sexta-feira, 9 de julho de 2021

"A Reencarnação" - Capítulo 1 - "O Homem"

 

    "A Reencarnação

- estudo sobre as vidas sucessivas."

Capítulo I – O Homem

 por Aurélio A. Valente 

Editora: Moderna - Ano: 1946

Biblioteca Espírita Brasileira

 

           Apesar dos toneis de tinta e anos de elucubrações dos estudiosos de todas as categorias, o homem é ainda uma incógnita. Defendendo maquinalmente esta tese, Alex Carrel, eminente médico francês, escreveu um volumoso livro que intitulou “O Homem, esse Desconhecido”, e, se esse cientista que alia à sua erudição um profundo senso de observação, assim considera o “Rei da Criação”, não seremos nós, que não passamos por academias, que iríamos terá estulta pretensão de resolver tão magno problema.

           Médicos, naturalistas, pedagogos, filósofos, teólogos, todos, enfim, estudam o homem; todavia, quando uma regra parece firmar-se em lei, eis que o orgulho humano abate-se ante o aparecimento de fenômenos novos, que destroem o castelo que estava sendo edificado. Assim, sistemas sucedem a sistemas, teorias a teorias, deduções a deduções, e pode-se dizer que, apesar de todo o progresso material, e porque não dizer também – moral – o homem é menos conhecido que os irracionais e ainda menos que os vegetais. Uma planta não tem vontade. Onde nasce, aí a vemos crescer e assim podemos acompanhar seu desenvolvimento dia a dia, hora a hora; quando passamos a um animal, as dificuldades crescem, especialmente se o segregamos do seu habitat. As condições mudam de tal forma que por vezes nem a alimentação é fácil proporcionar-lhe e a procriação dificilmente é conseguida.

           Quando chegamos ao homem, então, se nos depara um mundo de dificuldades. Os sábios de maior boa vontade, estudiosos, esforçados, agrilhoados a tradições científicas ou por completo emancipados de “todo respeito humano”, apresentam apenas hipóteses.                                            

           Todos esses insuperáveis obstáculos são filhos do exclusivismo de vistas, ada um quer estuda-lo somente de acordo coma sua especialidade. Diz um: o homem é o produto do meio, outro, que ele é um predestinado, nasce bom ou mau conforme a vontade de Deus; outro ainda: é uma questão de raça ou de clima; porém, o que é indiscutível é que tudo isso não passa de conjecturas.

           Carlos Marx, um dos patronos do socialismo materialista, chegou ao ponto de reduzir o homem à simples condição de máquina de produção, o que ele chamou “homo economicus”.

           O estudo do homem abrange elementos diversos e heterogêneos não se podendo deixar um só de lado, porque todos eles importam como necessária. Pátria, clima, zona marítima, sertão, meio ambiente, família, antepassados, alimentação, religião, modo de vida, profissão, ideal, paixão, inclinações artísticas, atividade econômica, moralidade, tudo isso são fatores indispensáveis de análise para conhecimento dos homens.

           Os estudiosos interessados, em grande maioria, consideram apenas dois ou três desses elementos para as suas observações.

           Tomando por exemplo o nosso país, o nosso amado Brasil, com quanta tristeza ouvimos dizerem com ironia, desdém e admiração; é nortista, generalizando assim todos os filhos do Espírito Santo ao Acre, sem ao menos lançar os olhos sobre o mapa para ver a vasta extensão territorial e observa a instrução, educação, modo de falar, pois só isso levaria a notar que, de um Estado para outro, é manifesta a diferença. O falar de um baiano nunca se confundirá com o do nordestino, nem o deste com o de um filho da Amazônia. Logo vi, é moreno, é nortista. Tem cabeça chata, é nortista, como se no sul e no centro não houvesse tão numeroso “contingente de “morenos” e muita cabeça chata e até quadrada.

