terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Pactos, sínteses e utopias

 

Pactos, sínteses e utopias...

por Luciano dos Anjos  Reformador (FEB) Março 1968

           Sou autor de alguns escorços feitos para a Escola Superior de Guerra sobre “O Poder Nacional”, “Desenvolvimento e Segurança Nacional”, “Planejamento da Segurança Nacional (Informação e Contra-Informação)”, “Conceito de Mobilização Nacional” , “Análise de Assistência Social no Espírito Santo”, “Nossa Política de Exportação e a Balança de Pagamento”, “Manganês do Amapá: Um Acontecimento Sócio-Econômico” e “Os Objetivos Nacionais Permanentes”.

            Em “Desenvolvimento e Segurança Nacional” a temática conduz ao exame das aspirações de natureza vital ou de sobrevivência na vida das Nações sintetizadas nos chamados Objetivos Nacionais Permanentes, por sua vez conquistáveis através da elaboração inteligente duma Política Nacional. Esta se desdobra em Política de Desenvolvimento e Política de Desenvolvimento Nacional. Alguns estudiosos consideram superada a ideia de que as Nações possam isoladamente preservar a sua segurança.

Argumentam, talvez com muita razão, que o problema da segurança deve ser no mando de hoje encarado coletivamente. Citam como fruto dessa realidade a multiplicidade de órgãos como a ONU, a OEA, a OTAN, etc.

            Antes de prosseguir, devo registar alguns importantes aspectos preliminares e muito pessoais, Não sou militar, nenhum problema da nossa segurança nacional depende da minha humilde e insignificante pessoa, não tenho atuação direta em política, nada tenho a dizer aqui sobre questões que, afinal, devem ser analisadas por quem tem a autoridade que eu não tenho e que absolutamente não dizem respeito ao Espiritismo. Sou um simples e apagado jornalista que tem, naturalmente, a sua opinião própria sobre os problemas nacionais e internacionais, opinião porém que nada pesa no conceito das nossas autoridades Não tenho influência nenhuma. A rigor, acho que tais assuntos estão em mãos de quem os deve conhecer, por dever de ofício. Confio em nossos dirigentes. Confio nos governos. Um presidente só chega a ser presidente se assim é do programa do Alto . Ninguém é Chefe de Estado por acaso. Se falha na sua missão, é afastado, variando a forma do afastamento conforme seus compromissos cármicos. Assim, no meu entender, todo Governo deve ser respeitado, acatado, compreendido. No mais, Espiritismo e Política são incompatíveis.  Apenas aproveitei essas apreciações iniciais para tentar um paralelo com outro assunto - este sim, de nossa ingerência - e que diz respeito ao Conselho Federativo Nacional da FEB, e ao Pacto Áureo.

            Teria andado mal a FEB no seu esforço de inspirar-se nos ideais do inesquecível Bezerra de Menezes e de buscar com isso a união dos espíritas através da unificação?  Seria incongruente o Pacto Áureo, porque não se pactuam entre si partes heterogêneas. Na minha opinião - não. Penso que a FEB andou certíssima e que a união independe completamente de quaisquer reformulações do Pacto Áureo. Aliás, raciocino precisamente nestes termos: primeiro é preciso unificar; depois buscaremos a união. A pretensão inversa seria absolutamente inexequível, se não fosse, antes de tudo, um erro técnico. Inexequível porque jamais, em qualquer lugar do mundo, em qualquer núcleo humano se conseguirá a união de todas as criaturas em torno dum mesmo comportamento. Nisso o Espiritismo é mais do que sábio: liberou o homem, “a priori”, de pensar livremente; até mesmo em relação à aplicação dos seus próprios postulados. “Constranger os homens a procederem em desacordo com o seu modo de pensar - ensina “0 Livro dos Espíritos” - é fazê-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso” (questão n" 837).

            Por isso a FEB, ao elaborar o Pacto Áureo, cuidou da forma apenas, sem entrar, em nenhum dos seus artigos, nos aspectos doutrinários. O Pacto Áureo é, pois, uma unificação indispensável, visando à união Esse é o caminho mais atualizado, mais evoluído empregado pelas Nações e que resulta inclusive das mais duras experiências, durante as quais não faltaram sequer as guerras fratricidas. É certo que a unificação em torno da Liga das Nações mostrou-se ineficaz em 1939; mas nunca se poderá afirmar, de consciência tranquila, até onde precisamente foi inoperante ou inoportuna. Afinal, quem se abalança a provar que a guerra não foi sucessivamente protraída (protrair = tirar prá fora) graças àquela entidade internacional? Quanto não terão sido mais rápidos do que ela as largas passadas de Cbamberlain, indo e vindo, de guarda-chuva na mão, até que sofresse a traição final. E, apesar desta, se podemos historiar e lamentar o fracasso derradeiro da Liga, nem por isso a tese que a ensejou foi abandonada. Em 1945, dentro das mesmas coordenadas de ação, surgiria a ONU. É o atestado de que não existe, pelo menos por enquanto, melhor conceito de entendimento do que a unificação das nações, embora isto nem sempre signifique a união das Nações, muito pelo contrário: união (embora infelizmente) é a única coisa que não existe. Mas a unificação é a única coisa capaz de permitir a coexistência. E, em outros escalões, o problema é sempre posto da mesma forma. A OEA chama ao concerto as Nações americanas; a OTAN equilibra as ações de governos na sobrevivência dos países do Atlântico Norte; a SEATO reuniu interesses no Tratado do Sudeste Asiático; a ODECA organiza os Estados Centro-Americanos; etc. Não esqueçamos também o histórico “Congresso dos Povos pela Paz” realizado em Dezembro de 1952, cujas resoluções conduziram a “um pacto de paz entre as cinco grandes potências: Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, China e França”. Ali, como em todos os demais órgãos similares, prevaleceu a ideia de que as desconcórdias devem ser sempre resolvidas através das negociações nunca pela violência. Já antes funcionara o “Conselho Mundial da Paz” com os mesmos objetivos. Tanto a este quanto àquele é devido o armistício da Coreia, cujo impasse foi debatido sem qualquer entonação partidária, possibilitando por cobro a uma sangrenta e odiosa luta de extermínio.

