sábado, 6 de fevereiro de 2021

O Batismo

 

O Batismo     

A Redação    Reformador (FEB) 16 Janeiro 1919

             “Em verdade, em verdade te digo: se o homem não renascer pela água e pelo espírito, não pode entrar no reino dos céus.” João, Cap. II, V. 5.

             Foram estas as palavras do Divino Mestre a Nicodemos, que serviram e ainda servem de fulcro à cerimônia que a Igreja Católica instituiu como sacramento imprescritível.

            Nisto, aliás como em tudo que forma o seu cânone para não falir a regra de todos os tempos, os teólogos sectários sacrificaram à letra que mata o espírito que vivifica.

            E da exegese apaixonada e tendenciosa surdio, então, como flor de estação fria e nebulosa, em sentido inverso, inexpressivo e turbido (turvo) o conceito da salvação da alma numa graça toda eventual, subordinada a fórmulas de certo valiosas ao tempo de sua instituição, pelo simbolismo que representavam, mas que hoje perderam inteiramente a sua razão de ser.

            Entretanto, da mais rigorosa ortodoxia eclesiástica é a afirmativa de que Deus cria a alma para o corpo que ela deve habitar em uma existência única.

            Não se compreende assim, como da Onisciência Divina possa originar-se um ser inquinado de mácula e, ao demais, desigual ao infinito nos seus predicados essenciais de reabilitação.

            Pecado original?

            Mas, para admiti-lo como pontifica a Igreja, fora de mister renunciar em bloco àquelas palavras outras do mesmo Cristo no versículo seguinte ao supracitado, que dizem: “O que é nascido da carne é carne e o que é nascido de espírito é espírito.”

            Logo, portanto, a quem estuda os Evangelhos sem o prejuízo dogmático que tudo relega ao cômodo e absurdo magister dixit é lícito concluir que não responde o corpo por faltas do espirito, se faltas se pudessem atribuir a este, hereditariamente, quando ex-abrupto criado à revelia de toda a vontade e consciência próprias...

            Que, dentro das leis biológicas, a hereditariedade seja um fato e fato comprovado pela ciência, admite-se; mas, que ao espírito inédito, abrolhado à vida por um mistério insondável da Onipotência Divina se irroguem faltas a priore é coisa que mal se concebe ou, antes, que só se pode conceber pela frivolidade de consciências acomodatícias e negligentes no encararem estes problemas transcendentais.

            A cada época o seu ensino, em linguagem equivalente à sua cultura moral e científica, eis o que nos dizem agora os portadores da Boa Nova.

            O Precursor batizava em água preparando a geração do seu tempo para a compreensão do batismo do espírito em nossos dias. E se assim o fazia, acrescentam, é porque nesse tempo conformemente com as interpretações científicas para os Hebreus consoante as tradições da Gênesis (1), a água era considerada como princípio gerador dos reinos orgânico e inorgânico.

                 (1) Gênesis - C.I VV. 2-6-7-9-10-11-20 e Caps. 11-1-4-5-6-7.

             De notar é também que, ainda hoje, célebres naturalistas - como Haekel e outros consideram a monera, princípio vital, como germinativo inerente dos meios líquidos.  

            Seria o caso do nihil sub sole novum  (nada de novo sob o sol).

            De qualquer forma, porém a verdade é que o Batista não levava simbolicamente ao Jordão imbele (frágeis) criancinhas incapazes de compreender o símbolo.

            Aqueles que aceitavam a sua doutrina - a dos essênios - e pela penitência e propiciavam ao batismo do Espírito isto é, a receberem o Cristo, ele os batizava entornando lhes água sobre a cabeça para que renascessem por ela e pelo espírito, e não do Espírito Santo, como afirma a Igreja alterando o texto original das palavras de Jesus.

            Mas, admitindo-se que o batismo tal com o praticam as seitas neo cristãs, inclusive o catolicismo aberrante tenha a virtude de expungjr (eliminar) o estigma do pecado original  inconcebível dentro da lógica e do bom senso, ainda assim, pergunta-se: será cristão aquele  que, lavado e ungido no batistério, cria-se na impiedade e degenera em fanático por amor a fórmulas vãs, quando as não renega de todo para ser o homem moderno, armado para todos os triunfos e conquistas de um mundo que o Cristo dizia lhe não pertencer?

            Ninguém de boa-fé o dirá, mas a verdade é que todo o mundo continua a considerar pagão e renegado aquele que se não submete a fórmulas arcaicas e balofas duma liturgia inexpressiva, embora praticando obras de piedade e tolerância.

