosos e soberbos que
ficam abandonados à sua
própria sorte. Além disso, a sua influência de modo sutil, sem ferir o livre
arbítrio de cada um, pois, de outro modo não haveria mérito para o homem da
Terra sob o jugo da carne. Todos nós temos que adquirir o conhecimento à nossa
própria custa. Não foi sem uma evidente influência do alto que Augusto Comte
enunciou a sentença tão repetida pelos adeptos do Positivismo: “Os vivos são sempre e cada vez mais
governados pelos mortos”.
Por um professor numa Academia dedicar-se
aos mais aplicados alunos e estender a sua proteção até a iniciação dos mesmos
na vida prática não quer dizer que os protegidos deixem de se orientar por si
mesmos, fazendo observações próprias em benefício da sua profissão.
Os inventores trazem já, do berço,
adormecidos no subconsciente, como dizem os doutos,
no imo da alma, como dizemos nós,
todos os elementos precisos para despertarem no momento propício. Nascem em
meio apropriado para poderem fazer as suas revelações e estudos libertos de
todos os preconceitos científicos. Aqueles que encontram dificuldades
extraordinárias para alcançarem o seu objetivo como o célebre Bernard de Palissy,
o descobridor do esmalte, que chegou a ser tomado por louco por toda a família;
Pasteur, que sofreu tremenda oposição dos médicos; Cristovão Colombo, que foi
escarnecido, é porque elas faziam parte dos passados de erros. É bem possível
que em existências anteriores eles tivessem tido todas as facilidades para
beneficiarem a humanidade e esbanjaram prodigamente o tempo e os recursos que
receberam para esse fim. O mesmo não se dá com os que tomam a sério a sua
missão.
O exemplo de Santos Dumont é típico. Verdadeiro
gênio da aeronáutica – estrela de primeira grandeza – no firmamento da Pátria
Brasileira. Por todos os lados encontrava todas as facilidades para a
realização dos projetos de sua fecunda imaginação inventiva. Ele não sofreu
nenhum acidente que de forma sensível prejudicasse a sua tarefa abençoada. Cert
vez, tendo o seu dirigível arrebentado, os destroços projetaram-se
violentamente no teto de um hotel. Houve um sussurro de pavor e tristeza, e
talvez lágrimas de comoção tivessem humedecido os olhos das pessoas sensíveis,
quando a sua simpática e inconfundível fisionomia surgiu à beira da platibanda
para orientar os bombeiros na remoção dos despojos da sua máquina. Que foi isso
senão o providencial e admirável auxílio dos seus mentores invisíveis? Ele só
tinha em vista o bem da humanidade. O seu prêmio, no valor de 100.000 francos,
conquistado quando volteou a Torre Eiffel, foi todo distribuído pelos seus
auxiliares e obras pias, não guardando nada para si.
E quando ele viu a sua ambicionada
invenção transformar-se em realidade e servir não só para o bem da Humanidade
mas também para espalhar a destruição, o pavor, a miséria, a sua alma
retraiu-se em profunda mágoa e ficou abalada para o resto da existência, e sabe
Deus, quantas lágrimas os seus olhos não derramaram de arrependimento. Mas... tinha de ser
assim. Deus julga da intenção. Das coisas mais nobres o homem mau serve-se para
exercer a sua crueldade. Pior que isso foram as fogueiras acesas para queimar
hereges, “ímpios”, sob a alegação sacrílega de que “era para a maior glória de
Deus”, muito embora Jesus, o manso Pastor, tivesse advertido severamente seus
discípulos, quando a caminho de Samaria sugeriram-Lhe que fizesse cair fogo do
céu para destruir aqueles que lhes haviam negado pousada por uma noite.
Pior, ainda, foram as guerras de
extermínio, as cruzadas sob os gritos de “Deus o quer” proferidos pelos
fanáticos, quando o meigo Nazareno deu mostras de que os filhos de Samaria – os
protestantes daquela época, - eram dignos de respeito e acatamento,
propondo-lhes a parábola conhecida como a do Bom Samaritano.
A ciência materialista, não
explicando a hereditariedade intelectual a contento, não pode também dar-nos
nada de satisfatório a respeito das tendências profissionais.
