domingo, 30 de maio de 2021

Dogmas e mais dogmas

 

Dogmas e mais dogmas

por I. Pequeno (Antônio Wantuil de Freitas)

Reformador (FEB) Novembro 1946

             Enquanto os nossos irmãos protestantes não aceitam sequer a virgindade de Maria, os católicos dia a dia procuram conduzir aquele Espírito a uma categoria mais elevada. Depois de a apresentarem como mãe de Deus e de a subdividirem em tantas nossas -senhoras, quantas sejam necessárias aos interesses da Igreja, sob os mais extravagantes nomes, procuram agora convencer-nos, baseados numa lenda, de que Maria subiu aos Céus, tal qual Jesus, com o mesmo corpo apresentado entre nós.

             Referindo-se a esse culto prestado a Maria, em que a colocam em superioridade ao próprio Deus, por ser a genitora de uma das suas pessoas, disseram-nos os Espíritos que esse culto já ultrapassa ao que a Igreja rende ao próprio Cristo (Roustaing, lV-221); assim, diante dessa tendência do clero para deificar a Virgem, como já o fizeram com Jesus, julgamos necessário transcrever o que disseram os Espíritos, quanto à posição espiritual de Maria, extraindo alguns trechos da 3ª edição da obra “Revelação da Revelação”:

             - Maria era Espírito perfeito quando encarnou em missão: Perfeito, relativamente a nós, ao nosso planeta; não o era, porém, com relação aos mundos superiores. Espírito superior, de mui elevada hierarquia espírita, com relação a nós, não tinha ascendido ainda à perfeição sideral. (1-330).

            - Após uma encarnação fluídica num planeta mais adiantado que a Terra, encarnação sofrida como consequência de pequenina falta, retomou aquele Espírito o caminho simples e reto do progresso e até hoje o trilha, pois que ainda não chegou ao cume, à perfeição sideral. (1-333) ,

            - Conquanto não se ache ainda na categoria dos Espíritos puros, suas atuais encarnações estão de tal forma acima de nossas inteligências, que não podemos fazer dela do que sejam.

            Sabemos, porém, que Maria é um Espírito inferior, muito inferior a Jesus. (1-331).

            - O Senhor estava com Maria, mulher entre todas bendita, por ser, entre todas, Espírito muito puro no desempenho de uma missão na Terra. (1-369).

            - Recomendando João a Maria e esta aquele, Jesus deu o testemunho da sua solicitude pelos encarnados e homenageou os sentimentos que devem animar os filhos com relação aos pais, sentimentos que devem ligar a grande família humana. (IV-498).

            Como vemos, apesar do muito respeito e da muita estima que nos merece o elevado Espírito de Maria, ao qual temos recorrido muitas vezes, não podemos concordar com os dogmas da Igreja, dogmas que tendem a fazer da Virgem o que já fizeram com o Cristo, deificando-a igualmente.

            Os espíritas também dirigimos preces a Maria, como o fazemos igualmente aos nossos guias e protetores; porém, entre a nossa veneração à Virgem e a outros grandes Espíritos e a divinização que lhe quer dar a Igreja, vai um infinito, um abismo quase igual ao que existe entre a criatura e o Criador, ou entre um planeta e o Universo.

            Se assim continuarem, dentro de mais alguns séculos já não mais terão a Trindade, visto que se tornará necessário criar um novo termo, ao qual possam incluir as atuais três pessoas e mais o Espírito de Maria e talvez mesmo o de João Batista.

            Até lá, porém, o mundo já estará recristianizado. Os Espíritos já terão levado a verdade a todos os cantos da Terra, e os dogmas já não impressionarão a coletividade.


sábado, 29 de maio de 2021

Olá meu Irmão!

 

Olá meu irmão!

Humberto de Campos  

por Chico Xavier

                                                                    Reformador (FEB) Novembro 1943

               - A disposição antiga, acentuava Cipriano Neto - é verdadeiro tônico espiritual. Não raro, envenenamos o coração, a força de insistir na máscara sombria. Má catadura é moléstia perigosa, porquanto as enfermidades não se circunscrevem ao corpo físico. Quantos negócios de muletas, quantas atividades nobres interrompidas, em virtude do mal humor dos responsáveis! Claro que ninguém se deixe absorver por malandros de esquina, mas o respeito e a afabilidade para com as criaturas honestas, seja onde for, constituem alguma coisa de sagrado que não esqueceremos sem ferir a nós mesmos.

            E, frente à pequena assembleia, toda ouvidos, Cipriano, com a graça de sua privilegiada inteligência, continuou, após longa pausa:             

            - Na Terra, o preconceito fala muito alto, abafando vozes sublimes da verdade superior. Nesse capítulo, tenho minha experiência pessoal, bastante significativa.

Meu amigo vagueou o olhar muito lúcido, através do horizonte longínquo, como a vasculhar o passado, calou-se por alguns momentos e prosseguiu:

            - É quase inacreditável, mas o meu fracasso em Espiritismo não teve outra causa. Não ignoram vocês que meu coração de pai, dilacerado pela morte do filho querido, fora convocado à doutrina dos Espíritos, ansioso de esclarecimento e consolação,

            Banhado de conforto sublime, senti que minhas lágrimas de desesperação se transformaram em orvalho de agradecimento à bondade de Deus, Meu filho não morrera. Mais vivo que nunca, endereçava-me carinhosas palavras de amor. Identificara-se de mil modos. Não havia lugar a dúvidas. Inclinei-me, então, à doutrina renovadora. Saciado pela água de santas consolações, não sabia como agradecer à fonte. Foi aí que recordei minhas possibilidades intelectuais. Não seria justo servir ao Espiritismo, através da palavra? Poderia escrever para os jornais ou falar em público, Fundamente reconhecido à nova fé, atendi à primeira sugestão que um amigo me ofereceu e dispus-me a fazer uma conferência.   Anunciou-se o feito e, no dia aprazado, compacta assistência esperou-me a confissão. Seduzido pela beleza do Espiritismo cristão, falei longamente sobre a caridade. Aplausos, abraços, sorrisos, felicitações. No círculo de meus companheiros de literatura, porém, o assunto fizera-se obrigatório. Voltando à Avenida, no dia imediato ao acontecimento, meu esforço foi árduo por convencer aos confrades de letras que não me achava louco. Infelizmente, contudo, minha decisão não se falava senão à vaidade. Pronunciara a conferência como se o Espiritismo necessitasse de mim. Admitia, no fundo, que minha presença honrara, sobremaneira, o auditório, que a codificação kardeciana encontrara em mim prestigioso protetor. Desse modo, alardeava suma importância em minhas novas palestras, citava a antiguidade clássica, recorria aos grandes filósofos, mencionava cientistas modernos. Quando nos encontrávamos, meus colegas e eu, no ápice das discussões afetuosas, eis que surge o Elpidio, velho conhecido meu e antigo tintureiro em Jacarepaguá. Sapatos rotos, calças remendadas, cabelos despenteados, rosto suarento, aproximou-se de mim e estendeu-me a destra, exclamando alegre:

            Olá meu irmão! Meus parabéns!... Fiquei muito satisfeito com a sua conferência!