            E o que mais contrista é ver que espíritas, confrades nossos ainda vacilam na conduta que se lhes impõe em relação à respectiva prole.

            Isto significa simplesmente a força da tradição e do preconceito secularmente zelados pelo clero suspicaz (suspeito) e cioso de prerrogativas que criou de épocas em que elas poderiam justificar-se, mas que hoje perderam a sua razão de ser e hão de fatalmente anular-se pela nova ordem de coisas que o Espírito Santo (os espíritos elevados) vem inaugurar explicando racionalmente o simbolismo evangélico.

            Checada é a época ele serem ditas aquelas coisas que o Divino Mestre calou, por não estarem os seus coevos (contemporâneos) em estado de as compreender e para elucidação das quais enviaria o Consolador. (1)

             (1) João Cap. XVI – v.12

             Vejamos portanto, o que nos dizem os Evangelistas:

             “Assim, renascer pela água quer dizer renascer em novo corpo, e renascer pelo espírito o habitá-lo.” (2)

            (2) Roustaing-3º volume pag. 225.

             Era justamente da pluralidade das existências corporais que Jesus falava veladamente a Nicodemos, e isso que era com é, um fato hoje unanimemente proclamado pelos espíritos, tornou-se uma heresia para os que atribuíram a investidura única de únicos depositários e intérpretes da ciência divina.

             “Tempora mutantur”! (“os tempos mudam” ou “os tempos mudaram”)

             Hoje ninguém concebe privilégios tais de casta e aptidões graciosas: hoje todo o mundo admite que o homem só pode ser responsável por atos praticados livre e conscientemente, mas prossegue-se na subordinação cega a hábitos e costumes de longada praticados na mesma inconsciência de há vinte séculos, quando não no temor desse mesmo ódio sectário, que plantou a jornada grandiosa do Calvário.

             Espíritas, compenetremo-nos nós outros de que é preciso haver por oportuna ainda, aquela voz que clamava no deserto o – penitte. (penitenciar?)

             Penitenciar-nos é trabalhar, é estudar, é amar, é praticar os ensinos de Jesus.

            É na exemplificação das virtudes domésticas que importa batizar os nossos filhos, preparando-os em tarefa de lapidário paciente para o renascimento do espírito, ou seja para a graduação moral do planeta em melhoradas e sucessivas encarnações.

             Lavar um vaso exteriormente não é modificar lhe a essência.

            As cerimônias de caráter material podem, a rigor, valer relativamente pela significação moral que lhes emprestamos, mas não modificam substancialmente o espírito e a prova é que depois de vinte séculos de afusões (banhos), unções e aspersões simbólicas, a humanidade se debate em angústias indefiníveis, lembrando aquele fariseu meticuloso e mesureiro (bajulador, servil), requintado no seu formalismo ortodoxo mas porejando orgulho vanilóquios (falas sem sentido).

            Batizemos os nossos filhos em nome do Padre, sim, incutindo-lhes o amor de Deus sobre todas as coisas - em nome do Filho, ainda, lançando lhes na alma, da mais tenra idade o gérmen do amor do próximo, qual viva expressão de toda a Lei e os Profetas e em nome do Espírito Santo, também, preparando-os para receber os espíritos de luz que ora se abatem obre a Terra em revoadas de graças, para levantar a criatura do volutabro (lamaçal) das próprias paixões, do pecado original do seu orgulho para a compreensão em espírito e verdade das coisas santas, do Verbo de Deus.

            Tudo que não seja isso será iludir-nos à nós mesmos, com a agravante do acréscimo de responsabilidades decorrentes daquela palavra que diz: “muito se pedirá a aquém muito se houver dado e a quem pouco tiver tudo se tirará.”

            Aquele espírito austero e cristianíssimo que se chamou entre os homens Bittencourt Sampaio, em uma de suas obras mediúnicas lançadas no Grupo Ismael (4) verberando a indecisão e transigência em matéria de Fé, reproduz a apóstrofe dirigida à igreja de Laodicéia: sei as suas obras: não és quente nem frio. És morno.

                 (4) “Do Calvário ao Apocalipse”. Pág.230

            Não sejamos mornos também nós outros. Os frios pela renúncia literal de princípios que não temos a coragem moral de sustentar, ou quentes pela coerência dos nossos atos, extremados do sacrifício, embora, mas dentro da lei do amor.

            Aceitando a Revelação Espírita como desdobramento lógico da Revelação Messiânica, ou aceitamos integralmente os seus preceitos demonstrando lhes a eficiência prática ou renunciamos ao qualificativo de espíritas.

            Ser e não ser, não pode ser. Ou quente ou frio: morto é que não.


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