Pelos exemplos apresentados páginas atrás,
é fácil de reconhecer que muitas famílias se tornaram conhecidas pelas suas
aptidões extraordinárias para determinadas profissões e atividades, porém, isso
não se prolongou por muitas gerações sucessivas, e se assim fosse, haveria famílias
com privilégios para medicina, direito, engenharia, comércio, navegação e
outras, e o progresso se faria com extrema dificuldade, porque teríamos o
orgulho da tradição que, com o preconceito e a rotina, são entraves da
evolução.
Assim como na Terra há agrupamentos
de intelectuais e cientistas para defesa da classe e benefício das suas
atividades, no espaço formam-se famílias afins pelos sentimentos e cultura.
Os magnatas de coração aberto a
todas as situações deploráveis de seus operários podem muito bem ser
encarnações de usurários que acumularam riquezas e não praticaram o bem. O seu
espírito atilado para o comércio, depois de passar por expiações, provações
necessárias para retemperar o seu íntimo, voltou ao mesmo meio para reparar o
mal àqueles que prejudicou.
Ainda nos casos das tendências
profissionais, como em todos os outros, a lei da afinidade se manifesta. Os
semelhantes se atraem, e por isso, vemos famílias de pescadores, de médicos, de
professores, navegadores e outros.
Quando o espírito adquiriu numa
classe de trabalhadores a disciplina e a aprendizagem suficiente, vai fazer a
sua evolução noutro meio para passar assim por todas as categorias
profissionais sujeitando-se assim à maravilhosa lei do progresso que nos conduz
à sabedoria à nossa própria custa. É assim que se explica que um médico revele
pelas ideias inatas conhecimentos notáveis de pesca ou de certa indústria, que
m comerciário tenha jeito e prazer em suavizar dores alheias, ensinando
remédios, fazendo curativos, ando injeções com habilidade admirável sem nunca
ter cursado uma academia ou uma simples escola de enfermagem.
Por esses fatos que a Lei da
Reencarnação nos explica, seria justo e humano que houvesse mais solidariedade
entre as classes, e se investigasse melhor a tendência de cada homem para
conduzi-lo ao seu verdadeiro lugar.
Quanto é admirável vermos a lei da
reencarnação resolver essas questões de modo fácil e intuitivo, e quanto é
triste e doloroso vermos o combate tremendo que sofre quando a sua divulgação
seria, a nosso ver, o único meio racional e lógico de fazer a humanidade
despertar do letargo em que se deixou ficar, na loucura incontida de acumular
riquezas que a traça rói e o ladrão rouba, em vez de formar um patrimônio de
bens que dão lugar destacado no reino de Deus e nos reserva sempre a
oportunidade de vidas futuras mais afortunadas de saúde e bem estar.
Se a tendência profissional se
transmitisse e se formassem no mundo, as castas de cada especialidade, haveria
sempre grandes dificuldades para os filhos do povo vencerem na vida. Não
teríamos oportunidade de ver homens humildes como Nilo Peçanha, Abrahão
Lincoln, tipógrafo e lenhador, chegarem ao mais elevado posto de administração
de seus países. Não teríamos a figura inconfundível de Benjamin Franklin
projetando a sua influência através de gerações e gerações.
Chegando à justificativa da
hereditariedade dos predicados morais, que vemos? A impossibilidade mais
frisante ainda de firmar-se uma teoria cabal para todos os casos. Recorre-se
então a um recurso extremo. Para haver a hereditariedade de predicados morais é preciso o concurso
da educação! E, como prova apresentam-se famílias como as citadas por Samuel
Smiles e o leitor naturalmente apresentará também as suas, nas quais todos os
membros, de longa data, de muitas gerações sucessivas se tornaram protótipos de
honradez, de honestidade, em uma só palavra – de probidade.
Nessas famílias não há discrepância todos
são elementos de primeira ordem. Pedras preciosas sem jaça... Nenhum será capaz
de manchar a reputação da família, cuja fidalguia social é ofuscada pela
nobreza espiritual.
O Espiritismo com a Lei da
Reencarnação vem esclarecer a sua formação. São espíritos que resolveram
progredir em conjunto. Formaram famílias homogêneas pela virtude e saber.