           O brasileiro ainda não constituiu um tipo e muitos séculos serão necessários para isso, se tal acontecer, porque além de certos fatores como os raciais, temos a diversidade de clima influindo poderosamente na formação dos corpos, quer pela temperatura, quer especialmente pela alimentação, pois, os mesmos produtos não tem a mesma composição de uma terra para outra. A batata doce, a abóbora (jerimum no norte), o mamão, são muito mais doces no norte que no sul.

           Infelizmente, se um sábio se engana, o erro cria raízes e perdura por longo tempo como verdade, porque os seus discípulos, pela lei do menor esforço, não meditam nem investigam. Foi o “mestre” que disse, é quanto basta. Assim tem sido sempre.

           Antônio (Anton) Mesmer apresentou ao mundo o magnetismo animal, e foi de tal modo perseguido que se viu obrigado a deixar a sua terra natal. Em Paris, onde fixou residência. A Academia Francesa proibiu que os seus membros tratassem dessa “impostura”.

           Muito tempo depois, Charles Richet, com a coragem moral peculiar a todo cientista amigo da verdade, ocupou-se do magnetismo. Isso entusiasmou o conhecido neurologista francês Jean Charcot a interessar-se pelo mesmo assunto, adotando um novo nome: Hipnotismo, dado por Braid, médico inglês. As suas conferências despertaram atenção, deram-lhe nome e prosélitos. De acordo com as suas conclusões, só os histéricos eram hipnotizáveis. A sua fama chegou até nós e ainda hoje muita gente o cita como um “mestre” em hipnotismo. Entretanto, ele não pode merecer esse título, pois seu discípulo Pierre Janet disse que ele apenas observou 12 (doze) casos e com sujets que já haviam sido hipnotizados antes por outros, não tendo um só caso puramente pessoal. Ele nunca fez experiências com pessoas são ou portadoras de outras doenças que não a histeria. O que acabamos de citar em relação ao magnetismo, tem acontecido com todas as invenções e ideias novas.

           Indiscutivelmente a ciências tem progredido muito. A vastidão a observar levou os doutos a dividirem e subdividirem todas as coisas em partes, seccionando-as para estuda-las em separado. Com isso, a ciência muito aproveitou, todavia, no que diz respeito ao homem, o problema tornou-se por demais complicado.

           Passemos a palavra ao grande cientista Alex Carrel:

           “O Homem não é divisível. Se se isolassem os seus órgãos uns dos outros, deixaria de existir. Embora indivisível apresenta aspectos diversos. Esses aspectos são a materialização heterogênea, aos nossos órgãos dos sentidos, da sua unidade. Podíamos compará-lo a uma lâmpada elétrica que apresenta aspectos diversos, a um termômetro, a um voltímetro e a uma chapa fotográfica. Não podemos apreende-lo diretamente na sua simplicidade. Fazemo-lo por intermédio dos nossos sentidos e dos nossos aparelhos científicos. Segundo os nossos meios de investigação, a sua investigação, a sua atividade, aparece-nos como física, química, fisiológica ou psicológica. Devido precisamente à sua riqueza, necessita duma análise feita por meio de técnicas variadas. Ao mostrar-se nos por intermédio dessas técnicas, toma naturalmente o aspecto de multiplicidade.

           A ciência do homem serve-se de todas as outras ciências. É uma das razões da sua dificuldade. Para estudar, por exemplo, a influência dum fator psicológico sobre um indivíduo sensível, é preciso empregar os processos da medicina, da fisiologia, da física e da química. Suponhamos, com efeito, que uma má notícia seja anunciada ao indivíduo com o qual se está fazendo experiências. Este acontecimento psicológico pode traduzir-se, simultaneamente, por um sentimento moral, por perturbações nervosas, por desordens da circulação sanguínea, por modificações físico-químicas do sangue etc.  No homem, a mais simples experiência exige sempre o uso dos métodos e dos conceitos de várias ciências. Se se pretender examinar o efeito dum certo alimento animal ou vegetal, sobre um grupo de indivíduos, é preciso conhecer em primeiro lugar a composição química desse alimento, e em seguida o estado fisiológico e psicológico dos indivíduos sobre os  quais se quer fazer o estudo, assim como os seus caracteres ancestrais. Finalmente, no decorrer da experiência, registram-se modificações do peso, da estatura, da forma do esqueleto, da força muscular, da susceptibilidade às doenças, dos caracteres físicos, químicos e anatômicos do sangue, do equilíbrio nervoso, da inteligência, da coragem, da fecundidade, da longevidade etc.