            Entreolharam-se meus amigos, admirados. E confesso que respondi à saudação efusiva, secamente, movimentando levemente a cabeça e sentindo-me profundamente humilhado. Face ao meu silêncio, o tintureiro, despediu-se, mostrando enorme desapontamento. “É de sua família?” - Indagou um companheiro mais irônico. “Estes senhores espiritistas são os campeões da ingenuidade!”, exclamou outro circunstante , Enraiveci-me. Não era desaforo de semelhante homem do povo chamar-me irmão ali em plena Avenida, frente aos colegas de tertúlia literária? Estaria, então, obrigado a relacionar-me com toda espécie de vagabundos? Não seria aquilo irmanar-me a rebotalhos de gente, na via pública? O incidente criou em mim vasto complexo de inferioridade. Cegavam-me, ainda, velhos preconceitos sociais, e a ironia dos companheiros calou-me, fundo, no espírito. A ausência de afabilidade, a incompreensão grosseira dominaram-me por completo, O fermento da negação trabalhou-me o íntimo, levedando a massa de minhas disposições mentais. Resultado? Voltei à aspereza antiga e, se cuidava de doutrina, confinava-me a reduzido círculo doméstico. Não estimava a companhia ou a intimidade daqueles que considerava inferiores. Os anos, todavia, correm metodicamente, alheios à nossa vaidade e ignorância, e impuseram-me a restituição do organismo cansado ao seio acolhedor da terra. Sabem vocês por experiência própria, o que nos acontece a essa altura da existência humana, Gritos estentóricos de familiares, pavor de afeiçoados, ataúde rescendendo aromas de flores das convenções sociais. Em meio da perturbação geral, senti que um sono brando apoderava-se de mim. Nunca pude saber quantos mas gastei nesse repouso compulsório. Despertando, porém, debalde clamei por meu filho bem amado. Sabia perfeitamente que abandonara a esfera carnal e ansiava por encontrar-lhe o carinho. Deixei a residência antiga, ferido de amargurosas preocupações, Atravessei ruas e praças, de alma opressa. Atingi a Avenida, onde me dava ao luxo de palestrar sobre ciência e literatura. E ali mesmo, junto ao café aristocrático, divisei alguém que não me era estranho às relações individuais. Não tive dificuldades no reconhecimento. Era o Elpídio, integralmente transformado, evidenciando nobre posição espiritual, trocando ideias com outras entidades da vida superior. Não mais os sapatos velhos, nem o rosto suarento, mas singular aprumo, aliado à expressão simpática e bela, cheia de bondade e compreensão. Aproximei-me, envergonhado.  Quis dizer qualquer coisa que revelasse minha angústia, mas obedecendo a impulso que jamais soube explicar, apenas pude repetir as antigas palavras dele: "Olá meu irmão! Meus parabéns!"

            Longe, todavia, de imitar-me o gesto, grosseiro e tolo de outro tempo, o generoso tintureiro de Jacarepaguá abriu-me os braços, contente, e exclamou com sincera alegria:

            - Ó meu amigo! Que satisfação! Venha daí, vou conduzi-lo ao seu filho!

            Aquela bondade espontânea, aquele fraternal esquecimento de minha falta eram por demais eloquentes e não pude evitar as lágrimas copiosas...

            Nossa pequena assembleia de desencarnados estava igualmente comovida, Cipriano calou-se, enxugou os olhos úmidos e terminou:

           - A experiência parece demasiadamente humilde, entretanto; para mim, representou lição das mais expressivas. Através dela, fiquei sabendo que a afabilidade é mais que um dever social, é alguma coisa de Deus que não subtrairemos ao próximo, sem prejudicar a nós mesmos.


Em oração

          

Em oração

Manoel Philomeno de Miranda

por Divaldo Franco

inA Prece segundo os Espíritos

LEAL Editora – Salvador – Bahia – 2ª Edição 1995

 

            Senhor – ensina-nos a respeitar a força do direito alheio na estrada do nosso dever.

            Ante as vicissitudes do caminho, recorda-nos de que no supremo sacrifício da Cruz, entre o escárnio da multidão e o desprezo da Lei, erigiste um monumento à justiça, na grandeza do amor.

            Ajuda-nos, assim, a esquecer todo o mal, cultivando a árvore generosa do perdão.

            Estimula-nos à claridade do bem sem limites, para que o nosso entusiasmo na fé não seja igual a ligeiro meteoro riscando o céu de nossas esperanças, para apagar-se depois...

            Concede-nos a felicidade ímpar de caminhar na trilha do auxílio porque, só aí, através do socorro aos nossos irmãos, aprendemos a cultivar a própria felicidade.

            Tu que nos ensinaste sem palavras no testemunho glorioso da crucificação, ajuda-nos a desculpar incessantemente, trabalhando dentro de nós mesmos pela transformação do nosso espírito, na sucessão do tempo, dia a dia, noite a noite, a fim de que, lapidado, possamos apresenta-lo a Ti no termo de nossa jornada.

            Ensina-nos a enxergar a Tua Ressurreição sublime, mas permite também que recordemos o suplício da Tua solidão, a coroa de espinhos, a cruz infamante e o silêncio tumular que a precederam, como lições incomparáveis para nós, na hora do sofrimento, quando nos chegue.

            Favorece-nos com a segurança da ascensão aos Altos Cimos, porém não nos deixes olvidar que após a jornada silenciosas durante quarenta dias e quarenta noites, entre jejum e meditação, experimentaste a perturbação do mundo e dos homens, em tentações implacáveis que, naturalmente, atravessarão também nossos caminhos...