Reencarnaram todos no mesmo meio, constituindo uns uma família outros um ramo
diverso, diferentes portanto sob o aspecto material, mas espiritualmente
idênticas, a fim de aproximaram-se pelos laços do casamento, sem os perigos da
degenerescência pela consanguinidade. E assim, vão estilizando seus caracteres
impolutos, numa abençoada ânsia de progresso, a fim de conseguirem rapidamente
ingresso em mundos superiores. De quando em vez, um deles atinge o apogeu e
emigra, cedendo lugar a um outro estranho, porém, suficientemente evoluído para
não causar contraste, honrando as tradições. E assim vai sempre, a não ser que
algum membro, empolgado pelo incenso da bajulação dos medíocres alheios ao
meio, se deixe vencer pela soberba e pela vaidade. Julga-se superior e pouco a
pouco envenena os outros companheiros de jornada. A probidade humilde torna-se
jactanciosa. A virtude cede lugar ao orgulho e, daí em diante, se faz sentir
imediatamente a lei de atração e repulsão das vibrações do em e do mal.
Reencarnam-se então os maus
elementos que fazem desmoronar o solar das tradições seculares. A conduta
escandalosa dos moços e das donzelas começa a envergonhar os velhos ciosos dos
seus brasões de virtude, e vão esses infelizes de queda em queda arrastando a
reputação tradicional da família.
São os casos dolorosos que Samuel
Smiles conta das famílias nobres e de sentimentos elevados, cujos últimos
membros findaram-se na rua e no cárcere de maneira infame.
A educação não tira do espírito aquilo que
ele trás das sus últimas existências, modifica e auxilia a sua regeneração. Ela
não tem a virtude de transformar de um momento para outro, isto é, numa só
existência, um obstinado no mal, num homem de bem, nem tem o privilégio de
favorecer a sabedoria a um indivíduo retardado mental. É um meio de progresso
quando bem ministrado.
Napoleão e Nelson com seus irmãos
confirmam esta tese.
E tu, leitor, quantos casos conheces
de famílias numerosas em que um elemento elevou-se aos píncaros da glória e os
outros rastejaram pela lama, apesar de terem tido a mesma educação, o mesmo
lar, o mesmo pai, a mesma mãe, e quiçá os mesmos mestres?
Como justificar esses casos senão
pela reencarnação, essa admirável criação Divina, que nos faz extasiar ante a
sua sabedoria.
Não podemos herdar os predicados
morais. Eles vêm conosco. É o nosso verdadeiro e intransmissível patrimônio,
para a conquista do qual as lágrimas, as dores, as feridas de muitas
reencarnações, são os seus preciosos alicerces. Eles são o resultado da nossa
experiência, na luta contínua pela nossa emancipação da ignorância. Eles são o
produto de laboriosos anos de formação até que uma auréola de luz cerque a
nossa cabeça como a celebrizada coroa de louros que adornava a cabeça dos
conquistadores romanos, da História antiga. E que é a alma aureolada senão a
conquistadora do Bem, da Sabedoria e da Virtude?
Atingimos a quinta proposição – os
atributos do gênio. Que é gênio? É a manifestação de um talento invulgar. É a
revelação da Virtude e do Saber em sua plenitude terrena num só homem.
E como nascem os gênios? De pais
desconhecidos, ignorados, na maior parte das vezes, antes e depois desse homem extraordinário
ter iluminado a humanidade com o esplendor da sua personalidade. São eles, como
disse o Marechal Junot, “os antepassados e descendentes deles mesmos”.
Constituem a sua própria geração. Iluminam o seu meio, a sua família, a sua
raça, o mundo inteiro, e depois, ao partirem deixam os seus reflexos a
resplandecer sobre os cérebros e corações dos seus pósteros.
Se os característicos físicos, as
índoles intelectuais, as tendências profissionais, os predicados morais não se
transmitem em todos os sentidos, muito menos os atributos do gênio.
O maior gênio da humanidade foi
Jesus. Nasceu numa manjedoura. Felizmente, e nem poderia de ser assim, seus
pais passaram também à História como símbolos da perfeição, especialmente a sua
mãe - Maria – cujo culto tem os seus adeptos entre os homens mais respeitáveis,
mas... não investiguemos além. As
contradições genealógicas de Jesus, segundo Mateus e Lucas e o silêncio a
respeito, de Marcos e João, são barreiras a impor-nos um termo nessa pesquisa.
Fiquemos neles só. Jesus foi o maior de todos.
Os gênios baixam a este mundo
segundo determinações divinas. Houve gênios da Filosofia, da Ciência, da Arte e
da Religião.