           É evidente que nenhum sábio, por si só, pode tornar-se senhor das técnicas necessárias ao estudo dum único problema humano. Por isso, o progresso do conhecimento de nós próprios exige especialistas variados. Cada especialista se absorve no estudo duma parte do corpo, ou da consciência, ou das relações com o meio. Será anatomista, fisiologista, químico, psicológico, médico, higienista, educador, padre, sociólogo, economista. E cada especialista se subdivide em partes mais e mais limitados. Há especialistas para a fisiologia das glândulas, para as vitaminas, para a doenças do reto, para as do nariz, para a educação das crianças, para a dos adultos, para a higiene das fábricas, das prisões, para a psicologia de toda a espécie de indivíduos, para a economia doméstica, para a economia rural etc. etc. Foi graças a esta divisão do trabalho que as ciências particulares se desenvolveram. A especialização dos sábios é indispensável. E é impossível a um especialista, ativamente empenhado na realização da sua tarefa, conhecer o conjunto do ser humano. Tal situação tornou-se necessária devido à grande extensão de cada ciência. Mas apresenta um certo perigo. Por exemplo: Calmette, que se tinha especializado na bacteriologia, quis impedir a propagação da tuberculose entre a população da França. Naturalmente, prescreveu o emprego da vacina que tinha inventado. Se em vez de ser um especialista, tivesse um conhecimento mais geral da higiene e da medicina, teria aconselhado medidas relativas, ao mesmo tempo, à habitação, à alimentação, ao gênero de trabalho e dos hábitos das pessoas. Fato análogo produziu-se nos Estados Unidos na organização das escolas primárias. John Dewey, que é filósofo, empreendeu o melhoramento da educação das crianças. Mas os seus métodos aplicavam-se apenas ao esquema da criança concreta.

            Extrema especialização dos médicos ainda é mais nociva. O ser humano doente foi dividido em pequenas regiões. Cada região tem o seu especialista. Quando este se consagra, desde o começo da sua carreira, a uma minúscula parte do corpo, permanece tão ignorante do resto, que não é capaz de conhecer bem essa parte. Produz-se fenômeno análogo com os educadores, com os padres, com os economistas e com os sociólogos, que, antes de se limitarem inteiramente ao seu domínio particular, não se preocuparam com a aquisição, dum conhecimento geral do homem. E quanto mais eminente for o especialista, maior será o perigo.

           Acontece que certos sábios, que se distinguiram de maneira extraordinária por grandes descobertas ou por invenções úteis, chegam a crer que o seu conhecimento dum assunto se estende a todos os outros. Edison, por exemplo, não hesitava em comunicar ao público as suas opiniões sobre filosofia e religião. E o público acolhia com respeito a sua palavra, imaginando que ele tinha, sobre aqueles novos assuntos, a mesma autoridade que sobre os antigos. É assim que grandes homens, ensinando aquilo que ignoram, retardam, num dos seus domínios, o progresso humano para que contribuíram noutro. A impressa cotidiana comunica-nos, com frequência, as elucubrações sociológicas, econômicas e científicas de industriais, de banqueiros, de advogados, de professores, de médicos etc., cujo espírito, por demais especializado, é incapaz de apreender em toda sua amplidão, os grandes problemas da hora presente.

           Os especialistas são necessários, é certo. Sem eles a ciência não pode progredir. Mas a aplicação ao homem dos resultados dos seus esforços exige a síntese prévia dos dados da análise.  

