Ernesto Bozzano
A Redação
Reformador (FEB) Novembro 1943
.
Nascimento: 9 de janeiro de 1862, Gênova, Itália
Desencarne: 24 de junho de 1943,
Gênova, Itália
Nada sabíamos, pois, do estado de
saúde do velho batalhador, nem dele tivemos mais notícias, até que nos chegou a
triste nova de sua morte, através do noticiário das revistas estrangeiras.
Profundo foi o abalo em nossos corações, aliás já tão
experimentados ultimamente, desde que a catástrofe hedionda da guerra se abateu
sobre o mundo inteiro.
Bozzano, só por só, valia uma legião
de pugnadores. Foi o maior polemista no campo do psiquismo. Defensor destemeroso
e intemerato da doutrina espiritista, nunca deixou de pé um único argumento
contra essa doutrina. Esgrimiu, cortesmente, com todos os grandes adversários
do Espiritismo. Entre as suas réplicas célebres contam-se as que deu ao
professor Morselli, atualmente traduzida pela Federação Espirita Brasileira,
sob o título - A propósito da obra “Psicologia e Espiritismo”, do professor
Henrique Morselli; a que fez por motivo da campanha promovida pelo Sr. René
Sudre, e que se acha também traduzida pela Federação, sob o título - A
propósito da “Introdução à Metapsíquica Humana”; a elegante e incisiva,
dada ao seu eminente amigo Charles Richet, vulto assaz conhecido de todos os
que se dedicam à metapsíquica. Muitas de suas monografias e grande número de
artigos, publicados na Revue Spirite, na Revue Métapsychique, na “Luce e Ombro” e, posteriormente, na Ricerca Psichica., eram artigo de polêmica, que tinham por objetivo
demonstrar o erro flagrante em que incidiam os propugnadores de várias teorias,
mais ou menos científicas, e que procuravam com elas afugentar o espantalho da
comunicabilidade dos mortos.
Bozzano não os poupava. A sua
linguagem era sempre elevada; nunca descaiu da linha impecável de um
cavalheiro; os seus argumentos, porém, se tornavam arrasadores. Ninguém lhes
resistia; raríssimos tinham a coragem de voltar à peleja para os afrontar. Ele
foi a maior clava lançada contra o sofisma, os artifícios, as construções
engenhosas, o jogo de palavras, a má fé, o conservantismo.
Por vezes, sua pena era enérgica; entretanto, nunca foi
contundente. Pelejou contra os maiores adversários do Espiritismo, sem que
descesse jamais do terreno sereno, honesto da argumentação. Enfrentou o mais
temível contraditor, o Dr. Eugène Osty, diretor do Instituto Metapsíquico Internacional,
médico de inestimável valor, com grande poder de lógica, mas que não perdia a
oportunidade de mostrar que os fenômenos supranormais tinham outras causas, que
não aquelas apresentadas pelos espiritistas. E navegara este, desassombrado,
durante vários anos nesse oceano tão do gosto dos antagonistas das “almas do
outro mundo”, quando Bozzano lhe surgiu pela frente e deixou patente a
inanidade do seu raciocínio e do seu esforço anti-espírita.
Foi um gigante nas letras psíquicas.
Possuía todos os nobres requisitos de um polemista de escol: Inteligência,
conhecimento, lógica, linguagem, polidez.
O professor Bragadini desejou um dia
saber como Bozzano, filósofo materialista que era, se havia interessado pelas
ciências psíquicas. E o mestre respondeu-lhe de bom grado, visto que, dizia ele,
“as conversões filosóficas contém sempre ensinos preciosos.” E dizia bem, - conversões
filosóficas, - porque, no seu caso, “tratava-se
de uma conversão, em toda a acepção do termo".
Nascido em Genova, em 1862, teve uma
vida vazia de acontecimentos sensacionais. Estudava sempre. Já na adolescência,
sentia que os ramos do saber humano tinham sobre seu espírito fascinação irresistível.
Desde cedo, procurou penetrar no mistério do ser humano, e isto se tornou para ele
uma paixão absorvente. Aos 15 anos, sua razão rebelava-se contra toda à crença
proveniente de um ato de fé. Procurou penetrar no pensamento dos grandes
filósofos como PIatão, Hegel, Descartes, Lotze, Rosmini, Giobertl.