Uns cuidaram do cérebro, outros
falaram ao coração. Uns esclareceram o entendimento d humanidade para a ciência
e o Belo, outros revelaram o verdadeiro Amor.
O Espiritismo também em o seu gênio
em Léon Hipolite Dénisard Rivail – para o mundo: Allan Kardec.
Ele não foi o inventor da Doutrina
Espírita, mas o seu codificador. Ao seu iluminado espírito, cultivado no Bem e
na Ciência em várias encarnações sucessivas, devemos esse admirável corpo de
Doutrina que serve de base para a emancipação da humanidade, dos erros
acumulados durante séculos.
Nele não sabemos o que mais admirar, se a
sua cultura científica, se a sua bondade, espírito de método, organização e bom
senso, e ainda pela fortaleza de caráter. Ele sofreu dos seus próprios amigos
traições amargas e soube por se sempre acima das estultas pretensões humanas e,
por isso, a sua personalidade avulta, com o decorrer dos anos, agigantando-se
perante a humanidade que há de render-lhe o cult que merece pelo grande bem que
lhe trouxe, fazendo-lhe compreender o verdadeiro cristianismo de Jesus, na sua
expressão singela, sem a poeira dos séculos, nem o manto de interesse
mesquinho, nem os dogmas das convenções políticas para glória de uma casta
sacerdotal.
A ele devemos a divulgação dos
melhores ensinos de Jesus, a interpretação lógica daqueles que eram
incompreendidos, porque ele quem descobriu nos ridicularizados fenômenos
espíritas, a base fundamental de todo o edifício da Doutrina.
Rui Barbosa também foi u gênio. A sua
memória excepcional, os conhecimentos linguísticos, científicos, filosóficos, a
sua eloquência magistral, os profundo e inexcedíveis recursos do seu talento
não podem deixar de ser atributos dum gênio. Tudo isso nem se herda nem se
transmite. É um patrimônio riquíssimo que somente em situações privilegiadas
certas criaturas podem revelar ao mundo, não para exaltar a sua vaidade, mas
para o Bem da Humanidade. Uma das coisas mais notáveis na vida dos gênios é a
hostilidade dos medíocres e dos invejosos. Nenhum deles escapa incólume a essa
infâmia.
É preciso conhecer-se a vida íntima
de Rui Barbosa para te os pormenores da luta terrível que suportou para vencer
a calúnia e a injúria ardilosamente urdidos pelo espírito ultramontano, por
causa da sua independência de ideias e de caráter. Em torno dos grandes homens não se criam
somente as lendas da sua sabedoria e probidade, os medíocres que não suportam
os raios de sol pelo mal que fazem à sua miopia, inventam tudo que a sua
maldade pode engendrar para atirar sobre a sua personalidade. Todavia, por um
desses mistérios indecifráveis, esses produtos da infâmia só servem para
realçar ainda mais a glória do gênio, assim como a podridão do subsolo serve
para fertilizar a terra e alimentar a seiva das majestosas árvores que dominam
a floresta afrontando as tempestades e abrigando com a sua sombra os arbustos
que a cercam.
Pedro de Alcântara, o Imperador Filosófico,
se não é tido por todo como m gênio por ter sido incompreendido, pelo menos
para os espíritas, ele é uma estrela de primeira grandeza que continua a
projetar a sua luz benéfica sobre esta Pátria que lhe foi e é ainda tão cara.
Sú duvida de tal fato, quem ainda não teve a feliz oportunidade de assistir uma
das suas excepcionais manifestações, como nós já tivemos nas saudosas reuniões
do homogêneo Grupo dos Filhos Pródigos, em Belém do Pará. Que seria de nossa
Pátria se ele em vez de aceitar submisso a ordem de embarque oferecesse
resistência? Ele sacrificou o trono para que o sangue brasileiro não fosse
derramado numa luta fratricida. E qual o Soberano que teve antes uma atitude
tão magnânima? Não será isso revelação de um atributo de elevado grau
espiritual?
Diante de tudo que vimos de expor,
valerá a pena conduzir o leitor aos compêndios de Biologia para apresentar-lhe
todas as teorias apresentadas sobre a hereditariedade? Haverá alguma que
explique por exemplo, porque um filho tem uma extraordinária semelhança física
com o pai e é um contraste notável pelo caráter? e um outro que não herdou nada
do físico e tem uma identidade de sentimentos e tendências profissionais fora
do comum? Não está perfeitamente esclarecido que só a Lei dos Renascimentos
sucessivos pode explica de modo aceitável?