           Tal síntese não se pode obter pela simples reunião dos especialistas em volta duma mesa. Exige o esforço, não dum grupo, mas dum homem. Nunca uma obra de arte foi feita por um “comitê” de artistas nem uma grande descoberta por um grupo de sábios. As sínteses de que temos necessidade para o progresso do conhecimento de nós próprios devem ser elaborados num único cérebro. Atualmente, os dados acumulados pelos especialistas permanecem inutilizáveis, porque ninguém coordena as noções adquiridas, nem considera o ser humano no seu conjunto. Possuímos muitos trabalhadores científicos, mas muito poucos verdadeiros sábios. Esta singular situação não é devida à ausência de indivíduos capazes dum grande esforço intelectual. É certo que as grandes sínteses reclamam um grande poder mental e uma resistência física a toda prova. Os espíritos largos e fortes são mais raros do que os espíritos precisos e limitados. É fácil chegar a ser um bom químico, um bom físico, um bom fisiologista, ou um bom psicólogo. Só os homens excepcionais são capazes de adquirir um conhecimento utilizável de várias ciências, ao mesmo tempo. E, contudo, tais homens existem.”

           Embora demasiadamente longa esta transcrição de uma parte do Capítulo II do livro “O Homem, Esse Desconhecido”, fazia-se necessária pela precisão da argumentação e para que fossem nossas as palavras de crítica aos “doutos”, pois como nosso reservamos apenas os fatos.

           No ramo da medicina que interessa a todos, porque todos queremos viver e queremos que vivam ao nosso lado os que nos são caros, é doloroso confessar que tudo é falho, quando ficamos restritos à especialidade Por vezes, os erros são tão lamentáveis que vacilamos entre a desonestidade ou a incompetência.

           E... pessoa que nos é muito cara, vivia atormentadas diariamente por does de cabeça insuportáveis. A sua situação piorava cada vez mais. Vários médicos foram consultados e só havia um diagnóstico: “sífilis cerebral”, e um só remédio: mercúrio, nas suas variadas aplicações. A doente, conhecendo por outras pessoas os efeitos depressivos do medicamento, negou-se terminantemente a qualquer tratamento. A conselho médico tentamos combater a enfermidade com remédios por via bucal, os quais tinham por base aquele metal. Uma surpresa, porém, estava reservada, a absoluta intolerância do organismo da doente, que ignorava completamente o que estava a tomar. Alguns meses depois, por ocasião de uma visita de caráter meramente social, conversamos com um médico a respeito da doença de E..., e ele que era oculista, ria dos diagnósticos dos colegas e receitou “óculos”. Feito o exame, escolhidos os óculos, desapareceu completamente toda a doença, e até hoje nunca mais voltou a dor de cabeça.

           Há alguns anos, em uma próspera cidade mineira, certa jovem de pouco mais de vinte anos forte, de complexão robusta, adoeceu. Teve febra fortíssima de quarenta graus por mais de três dias. Paludismo? Gripe? Febre amarela? Nada! Ah! Devem ser os dentes. É uma infecção devida exclusivamente aos dentes. Dois dias depois, estava o jovem sem um dente na boca, sem que a febre cedesse. Alguém, não o médico, lembrou um exame de fezes, e verificou-se ser tifo. O pobre rapaz que possuía dentes fortes ficou sem um só. Quem é o responsável por um erro destes? Quem paga os prejuízos?

           Há também fenômenos interessantes. Durante muito tempo estávamos certos que uma moléstia cardíaca nos aproximava da morte. Fomos a alguns consultórios e os médicos nada constatavam. Alguns deram-nos remédios calmantes para os nervos. Desertamos tristes.

           As palpitações desordenadas deixavam-nos apreensivos, até que um dia uma cólica hepática, que nos fez perder os sentidos, revelou a causa de todos os males. O coração, segundo afirmou o médico, sentia apenas reflexo do desiquilíbrio das funções do fígado. O tratamento foi feito mais por observações pessoais que por prescrições do clínico.

            O corpo humano não pode ser dividido para estudar-se apenas uma parte, um membro, um órgão, pois todas as partes têm relações íntimas, que nos escapam, especialmente quando só nos interessamos pela matéria. Quando uma parte adoece, todo o corpo sente. A doença é o desequilíbrio de alguma função orgânica ou das vibrações espirituais. Estas até devem ser levadas mais em conta, pois do desejo do enfermo tira o médico, quando sabe, todo proveito para a cura.