            Dá-nos a certeza do Reino dos Céus, todavia não nos deixes esquecer que na Terra, por enquanto, não há lugar para os que te servem, tanto quanto não houve para Ti mesmo, auxiliando-nos, entretanto, a viver no mundo, até a conclusão da nossa tarefa redentora.

            Ajuda-nos, Divino Companheiro, a pisar os espinhos sem reclamação, vencendo as dificuldades sem queixas, porque é vivendo nobremente que fazemos jus a uma desencarnação honrada como pórtico de uma ressurreição gloriosa.

            Senhor Jesus, ensina-nos a perdoar, ajuda-nos a esquecer todo o mal, para sermos dignos de Ti! ...


quinta-feira, 27 de maio de 2021

Ilusões da Propriedade

 

Ilusões da Propriedade

Cristiano Agarido (Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Dezembro 1946

             O Espiritismo vem projetar nova luz sobre os problemas humanos e destruir velhas ilusões que infelicitavam os terrícolas. Um de seus ensinos nos demonstra que não temos propriedades materiais: somos apenas usufrutuários sem tempo determinado, em situação mais insegura do que o hóspede de um hotel, certo de poder permanecer no uso e gozo de seu apartamento durante a semana, paga adiantado. De todos os bens podemos ser despojados a qualquer momento pela morte ou, mesmo, antes dela, por imprevistos que desafiam toda a nossa perspicácia.

            Esse conhecimento ajuda-nos a libertar-nos da avareza que tantos males tem causado à Humanidade.

            Se na realidade da vida eterna é assim, o rico de hoje pode tornar-se o miserável de amanhã pela morte ou pela desapropriação imprevisível. Outro aspecto ainda existe, no domínio dessa ilusão, que merece nossa reflexão e vamos tentar esboçá-lo num rápido artigo.

            A vida moderna complicou a primitiva ideia de propriedade, positiva questão de força entre os antigos, tornando-a de tal complexidade que desafia a inteligência dos mais argutos e a força dos mais violentos. Em vez do saco de ouro foram criados os papéis simbólicos do ouro, confiados à guarda dos governos e sujeitos a desvalorizações parciais ou totais.  Vemos um país inteiro arruinado, com a moeda reduzida em seu poder aquisitivo a tão ínfimo valor que todas as rendas se tornam insuficientes à subsistência.   

            O preço de um prédio, poucos meses depois de vendido, não basta para pagar o aluguel de outro por um mês; os juros dos títulos, com os quais vivia confortavelmente uma família, tornam-se insuficientes e tem-se que vender tais papéis e seu produto desaparece rapidamente. É essa a situação hoje de muitos países europeus, mesmo de um dos vencedores da guerra. 

            Além dessas calamidades de ordem nacional, independentes da vontade de um povo inteiro, outra existem de natureza privada que merecem exame filosófico. As ações de sociedade anônima apresentam uma dessas modalidades. Há neste momento no Brasil muitas sociedades anônimas, cujas ações dentro de 24 horas perderam todo o seu valor positivo e passaram a representar valor negativo, isto é, são símbolo de dívidas a pagar e ninguém as quer em suas mãos, quando 24 horas antes mesmas ações tinham 300% de ágio. São empresas falidas por força de Decretos que determinaram sua proibição, em oposição a Decretos anteriores que as estabeleceram. Não interessam pormenores nem crítica a nenhum dos dois Poderes, um que criou, outro que exterminou tais empresas; só interessam os fatos positivos que produziram prosperidade passageira e ruína completa de alguns milhares de pessoas.   

            Há em nosso tempo pessoas que passam pela vida inteira em grandes negócios, em plena ilusão de riqueza, mas que na verdade nunca possuíram um ceitil. Todas as suas operações são financiadas por bancos e particulares, sob caução de papéis que realmente nada de duradouro representam, e tais e tantas são as operações de crédito que o autor do movimento chega à ilusão completa de que é rico e como tal vive muitos anos ou a vida toda e não raro constrói prédios, monta fábricas, torna-se um fator do progresso, elemento útil da sociedade em que vive.  Em qualquer momento de sua vida, porém, que a sua situação real fosse analisada, ele estaria insolvável. Viveu, trabalhou, fez muito bem ou muito mal, baseado em ilusões e cultivando esperanças de lucros que lhe permitissem tornar-se proprietário real e não somente depositário de bens alheios. 

            Toda essa confusão moderna contribui para nos esclarecer sobre a ilusão da vida material. Só os bens espirituais realmente nos pertencem e dentro dessa babel temos que ouvir a ressonância daquela advertência descida do céu: “Ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça, nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam.” (Mat. 6:20) 

            E, no entanto, não podemos fugir da sociedade em que vivemos e de submeter-nos às suas ilusões e complicações, sem nos tornarmos inteiramente inúteis a nós mesmos e aos outros! Existem grandes serviços a prestar, obras necessárias ao progresso do mundo e dos homens e só as podemos realizar dentro da situação existente. Por mais contraditória que seja a sociedade moderna, é ela o laboratório de grandes realizações. É ela o nosso campo de trabalho e não podemos fugir a todas as suas complicações e perigos sem cairmos na situação de servo infiel que enterrou os talentos com receio de perdê-los.

            A propriedade é uma ilusão, não podemos apegar-nos a ela, porque nos será retirada quando menos esperarmos; no entanto, sem ela não podemos realizar as obras que nos foram confiadas. Como sair do dilema?

            Parece-nos que o mal tem sido apenas de considerarmos efetivo o que é passageiro e de nos escravizarmos à propriedade em vez de empregá-la como serva, como instrumento de prestar serviços. Se a nossa finalidade clara for a de servir, todas as coisas em nossas mãos oferecerão meios de prestar serviços; não mais nos julgaremos proprietários de coisa alguma – o que seria funesta ilusão – mas somente administradores provisórios dos bens da Providência. Quando chegarmos à compreensão clara dessa função da propriedade, tornar-nos-emos administradores fiéis do tesouro do Pai, sentindo-nos responsáveis no emprego de toda e qualquer parcela dos bens que passam pelas nossas mãos. Seremos, então, instrumentos da Providência, e o mundo se transformará em paraíso. Longa será ainda a nossa luta para realizarmos essa mudança de mentalidade. Muitos serão os Missionários que terão que descer à Terra para nos ensinar e serem incompreendidos por nós em nossa timidez diante da pobreza. Essa timidez, essa falta de fé nos homens, sulcou fundamente o nosso Espírito durante muitas encarnações penosas e só com longos abalos, muita dor, conseguiremos libertar-nos de nós mesmos e vivermos para a obra divina.