            Penso que o Pacto Áureo é a resultante sadia dum processo histórico em que Bezerra de Menezes acabou - mal comparando - fazendo de Hegel na conceituação dialética dos problemas surgidos desde a sua época, como presidente da FEB. A verdade é que havia dois grupos em oposição, figurando nos seus antagonismos ora a tese ora a antítese do movimento espírita no Brasil. O Pacto Áureo abrotou tempos depois como síntese fatal, inevitável e irrecorrível. É bom que se diga que nesse processo histórico mais que nunca a direção do Alto - ou, mais precisamente, de Ismael - se fez sentir. Afinal, estava em jogo o futuro da Doutrina Espírita, ameaçada de esfrangalhar-se pelos embates de grupos que, talvez por natural estado encarnatório, não conseguiam compreender a realidade do ponto de vista da Espiritualidade. Mas a Terceira Revelação não podia, em si, ficar comprometida. Por isso, sob as vistas de Ismael, desenrolou-se a contento o inexorável processo, cujo corolário haveria de ser o Pacto Áureo.

            Poder-se-ia arguir que esse processo está em meio, e que pode ainda evolver para uma fase ulterior. Quanto a esta hipótese, é bom que se recorde que nem Hegel - de quem me estou socorrendo - foi muito convincente na abstração quase sempre obscura do seu pensamento, aliás profundamente infiltrado do subjetivismo kantista. Ele mesmo se lamentara: “Não há mais que um homem que me tenha compreendido e este mesmo não me compreendeu”...

            Aprofundemos o problema, considerando-o em termos mais amplos e mais gerais, para melhor equacioná-lo. Deixemos momentaneamente a periferia para entrar no núcleo. Assim, raciocinando em termos paralelos, aqueles que situei até aqui, porém adentrando-se mais na Fílosofia, creio firmemente que a tese do cientificismo extremado, em oposição à antítese do espiritismo místico, fundiram-se, conciliaram-se e evoluíram (ou estão evoluindo) para o Espiritismo (Cristianismo Puro). Se pensarmos num desdobramento ulterior e infindável do processo (e admito que até Hegel pensasse nele, não obstante ter acreditado que depois da revolução alemã de 1830 ele houvesse finalmente encontrado a ventura da paz, portanto, a derradeira etapa do processo social... estaríamos então fatalmente admitindo também uma revisão do Espiritismo ou do Cristianismo.

            Onde iríamos parar?

            Por outro lado, não me aproveitem as palavras para argumentar com Marx, buscando conciliá-las com os caminhos políticos extremistas e violentos aventados pelo grande pensador alemão. É óbvio - deixe-me adverti-lo logo - que a Doutrina Espírita não admite as lutas de classes, as quais Marx e Engels colocaram como ponto de partida da sua síntese comunista. Fizeram-no - é sabido - abandonando de certa forma os princípios de Hegel, tanto que, enquanto este admitia a unidade absoluta com Deus, aqueles fizeram gerar o materialismo histórico. A chamada “Esquerda Hegeliana” acabou desenvolvendo sistemas secundários de tolo anti-cristianismo, de frágil panteísmo e ridículo ateísmo. Afinal, houve também um Goschel, um Rosenkranz, um Fichte (que encontrou até o caminho da doutrina da Providência, nas ideias de Hegel), um Erdmann, e até católicos como Gunther e Frohschammer, que viram no hegelianismo uma base de princípios muito boa para os ensinamentos cristãos... Como se pode deduzir, a dialética de Hegel tem muitas facetas. Arremato, acentuando que, dentro da conceituação espírita - e consequentemente cristã. - a salvação é processo inalienável. Os arroubos dum coletivismo tantas vezes sonhado ao lado duma distribuição absolutamente uniforme de todas as riquezas, esbarraria na Doutrina Espírita que, muito judiciosamente, revela a quimera dessas soluções principalmente quando buscadas pela violência (vide “O Livro dos Espíritos”, questão nº 811). Além do que, se Marx e Engels adaptaram Hegel a seu modo, Engels e Marx foram ainda muito mais adaptados por Lenine.

             Mas, não quero digressionar demasiadamente. Voltemos à periferia e vamos ao epílogo. Em termos de conteúdo, de substância, tenho para mim que o Espiritismo é síntese derradeira na sua mais bela evolução hegeliana. E, em padrões de forma, de método, de programa, o Pacto Áureo é síntese na sua mais alta expressão de entendimento humano. Haja vista os frutos que já ofereceu nesses longos anos de aplicação e que dão a medida justa da sua eficácia. Quanto às querelas sobre união e unificação, as mais modernas técnicas de coexistência têm demonstrado sobejamente que a unificação deve vir sempre na frente da união. Assim pensam, por exemplo, todos os países membros da ONU. O inverso é utopia que não conseguiria resistir ao mais simples argumento, muito menos ao rigor da experiência. O que é pior: utopia anticientífica e dialeticamente absurda.

            Afinal, são 18 anos de verdadeira confraternização, do que se conclui que FINIS CORONAT OPUS... (o fim coroa a obra)

 


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