Tomava-o o abismo da dúvida, e os
postulados da metafisica lhe pareciam outros tantos atos de fé; voltou-se para
a filosofia científica e releu Buchner, Moleschott, Vogt, Feuerbach, Haeckel,
Comte, Taine, Guyau, Le Dantec, Morselli, - com quem viria contender mais
tarde, - Sergi, Ardigo, Herbert Spencer e outros.
Este último empolgou-o; pareceu-lhe
que o positivismo mecanicista de Spencer continha toda a verdade que ele
sofregamente buscava. Tornou-se um positivista, e discutia com os que ousavam
contestar os postulados mecanicistas. Parecia-lhe impossível houvesse pessoas
de senso, medianamente cultivadas, capazes de crer na sobrevivência da alma. E
não só assim pensava, como o dizia e escrevia.
Esse passado filosófico, em que
mergulhou durante 10 anos - diz Bozzano - tornou-o indulgente e tolerante para
uma classe especial de adversários que supõem poder refutar as conclusões
rigorosamente experimentais extraídas dos fatos estudados pelos espiritistas de hoje, lhes opondo os preceitos da
biologia, da fisiologia, da psicologia e a sua pretendida eficácia
demonstrativa, na qual também ele acreditara, e o acreditaria ainda, “se no
horizonte do saber humano não tivesse surgido a aurora de uma ciência nova, que
dominava as demais, - a metapsíquica, denominada pelo prof. Richet - a “Rainha
das Ciências”, mas que a posteridade chamará - a “Ciência da Alma”.
Ribot lhe enviou certa vez uns
números dos Anais das Ciências Psíquicas; os primeiros fascículos produziram-lhe
desastrosa impressão; mais tarde vira um artigo do prof. Rosembach, que se
revoltava contra a intrusão, na ciência, de um novo misticismo, e explicava ele
os novos fatos pela hipótese alucinatória, combinada com as coincidências
fortuitas, as imaginações exaltadas e assim por diante.
Tão insustentável lhe pareceu essa
refutação, que produziu no filósofo o efeito contrário a que se propunha o
refutador.
Começou, então, a interessar-se pelo
psiquismo, ”e, sem disso ter consciência, estava na estrada de Damasco.”
O volume de Aksakoff foi a primeira
obra a abalar profundamente a solidez da sua fé positivista; seguiram-se
outras; foi uma época penosa de perturbação moral, “porque ele assistia,
desencorajado, ao desabamento dum sistema de convicções filosóficas adquiridas
à custa de longas meditações, e às quais a adaptação psicológica e ética do seu
espírito já se tinha afeito.”
Procurou remontar às origens do
movimento espírita. Pediu as principais obras, nos grandes centros. Catalogava,
então, o conteúdo das obras por meio de um repertório alfabético com a intenção
de se servir desses índices para a análise comparada dos fatos e dos quadros
sintéticos, os quais deveriam conduzi-lo à convergência das provas, - critério
superior de qualquer inquérito científico.
E foi nessa base que ele assentou suas novas convicções
espiritualistas.
Estabelecida uma sólida cultura no
assunto, entregou-se às pesquisas experimentais. Fundou com Venzano, Peretti e
Arnaldo Vassalo, em Gênova, a Sociedade
de Estudos Psíquicos, mais tarde Centro
Científico Minerva. Eram 70 os membros, e não foi difícil descobrir que,
entre eles, havia poderosos médiuns. Vieram depois as experiências com Eusápia
Paladino, onde foram obtidos, em onze meses, “o que a médium pode oferecer de
melhor em sua vida”. O resultado desses trabalhos expô-los Bozzano na sua obra “A Hipótese Espírita e as teorias científicas”.
Chegou Bozzano, finalmente e
firmemente, à seguinte conclusão:
“Todo aquele que, em
lugar de perder-se em discussões ociosas, empreender pesquisas sistemáticas e
nelas perseverar, acabará por se convencer que os fenômenos supranormais
constituem um complexo de provas animistas e espiritistas, que todas convergem
para uma demonstração rigorosamente científica da existência e da sobrevivência
da alma humana.”
*
Bozzano, durante mais de 40 anos, acumulara os fatos do psiquismo e neles é que assentava sua vigorosa construção. Era sulla base dei fatti, como se exprimia, que repousava a sua crença, e daquela base inexpugnável não havia forças capazes de o desalojarem.”