            De qualquer sorte não nos insulemos num claustro, vivamos e lutemos na sociedade humana com todos os seus riscos e perigos. 


Sobre a graça e a predestinação

   

Sobre a graça e a predestinação

A Redação    Reformador (FEB) 16 de Janeiro de 1917

             Segundo a dogmática das igrejas – organizada quando a Terra era tida como o centro do universo – o destino da alma, depois de uma única existência no planeta, de minutos, de dias ou de anos, ficará, definitivamente fixado, a fim de ir o espírito para o céu, ou para o inferno. A primeira decisão divina, proferida no juízo particular post mortem, não poderá ser reformada no julgamento último e universal, quando, ao findar-se o mundo, houver a ressurreição da carne.

            As igrejas impõem, como dogmas, o pecado original, que maculou a humanidade, proveniente da suposta falta do casal edênico, ocasionada pela intervenção do diabo, sob a forma de réptil, e o resgate dessa falta, após alguns milênios, pela imolação, na Judeia, do próprio Deus Onipotente, sob a forma humana, como vítima propiciatória.

            Para a educação das almas exigem a observação de certos ritos e cerimônias.

            Não bastam.

            Torna-se ainda necessário a graça, que é um dom gratuito e sobrenatural, com diferentes classificações.

            A graça e a predestinação foram objeto de numerosas e renhidas discussões entre teólogos católico-romanos e protestantes, entre ortodoxos e heterodoxos.

            Roma entendeu, em oposição a certo fanatismo tacanho, que N. S. Jesus Cristo prometeu a salvação a todos os homens, sem exceção; mas decidiu, contra o pelagianismo (Da Wikipedia: doutrina de convicção dos pelagianos, segundo a qual o homem era totalmente responsável por sua própria salvação e que minimizava o papel da graça divina. De Pelágio da Bretanha.) antigo e moderno e de acordo com a sua política, que a graça é necessária para a salvação, considerando herética a proposição contrária.

            Está claro que os infiéis não podem obtê-la, senão pela conversão à igreja.

            Embora a graça, manancial fecundo no céu e na terra, seja um dom gratuito, dependente da vontade divina, dispões o Vaticano de expedientes vários, e que considera eficazes, para alcança-la e distribui-la, em doses convenientes e para diversos efeitos.

            Conforme doutrinam os teólogos, a graça se divide em habitual, que é permanente e santificante, e em atual, que é interior e exterior, suficiente e eficaz.

            Pode dirigir-se ao entendimento e à vontade; servir de preservativo, acompanhar o ato ou segui-lo, sendo, portanto, preventiva, concomitante ou subsequente...

 *

             Para Deus, o tempo, como nós o concebemos, não existe. Sendo onisciente, Ele conhece o destino de todos os homens.

            Não é nesse sentido que a predestinação figura neste artigo, ao lado da graça, e faz objeto das aludidas questões teológicas.

            Ensinam as igrejas que Deus predestina certo número de almas para a bem-aventurança eterna, cumulando-as de graças especiais. Formam esses mortais o grupo dos escolhidos do Senhor, por ato de sua vontade soberana, destinados, infalivelmente, ao céu, à felicidade eterna.

            A predestinação para as penas eternas teve também apologistas e sectários.

            Se o decreto de predestinação é absoluto e anterior à própria criação das almas, ou se é condicional e posterior a previsão dos méritos é grave questão, que não foi decidida pela igreja romana, continuando aberta entre os teólogos.

            Os reformadores religiosos do século XVI, que adotaram muitos dogmas da igreja papista, ligaram máxima importância aos do pecado original, da graça e da predestinação.

            Pelos Comentários sobre os Gálatas, de Lutero, e pelos Institutos de Calvino, podemos fazer ideia do sistema teológico dos reformadores.

            O homem é depravado e corrupto por natureza. Por si, por seu esforço, não pode salvar-se. Só o consegue pela graça que Deus concede aos eleitos, aos predestinados ao céu.

            Calvino levava as últimas consequências a sentença horrível que pesa sobre a humanidade, merecedora de condenação eterna.

 *

             À luz da Nova Revelação podemos examinar e apreciar essa velha dogmática, que tem pesado sobre a humanidade, estorvando-lhe o desenvolvimento.

            Podemos falar em predestinação e graça, sem dar-lhes a significação e sentido teológicos, sem a intervenção do sobrenaturalismo, que o sacerdócio costuma invocar, porque, arvorando-se em medianeiro, entre o céu e a terra, convém lhe figurar a Divindade como um poder arbitrário...

            Os espíritos progridem através de vidas sucessivas.

            No espaço, recebem instruções de seus guias, firmam resoluções, assumem compromissos, que tem de desempenhar durante a reencarnação. Estão predeterminados os sofrimentos e as provações, como os encargos e as missões.

            Eis aí a predeterminação.

            Podem os encarnados satisfazer os compromissos, como podem falir.

            Cumprindo-os, sabendo suportar as provações, executando a tarefa prometida ou a missão de que se encarregou, o encarnado atrairá influências benéficas, terá o amparo de seus guias espirituais, dos mensageiros divinos.

            Eis a graça.    


quarta-feira, 26 de maio de 2021

Seremos agêneres!

 

Seremos agêneres!

por Ismael Gomes Braga    Reformador (FEB) Março 1961

             O ilustre engenheiro Hernani Guimarães Andrade, que em 1958 nos deu um livro ímpar – “Teoria Corpuscular do Espírito”, publica outro volume com o título “Novos Rumos à Experimentação Espírita”, como ampliação do primeiro.

            Neste segundo trabalho sugere tomar-se o ectoplasma como ponto de partida para o estudo, por processos químicos, de substâncias que parecem ligar o mundo material com o espiritual.

            Supõe a existência de ectoplasma nos animais (inclusive o homem), nas plantas e nos minerais e propõe respectivamente os termos ectozooplasina, ectofitoplasma, ectomineroplasma, para expressar os três tipos dessa substância, como no livro anterior.