           Para conhecer o homem é necessário levar a nossa investigação a uma época mais recuada e verificar atenciosamente a enorme diferença entre ele e os demais seres do reino animal.

           Os irracionais, desde o seu aparecimento na Terra, segundo os nossos conhecimentos, não fizeram nenhum progresso no modo de viver. Todos continuam com os mesmos hábitos, mesmos costumes. Neles apenas impera o instinto.  A inteligência que se observa em determinados seres, especialmente os que vivem mais próximos ao homem, não se desenvolve, continua de forma rudimentar. A abelha continua a fazer os favos da mesma forma que faziam as suas ancestrais; os passarinhos, conforme a espécie, continuam a construir os ninhos nas mesmas condições por seus avoengos (antepassados). Os cães de raça notáveis pela manifestação rudimentar de inteligência, precisam de ensinamento, revelando uns mais que os outros, propensão para aprender.

           A inteligência dos animais ainda é contestada por numerosas pessoas cultas, mas, segundo pensamos, é porque não procuram estabelecer a verdadeira diferença entre instinto e inteligência. 

           “O instinto é a força oculta que impele os seres organizados a atos espontâneos e involuntários, em prol da sua conservação. Nos atos instintivos não há reflexão, combinação, nem premeditação. É assim que a planta procura o ar, volta-se para a luz, dirige as raízes para a água e para a terra nutritiva; a flor abre-se e fecha-se alternativamente, conforme a necessidade e as plantas trepadeiras enroscam-se ao redor de um tronco ou suspendem-se com suas gavinhas. Pelo instinto, os animais são avisados do que lhes é útil ou nocivo, dirigem-se, conforme as estações, para os climas propícios, e constroem as espécies, ninhos macios e abrigos para a sua progenitura, armadilhas para colherem as presas de que se nutrem; manejam com destreza as armas ofensivas e defensivas, de que são providos; os sexos aproximam-se; a mão agasalha os filhos, e estes procuram o seio materno. No homem, o instinto domina exclusivamente do começar da vida; é pelo instinto que acriança faz os seus primeiros movimentos, apodera-se do seio, grita para exprimir as suas necessidades, imita o som da voz, procura falar e andar. No adulto mesmo, certos atos são instintivos, tais como os movimentos espontâneo, para evitar um perigo, para manter o equilíbrio, tais ainda o pestanejar, para moderar o brilho da luz, a abertura maquinal da boca para respirar   etc.”

          A inteligência revela-se por atos voluntários refletidos, premeditados, combinados, segundo a oportunidade das circunstâncias. É incontestavelmente atributo exclusivo da alma. Todo o ato maquinal é instintivo; o que denota a reflexão, a combinação, uma deliberação, é inteligente; um é livre e outro não. O instinto é um guia seguro, nunca engana; a inteligência, devido mesmo ao fato de ser livre, é às vezes sujeita ao erro.” (A Gênese, Allan Kardec).

          Exemplos simples fazem-nos notar as diferenças. A fome leva pelo instinto da conservação um animal a procurar sua alimentação. Ele a encontra num outro animal tão forte quanto ele e resolve dar-lhe combate; até aí é o instinto que o domina. Conhecendo a superioridade do outro, ele emprega a astúcia ara poder dominar; aqui já é a inteligência que está agindo, porque o instinto não pode agir por astúcia, porque demonstra já premeditação e reflexão.

          Um homem vai andando descuidado, sem a menor preocupação, é levado por instinto, nem se apercebe que vai andando porque o faz naturalmente, entretanto, depois de consultar o seu relógio, nota que está um pouco em atraso no seu percurso e imprime maior velocidade; nessa altura já é a inteligência que está dominando o seu andar. Assim, também, se ele se vê ameaçado, alça um movimento de defesa, é o instinto que o impulsiona, a inteligência age depois, quando ele começa a preocupar-se com o modo de tirar vantagem na luta. Eis, de modo simples, como podemos estabelecer a diferença entre o instinto e a inteligência.