Um mistério para a ciência
materialista ainda envolve o desenvolvimento do feto. Nem tudo está claramente
compreendido.
“Antes de tudo, é bom lembrar que
apesar do feto estar incluído no organismo materno, não tem com ele nenhuma
ligação anatômica. Nenhum músculo, nenhum nervo prende um ao outro. O embrião,
envolto na placenta, está depositado no útero, mas sem a menor prisão. Do
organismo materno para o do filho não há mais d que contiguidade e aderência,
nenhuma continuidade. O líquido nutritivo coa-se por exosmose através da
placenta. O sangue do feto é diverso do da mãe; tem glóbulos seus especiais.
Assim, nenhum dos meios naturais, por que a sensação se transmite ao longo de
um nervo, pode ser aqui invocado.”
“´Por isso, os casos autênticos de
realização de ideias maternas no embrião são extraordinárias e dão bem a
transição entre os casos de auto sugestão e os de sugestão mental.”
São palavras de Charles Feré em seu livro ‘Sensação
e Movimento’, que parecem bem apropriados para a tese que apresentamos da
influência do períspirito da alma que volta à Terra, sobre a sua futura mãe.
Porque a sífilis perdura
indiscutivelmente até a terceira e quarta gerações e a lepra não, que é uma
moléstia infecciosa também e tão temida pelo seu aspecto repelente? Segundo a
experiência já de longos anos, os filhos de leprosos não trazem a enfermidade
nem são propensos para adoecerem do mesmo mal, desde que sejam retirados ao
nascer, não se deixando mesmo que a mãe os toquem de leve. Como esclarecer
todos esses fatos sem aceitar a teoria espírita? Não temos a pretensão de haver
esgotado o assunto neste capítulo, mas apresentamos todas as hipóteses que nos
ocorreram sob a inspiração dos nossos guias, pois não deixamos de reconhecer
que nada faríamos sem a sua valiosa assistência.
Muitas vezes recorremos a fatos
ocorridos em nosso lar e isso pode causar estranheza, mas é fácil de explicar.
Eles representam o produto de observações próprias, meticulosas, cuidadosas,
sob o ponto de vista doutrinário e por isso damos-lhes grande valor, além
disso, expressam a sinceridade com que escrevemos, pois desejamos levar ao
leitor a convicção inabalável que temos na vida de além túmulo, na Lei da
Reencarnação, no destino do homem, e Amor, que devemos ter nos nossos
semelhantes. No dia em que os conhecimentos do Espiritismo estiverem não
somente amplamente divulgados, mas praticados com alma e coração, teremos
fatalmente um mundo melhor, e todo os homens desejam isso, mesmo aqueles que
ainda estão nos primeiros degraus da evolução espiritual. A hereditariedade racial, atestada de
modo indiscutível quanto aos animais, através de numerosas e judiciosas
observações, fracassa no que diz respeito ao homem.
Tomando-se por exemplo um casal de
mulatos, descendente em primeiro grau de um elemento puro da raça branca e
outro negro nas mesmas condições. Segundo a Biologia, devem produzir filhos que
herdem 50% dos característicos de ambos e 25% de cada uma das raças.
Entretanto, nem sempre isso se verifica, pois, nuns casais predominam mais
descendentes claros, noutros os morenos, e até brancos puros ou negros puros,
sem que se possa cientificamente determinar como nem quando tal deve acontecer.
Sem negar por impossível, podemos dizer que
falha também em muitos casos, quando consideramos sob o ponto de vista
material, apenas, a herança das moléstias ou predisposição para as mesmas,
porquanto, nem todo os filhos apresentam as moléstias dos pais.
Há casos de pais reconhecidamente
sifilíticos terem filhos perfeitos, sem o menor sintoma, pelo menos aparente da
moléstia, e esta apresentar-se nos netos. Poderá a Biologia assegura quando,
porque e como isso se opera?
Eis portanto, reafirmamos, motivos
de ordem racional para estudarmos a hereditariedade sob novos prismas,
harmonizando os ensinos da Biologia com os do Espiritismo.