            As materializações de Espíritos provam exuberantemente a existência dessa substância e sua maravilhosa maleabilidade; logo, é fatal que o homem venha a conhece-la quimicamente e aprender a servir-se dela como já tem feito com tantas outras coisas e forças da Natureza. O Autor imagina que viremos a dominá-la como dominamos a eletricidade, o magnetismo, o átomo, e com ela possamos fabricar tudo de que necessitamos. Citemos suas próprias palavras:

          Não se trata de sonhos ou fantasias de uma imaginação exaltada. É um raciocinador frio e quase cético quem vos revela essas coisas que serão as realidades de amanhã. Já são realidades, hoje. Mas processam-se em escala reduzidíssimas, nos recessos de salas escuras, impregnadas de elevados e respeitáveis sentimentos místico-religiosos, onde se operam as chamadas materializações espíritas.

            “Quando, antigamente, o raio rasgava os ares e feria a copa das árvores, flamejava no topo dos mastros das caravelas, ou fundia a areia, penetrando no solo, as mentes pueris diziam que era o dardo de Júpiter, o fogo de Santelmo, ou o machadinho que caía do céu. Quantos não caçoaram de Benjamim Franklin (*) ou não lhe invectavam (insultavam) a audácia de querer captar, com o seu papagaio, um raio diretamente das nuvens?

                (*) Benjamim Franklin viveu de 1706 a 1790. Morreu há menos de 200 anos, e quantas transformações já se processaram no mundo desde então!

           Que não diriam os homens daquele tempo se lhes fosse afirmado que a mesma eletricidade que produz o fulgor do relâmpago iria, mais tarde, acionar todas as maiorias indústrias do mundo.

            ....................................................

         “E quem ousará, depois disso, as imensas possibilidades de uma futura técnica ectoplasmática?” (Páginas 64-65.)

            Aprenderemos então a técnica de materializar nosso próprio corpo, quando precisarmos dele, e de desmaterializa-lo quando não tivermos que agir sobre a matéria.  Seremos agêneres, imitando Aquele que nos foi dado por modelo!

            É um livro de vulgarização científica, em linguagem fácil, e traça diretrizes para as futuras pesquisas, no sentido de demonstrar-se a existência e a sobrevivência do Espírito por experiências indiscutíveis, de modo a tornar esse conhecimento tão insofismável como as ciências naturais, de modo que toda a Humanidade tenha que aceitar a verdade, como hoje ninguém ousaria negar a aviação, o rádio, a televisão, os “sputniks”, a bomba atômica.

            Diz a página 91:

            “Descobriremos, enfim, o mecanismo da produção dessa extraordinária substância, a qual parece ser a mais importante manifestação da matéria, cujos estados, até agora conhecidos, são: o sólido, o líquido, o gasoso e o radiante. O ectoplasma seria o quinto estado da matéria: o psicodinâmico; sem dúvida o mais notável.”

            O Autor concebe a necessidade de criarmos aparelhos para vermos e ouvirmos o mundo espiritual, como os temos criado para ver tantas outras coisas invisíveis a olho nu, no infinitamente pequeno, nos pontos remotos do céu, no interior do corpo humano, etc. Imagina um aparelho que lembra a “câmara cristalina” descrita por André Luiz no 48º Capítulo de “Nosso Lar”, mas a sua serie semelhante a um televisor, e dá-lhe o nome de “Câmara Espiritoscópica”.

            Copiemos mais algumas linhas que reclamam meditação:

            “Todavia, convém lembrar, mais uma vez, que pouco ou quase nada adiantaremos neste sentido, com os repetidos espetáculos de “materializações espíritas”, sem outra finalidade senão demonstrar aos céticos, aos indecisos, aos cheios de dúvidas, uma verdade que encontrariam sobejamente demonstrada se se dessem ao trabalho de estudar, meditar e observar o soberbo espetáculo do mundo em que vivemos. O desabrochar de uma flor, o germinar de uma semente, a incubação de um ovo, a gestação de um animal, são fenômenos muito mais eloquentes a proclamar existência do Espírito, com mais clareza e consistência do que certas exibições de ectoplasmia destinadas a eliminar incredulidades e satisfazer curiosidades pueris.” (Páginas 146-7.)

            Em todos os fenômenos da vida há visível manifestação do Espírito, mas não nos detemos em meditar sobre eles, porque são muito comuns. Numa flor que desabrocha para ser fecundada e produzir uma semente, se qual se acha o germe da futura árvore, revela-se um grandioso programa de vida. O mesmo se mostra na incubação de um ovo, na gestação de um animal. São “materializações” de moldes espirituais preexistentes. O sábio Paul Neergaard, em seu maravilhoso livro “La Vivo de la Plantoj” (A Vida das Plantas), nos ensina com desenhos e belas palavras como cresce um simples pé de trigo; assemelha-se à construção de uma torre, na qual tudo está planificado e previamente delimitado; os tijolos são inteligentes e colocam-se nas posições que lhes cumpre ocupar, sacrificando uma parte de seu volume no extremo das fronteiras, para não ultrapassá-las; o elevador de materiais é a água movida sabiamente de baixo para cima; esses tijolos inteligentes são moléculas vivas. Tudo se comporta executando um plano e enchendo uma forma preexistente, mas invisível.

            No entanto, a ressurreição de um morto, aparecendo cheio de vida, radiante de luz, afetuoso e gentil, como certas materializações a que temos assistido, é um espetáculo emocionante que nos abala os sentimentos e convence a razão.

            Finalmente o nosso amigo encerra o seu livro com um hino de fé e entusiasmo:

            As faculdades da alma serão estudadas e desenvolvidas no mais alto grau. Os homens utilizar-se-ão das propriedades do Espírito para a melhoria das suas condições em geral. A Ciência, assim ampliada, conseguirá modificar até a estrutura fisiológica do corpo humano, tornando-o ainda mais belo, forte e perfeito; isento de doenças e deformidades. A genética espetacularmente desenvolvida proporcionará melhores cérebros nos futuros encarnados. E outra raça nova de verdadeiros super-homens surgirá em uma Terra paradisíaca, onde a lei do amor, condensada no Evangelho do Cristo, será o código que orientará as relações entre seus habitantes.

            “Nós seremos deuses...”

            São igualmente nossas essas belas esperanças do Autor, apenas não se pode prever quando se darão tantas transformações. Lutemos por elas!