          Mas... deixemos os animais e voltemos ao homem. O homem não é apenas matéria. O homem não se restringe ao corpo visível que a morte transforma numa massa em decomposição, fazendo voltar à natureza todos os elementos que dela recebeu. O homem tem alguma coisa mais além do corpo. Um sentimento íntimo, em todos os homens qualquer que seja a sua evolução, mesmo os mais céticos, o averte da existência de “algo” que sobrevive ao corpo e continua a manifestar a sua liberdade e vontade própria.

          Dizem os materialistas que a alma não passa de uma ficção, e o pensamento de uma secreção do cérebro, mas... se assim é, por que não nos apresentam essa secreção como nos exibem a bílis do fígado, a urina dos rins, o suco gástrico do estômago?

          Os estudos dos fisiologistas mais afamados não estabeleceram a diferença entre o cérebro de um criminoso e o de um moralista, de um louco e um sábio. Quantas autópsias tem revelado coisas surpreendentes aos médicos? Vejamos um exemplo:

          O Dr. Sebastião M. Barroso, eminente médico patrício, em seu livro “O Médico nas Grandezas e Misérias Humanas”, relata o seguinte:

          “Havia um caboclo um tanto aventureiro, avalentado, estroina, de gênio irregular e impulsivo, dado a libações, nunca chegado à embriaguez; era entretanto trabalhador, empregando-se ora aqui, ora ali, em misteres vários, cumprindo regularmente seus deveres. De uma feita, numa venda da estrada, num domingo, veio à baila o suicídio, que uns classificavam de covardia diante de contrariedades removíveis, outros atos de coragem porque atentatório da própria existência. Este emitiu a última opinião e declarou ser ali o único homem de valor. E ia prova-lo. Deitou-se debaixo de uma árvore, sacou de uma garrucha de dois canos e, encostando a quase ao peito, desfechou os dois tiros em direção ao coração.

          Necropsiando esse original, tive a curiosidade de examinar-lhe o encéfalo. Aí deparei fenômeno notável – havia um processo crônico de meninge-encefalite generalizada. As meníngeas, aderentes entre si e as circunvoluções, estas, por sua vez, fundidas umas às outras, formavam uma massa estranha, fundidos todos os tecidos por infiltração abundante. A côdea cerebral parecia um capacete constituído por argamassa homogênea.  Este homem era de fato um anormal, mas não um louco propriamente dito. Por terra todos os nossos conhecimentos sobre funções cerebrais? Haveria no caso, sempre pensei, qualquer explicação que eu, não sendo especialista e não dispondo de exame, não pude apreender?”

          É provável, devemos dizer com o médico, entretanto, anormal também deveria ser o vampiro de Dusseldorf  (Alemanha), executado em 1932, e que revelou o exame do seu cérebro, feito pelos mais eminentes médicos psiquiatras do famoso Instituto do Imperador Guilherme, em Munich? Um cérebro normal sob todos os pontos de vista. Como pois deixar de admitir que o cérebro é o instrumento do espírito?

          A história de todos os povos, desde a mais remota antiguidade, fala de uma vida depois da morte. E se isso não fosse verdade não poderia resistir à influência dos tempos e da civilização. O que acontece é que os nossos sentidos são muito limitados para podermos perceber tudo que se passa em volta de nós.

          Os micróbios eram desconhecidos antes de Leeuwenhoek inventasse o microscópio. Os astros gigantescos de longínquas órbitas eram ignorados antes de ser conhecido o telescópio. Ninguém poderia imaginar, até há pouco tempo, que nas profundezas dos oceanos viviam monstros submarinos portadores de fosforescências como os pirilampos, para guiarem-se na escuridão insondável.