Durante sua vida, acumulou e
classificou as provas que constituem hoje o alicerce de sua obra monumental. Ele
deixou para mais de 70 monografias e cada uma delas constitui demonstração
irrecusável da sobrevivência. Todas reunidas formam um feixe irresistível, uma
documentação cerrada, um desses trabalhos imperecíveis, que atravessam os
séculos, lançando o mesmo brilho que as estrelas fulgurantes lançam através do
espaço, muitos milênios depois de sua morte.
Poucos lutadores tiveram o fôlego de Bozzano, sua
capacidade de trabalho, seu poder de indução e dedução, sua paciência de
pesquisador, sua dedicação ao estudo, seu amor à boa causa, sua fé de apóstolo.
Queremos tratar, ainda, de um feitio
especial de seu espírito: - o desinteresse, o desprendimento dos bens
materiais. Poderia ganhar uma fortuna com seus escritos.
Era conhecido em todas as partes do
mundo; todos os espíritas o estimavam e admiravam;
os adversários reverenciavam-no; os inimigos da doutrina temiam-no. Teria, se
quisesse, auferido grandes lucros. Mas tudo ele dava. Concedia direitos de
tradução e impressão do inesgotável documentário que eram os seus livros sem
nada pedir em troca. Era a cessão gratuita, era o desprendimento evangélico,
era o altruísmo que leva as almas ao Senhor. Seu trabalho mental, seu esforço
intelectual, o labor ininterrupto de vários decênios tornou-se patrimônio da
humanidade.
Nada menos certo. Ele apenas se
opunha a que o Espiritismo se confinasse numa única religião, ou dela adotasse
os princípios formalísticos. O que ele achava e até foi motivo de uma tese, é
que era tal a amplitude do Espiritismo, que abrangia todas as religiões, sendo
como um imenso vestíbulo por onde podiam entrar os grandes princípios e as leis
imutáveis do Criador, qualquer que fosse a doutrina religiosa donde emanassem.
Finalizando este artigo, conviria lembrar um rápido esboço
da obra de Bozzano, e umas rápidas vistas sobre o autor, feita por Ismael Gomes
Braga na “Luz deI Porvenir”, em Maio
de 1934.
Autêntico
homem de ciência, incansável compilador e classificador de fatos, nada parece
indigno de estudo meticuloso, de análise atenta ao espírito perspicaz do
campeão da tese - O animismo prova o Espiritismo.
Vemo-lo
reunir fatos tomados nos povos primitivos, aos animais, às coisas mais
desconcertantes: psicometria, licantropia, precognição, obsessão e assombração,
pensamento e vontade, como forças modeladoras e organizadoras da matéria,
profecias.
Simultaneamente,
refuta, de maneira definitiva, as obras dos inimigos do Espiritismo, em todos
os domínios do pensamento, e sempre com admirável generosidade. Sabe reconhecer
o mérito dos adversários, característica dos grandes espíritos que entrevem
horizontes insuspeitos do homem vulgar.
Vemo-lo
reconhecer, ainda, a probidade do negativista obstinado René Sudre, admirar a
profundeza de Morselli, reconhecer a erudição de AIfano, encantar-se com a filosofia
de Spencer. Ele vê em tudo uma parte do belo, como acontece aos que se elevam
acima da mediocridade.
A
Inteligência prodigiosa de que é dotado permite-lhe ter em mãos a mais
espantosa classificação de fatos produzidos no mundo inteiro, durante mais de
80 anos, e poder com eles responder a todos os ataques contra o Espiritismo,
venham de onde vier.”
Deixa em língua portuguesa, além das
monografias citadas, ‘Os Fenômenos de Bilocação’,
‘A Crise da Morte’, ‘Xenoglossia’, ‘Os Fenômenos psíquicos no momento da morte’,
todos traduzidos pela Federação, além de outros trabalhos traduzidos por
diversos confrades.
A morte de Bozzano causou sincera
tristeza entre os espíritas brasileiros, que não cansavam de admira-lo como
trabalhador, de segui-lo como mestre de estimá-lo como confrade.
Conforta-nos a certeza de que ele
continuará no Espaço a gloriosa missão que tão bem manteve na Terra, mas o seu
desaparecimento produz em nossos olhos uma espécie de escuridão, como aquela
que nos é deixada depois da visão deslumbrante de um meteoro.
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