 


terça-feira, 25 de maio de 2021

'Ecos e Fatos'

 

Ecos e Fatos

A Redação             Reformador (FEB) 1º Dezembro 1912

                 A obsequiosidade de um amigo devemos a remessa de um retalho do ‘Jornal do Brasil’ de 23 de novembro recém findo, contendo o artigo MXCIX da série “Cotas aos casos”, com que o apreciado colaborador A.C. vem ilustrando as colunas do popularíssimo órgão, e no qual se ocupa do Espiritismo e de seu excelso codificador Allan Kardec.

            Não fosse a respeitabilidade do escritor, um dos mais famosos talentos que honram a nossa literatura, como outrora honrou o parlamento brasileiro, sob a monarquia, e que só por uma dessas inexplicáveis aberrações se conserva jungido a disciplina do obsoleto romanismo – tão distanciado do espírito cristão – e não nos julgaríamos no dever de tomar em consideração o seu escrito, tal a fragilidade dos argumentos invocados em condenação do Espiritismo.

            É verdade que, para revestir a sua palavra da indispensável autoridade no assunto, declara já o haverem atraído “as inquirições espiritistas”, a que “lealmente consagrou não pouco tempo e atenção.”

            Não temos a menor dúvida em acreditar que se tenha ele aplicado a algumas experimentações, sem método e sem a prévia, demorada e indispensável iniciação teórica, e que nessa prematura incursão, às apalpadelas e sem critério, no domínio do invisível, as mais lamentáveis decepções, como de resto acontece à grande maioria, senão à totalidade, dos experimentadores sôfregos e imprudentes, lhe tenham sido reservadas. Daí o considerar “a comunicação com os espíritos um comércio com elementos demoníacos (?) altamente condenável e danoso.”

            O conhecimento, porém, que imagina possuir da doutrina espírito, cujo estudo evidentemente não se quis dar ao trabalho de empreender, pois ser avaliado pela exatidão com que declinou o nome e a profissão de Allan Kardec, “pseudônimo – diz ele – do Sr. DUVOILLE, gerente que foi de uma casa de pensão nos arredores de Paris.”

            O ilustrado articulista que, apesar de discípulo da escola aristocrática do Vaticano, a cuja classe nobiliárquica pertence, como titular que é, tivesse o autor da 1099ª cota aos casos qualquer intuito deprimente a respeito de Allan Kardec, ao atribuir-lhe aquela profissão.

            Para tolher-lhe, ao demais, qualquer assomo em tal sentido, de dele fosse capaz,aí estaria a própria história do Cristianismo, desce a incomparável figura de seu divino instituidor, a demonstrar que tudo ele – o Cristianismo – no seu brevíssimo período inicial de três a quatro séculos, único em que como tal mereceu essa denominação, antes de se converter no intolerante, soberbo e pomposo catolicismo romano, foi a epopeia dos humildes e obscuros.

            Quem mais humilde, aos olhos dos homens e para a sua edificação, do que Jesus? E depois dele, a maior figura do Cristianismo, pois que foi a alma intrépida e infatigável de sua organização – o iluminado Paulo – que posição ocupava na sociedade?

            Era um simples tecelão, posto que, por seus talentos e cultivo, se impusesse à admiração de seus contemporâneos.

            Como ele, os discípulos do Cristo e os apóstolos eram de modesta condição, o que de resto não sucedera por acaso, mas segundo as sábias vistas da Providência, para confundir a soberba dos grandes e a dos que, intitulando-se mais tarde continuadores e representantes do humilde Nazareno, haviam de alimentar entre os homens as distinções de classes e de castas e até criar ordens honoríficas e instituir na Terra um principado.

            Sem remontarmos tão longe, poderíamos recordar que um dos grandes fundadores de religiões – Maomé – não fora julgado incompatível com esse elevado ministério pelo fato de ser um mero pastor, ou tangedor de camelos.

            Se, pois, tivesse Allan Kardec sido “gerente de uma casa de pensão”, isso em nada amesquinharia o seu mérito e ainda menos o valor da obra que veio na Terra providencialmente executar.

            A verdade, porém, é outra, bem diversa, e como só a verdade é que nos propomos restabelecer aqui, à retificação, que acima fica, do nome de Allan Kardec, acrescentaremos as seguintes notas biográficas, particularmente relativas aos cargos que exerceu na Terra e ao preparo de que era dotado o codificador do Espiritismo, as quais se encontram na MEMÓRIA HISTÓRICA publicada pela Federação Espírita Brasileira (págs. 10 a 12).

            “Ele (Allan Kardec) – diz o seu biógrafo, Sr. Henri Sausse era bacharel em letras e ciências e doutor em medicina, tendo feito todos os estudos médicos e defendido brilhantemente sua tese. Linguista distinto, conhecia a fundo e falava corretamente o alemão e o inglês, o italiano e o espanhol; conhecia também o holandês e podia facilmente exprimir-se nessa língua.”

Nota do Blog:

                Allan Kardec não se graduou em Medicina! Vide, para o necessário esclarecimento, o livro “Allan Kardec – Meticulosa pesquisa biográfica” (Ed. FEB), em 3 volumes, de autoria de Francisco Thiesen e Zêus Wantuil.

            Discípulo que havia sido do célebre educador Pestalozzi, começara a vida prática, fundando em Paris, à rua de Sèvres nº 35 e de sociedade com um tio, um “Instituto Técnico” de ensino nos moldes do de Yverdun e de que era diretor.

            Como seu sócio, que tinha a paixão pelo jogo, houvesse comprometido os haveres da sociedade, dissipando grandes somas, Allan Kardec requereu a liquidação do Instituto e colocou em mãos de um amigo, negociante, os 45000 francos que lhe couberam na partilha, mas que vieram a perder-se com a falência daquele, em consequência de maus negócios.

             “Longe de desaminar com esse duplo revés – acrescenta o mencionado biógrafo - o  Sr. e a Sra. Rivail lançaram-se corajosamente ao trabalho. Ele encontrou e pode encarregar-se da contabilidade (fez-se guarda-livros, portanto (*)) de três casas, que lhe produziam cerca de 7500 francos por ano; e terminado o seu dia, esse trabalhador infatigável fazia à noite, em serão, gramáticas, aritméticas, livros para os estudos pedagógicos superiores; traduzia obras inglesas e alemãs e preparava todos os cursos de Levy-Alvares, frequentados por discípulos de ambos os sexos do arrabalde Saint-Germain. Organizou também em sua casa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de química, física, astronomia e anatomia comparada, que eram muito frequentados.”