          E por que não temos da alma um conhecimento mais amplo? Porque os investigadores andam por caminho errado. Dê-se o microscópio a um astrônomo e o telescópio a um bacteriologista e vejamos as suas impossibilidades. Como analisar a alma, a sua essência, a sua manifestação no mundo através dos diferentes fenômenos com os mesmos processos usados para o estudo da matéria visível? Para o conhecimento da alma antes de tudo precisamos de “sentimento” de amor. Que ela existe não resta dúvida. Qual a filosofia materialista que é capaz de resolver satisfatoriamente todos os problemas que a humanidade expõe diariamente? As ideias inatas, as propensões para profissões, vícios, ideais, hereditariedade, doenças, as crianças prodígios, as previsões, os sonhos, especialmente os premonitórios, as aparições de pessoas “mortas” e vivas, a transmissão de pensamento, que são? Meras manifestações da alma.

          A alma não é uma abstração, é uma centelha divina envolta por uma matéria quintessenciada que lhe d´forma, à qual Allan Kardec denominou períspirito.

          O períspirito, à proporção que a alma evolui, aperfeiçoando-se na ciência da Terra e do espaço, e sobretudo moralizando-se, torna-se mais leve, mais transparente, mais luminoso, em condições de habitar outros planetas mais adiantados que o nosso, onde a luta pela vida é menos árdua e os sofrimentos menos dolorosos.

          É no períspirito que ficam assinaladas as vibrações da nossa alma. Ele reflete o nosso adiantamento, os nossos sentimentos, o grau de moralidade, que os torna inconfundíveis para os videntes esclarecidos no conhecimento da Doutrina Espírita.

          O homem será sempre um desconhecido para aqueles que não o estudaram em conjunto: corpo, períspirito, alma.    

          A Doutrina Espírita sofre de todos os lados os mais duros combates. Ninguém quer nos ouvir para conhecer as consequências que advirão para a humanidade à adoção do novo credo.

          Os inimigos irreconciliáveis -  materialismo científico e a religião, especialmente o romanismo, uniram-se para uma guerra em defesa comum, usando um os argumentos do outro, numa patética demonstração de fraqueza, porque dia a dia ganhamos terreno.

          Os incautos, os que não querem pensar por si, mas pelos cérebros dos outros, não compreendem que o materialismo e a religião defendem apenas os seus próprios interesses e não os da humanidade. O Cristianismo também foi perseguido por aqueles que propalavam defender a verdade.

          É o interesse de castas, o apego às ideias velhas, o receio de perder o domínio que produz essa avareza de conservar o que está a cair ante os golpes demolidores dos fatos e da razão.

          O Espiritismo é obra divina e como tal não poderá ser destruída nem a sua marcha entravada pelos filhos do obscurantismo.

          Dizem os “Aos dos Apóstolos” que os apóstolos foram apresentados ao Sinédrio e acusados pelos fariseus. Todos se achavam enfurecidos e pediam a sua condenação e morte, nessa ocasião levantou-se um doutor da lei, um velho respeitável de nome Gamaliel  e disse: Israelitas, atentai bem para o que ides fazer a estes homens pois já há algum tempo, que Theudas se levantou, dizendo ser alguma coisa, ao qual se ajuntaram uns quatrocentos homens; ele foi morto e todos quantos lhe obedeciam foram dissolvidos e reduzidos a nada. Depois deste levantou-se Judas, o galileu, nos dias de alistamento e levou muitos consigo; esse também pereceu e todos quantos lhe obedeciam também foram dispersos. Agora vos digo: Não vos metais com esses homens, mas deixai-os porque se este conselho ou esta obra for dos homens se desfará, mas se é de Deus, não podereis desfaze-la, e ainda sereis encontrados lutando contra o Senhor.

          Homens que não aceitais o Espiritismo, meditai sobre as sábias palavras de Gamaliel e verificai o vosso grande erro. Nós estamos propondo à humanidade a troca de uma vida infeliz por outra ditosa, com a extinção do egoísmo, da ambição, da inveja, da falta de moralidade que assola o mundo, e estais a nos entravar os propósitos de bem. Meditai sobre a responsabilidade que pesa sobre vós e do que vos aguarda se persistires no erro. É o que vamos expor com a lei da reencarnação.           

 


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