                 (*) A advertência é do autor.

             Para um gerente de casa de pensão nos arredores de Paris, hão de convir que é demasiado.

            Terminaremos estas notas, informando que, tendo sido as diversas obras pedagógicas publicadas por Allan Kardec, e que o biógrafo menciona, adaptadas pela Universidade de França, e vendendo-se abundantemente, pode ele reunir um modesto pecúlio que o abrigou das necessidades até ao fim da vida e lhe permitiu, quando veio mais tarde a conhecer o Espiritismo, dedicar-se ao seu estudo e propaganda, sem inquietações materiais.

            -Não foi mais feliz o ilustrado crítico das “Gotas aos Casos”, quando dirige suas setas contra as manifestações espírita, pretendendo fundar-se na proibição contida no DEUTERONÔMIO XVIII, 41-42).

            Essa proibição, formulada sabiamente por Moisés e motivada pelo mal uso que o povo, grosseiro e ignorante, fazia das evocações, é equivalente às recomendações que os próprios espíritas esclarecidos hoje fazem acerca das cautelas a adotar e dos elevados fins a ter em vista, nas experimentações mediúnicas.

            Nunca, porém, Moisés, que era um grande iniciado, poderia condenar de um modo absoluto as relações com o invisível, ele que, médium de poderosas faculdades, as cultivava com sabedoria e oportunidade. O espaço, de que já abusamos, não nos permite citações. Mas quem quer que estude o Velho Testamento “com o espírito que o ditou”, segundo a recomendação da ‘Imitação de Cristo’, não terá dificuldade em reconhecer a frequência da intervenção dos invisíveis em toda a história dos hebreus e com o concurso dos profetas, que outra coisa não eram senão médiuns de diferentes faculdades.

            Essa mesma intervenção dos seres espirituais é igualmente frequente em vários episódios da história evangélica e nos primeiros tempos da propaganda do Cristianismo.

            Paulo, em mais de uma passagem de suas epístolas, dirige recomendações aos círculos cristãos, nas quais se percebe claramente que eles cultivavam as manifestações espíritas (leia-se, por exemplo, I Coríntios, XIV, 26-32).

            E que quer dizer esta recomendação de João, o evangelista, em sua 1ª Epístola (cap. IV, 4), “caríssimos, não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus”, senão que os primeiros cristãos praticavam, em suas reuniões, o comércio com os espíritos, tal como sucede agora nos círculos espíritas?

            E que aí tanto se podiam manifestar os bons como os malévolos espíritos, prova-o essa mesma advertência de João, tornando indispensável a análise dos ensinamentos do invisível, para repudiar os falsos e admitir somente os verdadeiros.

            Há, assim, uma perfeita similitude entre o que praticavam os primeiros cultores da doutrina de Jesus e os seus discípulos atuais, pois que o Espiritismo, em seu ensino e aplicações, não vem fazer mais que restabelecer em espírito e verdade aquela doutrina, deturpada por seus infiéis depositários.

            Já não temo, infelizmente, espaço para analisar os motivos por que a igreja, a medida que se afastava do ideal cristão, modificava as suas práticas, terminando por proibir toda relação com o invisível e erigindo-se autoritariamente em única intérprete das sagradas letras.

            Ao talentoso escritor, porém, que nos proporcionou o afortunado ensejo desta réplica, não terminaremos sem recomendar que, analisando com sua inteligência de claro descortino os significativos caracteres da concordância histórica a que acabamos de aludir, procure melhor compreender as razões desta Revelação nova, que tantas hostilidades provoca no campo do materialismo e das religiões positivas, feridas em seus tenazes interesses.

            E, se o não tolhem as malhas da intolerância sectária dessa igreja, que já não é a do Cristo e não tem, por isso, o direito de imperar sobre as consciências esclarecidas que buscam na Verdade a liberdade que o Cristo prometeu, leia os livros da doutrina, sem esquecer esse precioso escrito que é o “Roma e o Evangelho” e as obras de Léon Denis, e, como Paulo, que descobrira ao fim o “Deus desconhecido”, saberá onde se asila o espírito do Cristianismo rejuvenescido.

            É tal o poder de expansão do Espiritismo, tão generalizadas se vão fazendo suas conquistas no domínio das inteligências esclarecidas e emancipadas que até jornais profanos já o tomam como assunto para editoriais, incertos no lugar de honra, em que é costume figurarem os artigos políticos.

               É o que, pelo menos, acabamos de ter a satisfação de verificar no Estado do Rio, hebdomadário independente que se publica na Paraíba do Sul, em cujas edições de 17 e 24 de outubro encontramos, no indicado lugar, dois interessantes e bem traçados artigos, respectivamente intitulados “O Espiritismo através das épocas” e “A vitória do Espiritismo”.

            O fato, pela sua significação, merecia bem este registro, constituindo um precedente, não somente honroso para o seu autor, como digno de ser imitado pelos que compreendem a verdadeira função do jornal: instruir e esclarecer o povo nos conhecimentos mais necessários ao seu progresso espiritual.

O fato que o nosso colega ETERNIDADE, de Porto Alegre, reproduziu do 'EL BUEN SENTIDO', de Ponce, sob a epígrafe “O fantasma do caçador” e que, por sua vez, em seguida transcrevemos, apresenta de singular a circunstância de se reproduzir a aparição ainda ao fim de cinquenta anos da desencarnação do espírito, que nele fora protagonista.

            Permaneceria ele todo esse tempo em estado de perturbação, ou essa imagem seria apenas a figura fluídica do desaparecido, segundo a teoria dos teosofistas, flutuando como uma sombra, no lugar em que ocorrera o desastre? Ou seria que a presença eventual do espírito aí, evocando a lembrança do ocorrido, criara pelo pensamento a forma fluídica do caçador vitimado?

            A narrativa é esta:

            “No excelente colega 'EL BUEN SENTIDO', de Ponce, encontramos a seguinte narrativa que, com a devida vênia, passamos também para nossas colunas:

            “Lendo uma interessante revista, nos veio à ideia relatar um estranho fato sucedido, faz dois anos em 4 de outubro último, e do qual fomos testemunhas.

            Havíamos alugado, em Sologne, uma pequena propriedade. Uma tarde, após a caçada, nos sentamos junto ao fogão, alumiados somente pela alegre chama produzida por uma acha, alquebrada pelo cansaço, fumávamos em silêncio, quando acreditamos perceber, refletindo-se no espelho uma espécie de vapor esbranquiçado que desapareceu quase instantaneamente. A princípio, não prestamos atenção; porém, dez minutos depois, a aparição se tornou mais clara. Voltamo-nos ao mesmo tempo e vimos claramente um homem de elevada estatura, que parecia estar encostado a uma cadeira e deixava pendente uma espingarda. O rosto experimentava uma angústia terrível e do peito corria um fio de sangue. Quase imediatamente a aparição se desvaneceu. Olhamos um para o outro, cheios de terror, acreditando termos sido vítimas de uma alucinação, conquanto isto fosse inverossimel. Mas, no dia seguinte, ao falar nisso, um guarda nos contou que o pai do antigo proprietário, o conde de M..., matou-se, acidentalmente, há cerca de 50 anos, quando lidava com uma espingarda, nessa mesma sala, de volta de uma caçada particularmente frutuosa.     

            Não há dúvida de que foi seu corpo astral o que nos apareceu. – Rogger Hatot de LA SALLE, Conrado Montcertin Lanternier.”

            Que parece aos leitores?

            A julgar pelo que diz a 'ANNALE DES SCIENCES PSYCHIQUES', de Paris, louvando-se em informações prestadas pelo vice-almirante W. Usborne Moore ao ‘LIGHT’, de Londres, o Escritório Julia, que realizou a última seção a 14 de julho passado, parece que se não tornará a abrir.

            Para que o pudesse fazer, mantendo integralmente o programa instituído pelo malogrado e benemérito William Stead, seria necessário que um filantropo como ele se incumbisse da manutenção do Escritório, que orçava por mil libras esterlinas anualmente (cerca de 15 contos de réis), pois tanto era o que naquele prazo dispendia, com o indicado fim, o bom velhinho.

            Será tanto realmente, assim no ponto de vista da propaganda, como das consolações que prodigalizava que assim desapareça definitivamente aquele simpático posto de comunicações com o Além.

            Não é destituído de interesse o seguinte fato relatado pelo nosso colega ETERNIDADE, de Porto Alegre, numa de suas recentes edições:

            “De um colega traduzimos o seguinte:

            “A lenda refere que o velho palácio real de Hampton Court, perto de Londres, é uma mansão encantada, onde aparece o espectro da rainha Catharine Howard, a infortunada esposas de Henrique IV. Acerca dessa fábula, o diretor da 'OCCULT REVIEW' recebeu recentemente, de um dos seus correspondentes, da qual damos aos nossos leitores um simples resumo.

            Dias antes de escrever a referida carta, nossa correspondente dirigiu-se a Hampton Court, lugar de reunião dominical favorito dos londrinos.

            Aí teve conhecimento do seguinte fato, ocorrido com uma senhora:

            Depois dela ter visitado o belo parque e o palácio, propôs-se fazer uma visita à capela real, mas preveniram-na de que tais visitas não eram permitidas senão por ocasião do ofício divino. Contrariada, a dama prosseguiu em seu caminho, disposta a deixar o parque, quando no fim do caminho que rodeia a capela, viu perto dela um fantasma, no qual, apesar de sua forma vaporosa, reconheceu a rainha Catharine Howard, cujo retrato vira muitas vezes e tinha bem presente na memória. Dirigindo-lhe um gracioso cumprimento com a cabeça, o fantasma disse-lhe: “Na saída do caminho, encontrareis uma casinha onde mora o sacristão. Dirigi-vos a ele e ele acederá a vossos desejos; mas, quando estiverdes dentro da capela, rezai por mim.” Mais estupefata que assustada, a visitante continuou seu caminho e, no ponto indicado pelo fantasma, encontrou o sacristão e lhe manifestou o desejo de visitar a capela.

            A visitante terminou, e como contasse ao sacristão a aparição que acabava de ter, este, sem mostrar-se admirado, lhe disse:

            - O espectro da rainha Catharine aparece com frequência neste caminho: Já estamos acostumados a vê-lo e não lhe prestamos muita atenção, pois não faz mal a ninguém.”

            Da 'REVISTA DE ESTUDIOS PSIQUICOS', de Valparaíso, extraímos os fatos abaixo, dos quais o primeiro, por sua singularidade tanto como pela responsabilidade do observador, nos captou dobradamente a atenção.

            O curioso fenômeno que passamos a narrar está inserto em uma das obras do preclaro filósofo William Stead, cuja recente partida para o mundo da verdade abriu tão grande vácuo nas fileiras do espiritismo. Passemos aos fatos:

            Trata-se de um indivíduo extraordinário, o Sr. Turney, que além das faculdades de clarividência, no tempo e no espaço, apresenta a particularidade de ver pelo telefone as pessoas e coisas que estão na extremidade do fio, o que Stead denominou fonevidência.

            Turney descobriu sua misteriosa faculdade em 1903.

            “Na clarividência ordinária a grande distância, diz ele, vejo como que através de um túnel, que cruza todos os objetos que estão no caminho, cidades, florestas e montanhas.

            O túnel termina, por exemplo, no escritório de Mr. Brown; só posso ver o que se passa no escritório e não em toda casa. Na fonevidência ao contrário: em muitos casos parecia-me ver através de uma aura de cor brilhante do heliótropo ou violeta claro, em cujo centro vejo aparecer a pessoa ou objeto.

            Outra fase da fonevidência, que eu chamo fonevidência genuína, consiste no seguinte:

            Uma parte da minha mentalidade parece existir fora de mim, a um metro ou dois, e durante a visão pedaços de fio telefônico, que se acham aderidos uns aos outros, parece mudarem de posição.”

            Do exposto se depreende que Turney procura explicar por analogia, impressões de perspectiva que só por ele podem ser percebidas, Isto, pois, é secundário.

            Incontestavelmente, o fenômeno da fonevidência, a alguns anos atrás, ter-se-ia taxado de absurdo, quando as ondas vibratórias ainda não eram conhecidas como hoje, quando se ignorava que as percepções visuais e auditivas dependem de ondas vibratórias de extensão diferente.

            Sir William Stead apresenta Turney como pessoa de importância, de situação independente, instruidíssimo, que possui evidentemente faculdades supranormais, sem ser médium espírita, pois nunca caiu em ‘trance’ (sono magnético).