terça-feira, 20 de outubro de 2020

O Suicídio

 


O Suicídio   

por A Redação / Bitencourt Sampaio (Espírito)

Reformador (FEB) Junho 1924

             Se algum livro, folheto ou opúsculo há que mereça amplíssima divulgação, sucessivas e intermináveis edições, é esse que há anos publicou sob o título acima, o nosso devotado e saudoso confrade Francisco Chaves, que hoje frui no mundo espiritual o prêmio do seu esforço por afastar da senda do maior dos crimes os seus irmãos da terra.

            Abrindo com o incomparável ditado do Espírito de Camillo Castello Branco, dirigido ao seu amigo Silva Pinto que pensava em suicidar-se, o volumezinho de Francisco Chaves contém, ora resumida, ora desenvolvidamente, o que a doutrina espírita ensina, com relação a esse ato de fraqueza, de desespero e, sobretudo, de incredulidade, que se chama - suicídio, cujas consequências, no mundo da verdade, são as mais horríveis e dolorosas a que se pode condenar o ser humano. De par com o que a doutrina expõe a cerca de tão nefando atentado, o maior de todos, contra as leis divinas, emanadas do amor infinito, o folheto a que nos referimos corrobora os ensinos doutrinários com o testemunho dos que, como o grande escritor cujo nome vimos de citar, puderam verificar a realidade da desgraça imensa que é o suicídio.

            A obrinha de Francisco Chaves (1) é, pois, também, como se vê desde logo, excelente repositório do que de melhor se pode responder em breves palavras aos que, no insano propósito de combater o Espiritismo, vivem a alegar, por ignorância, ou por felonia (crueldade), que ele é caminho franco para o suicídio, quando a realidade é que ainda nenhuma doutrina, filosofia ou credo religioso conseguiu fundam entrar a condenação desse ato funestíssimo pela maneira irretorquível por que o faz o Espiritismo, que apoia a sua profligação (derrota) na mais eloquente das provas - a dos fatos.

 

                (1) Do blog: Não encontramos a obra citada em nenhuma de nossas fontes. Caso o leitor disponha de um exemplar em sua biblioteca solicitamos contato pela gentileza de uma cópia. Grato.

 

            Bem compreendendo tudo isso e sentindo viva a necessidade de colocar em todas as mãos um livrinho tão útil e tão benéfico, nesta época em que, entre nós como por toda a parte, se observa o que se poderia chamar a epidemia do suicídio, o nosso prezado companheiro Frederico Fígner teve a feliz e generosa inspiração de mandar fazer, por sua conta, larga reedição do precioso volume, para distribui-lo copiosamente.

            Querendo, porém, que a nova edição trouxesse alguma coisa de novo e, mais ainda, alguma coisa que aumentasse o valor já não pequeno da caridosa obra de Francisco Chaves lembrou-se aquele companheiro de pedir ao bondoso Espírito de Bittencourt Sampaio, esteio dos mais fortes da Federação no mundo espiritual, um prefácio ou prólogo para o volume que se está reimprimindo. Aquiescendo, como era de esperar, a essa justificada solicitação, Bittencourt Sampaio prometeu que daria o que desejava Fígner e com ele os seus companheiros desta casa. Cumprindo a promessa, ditou a página que adiante se vai ler e que, antes de realçar o valor da obra a que se destina, dará às colunas desta revista um brilho e um relevo que lhe não são habituais.

            Eis o que disse o luminoso Espírito, a quem tantos benefícios e tão caridosa assistência devem os que mourejam nesta oficina de trabalho espiritual, que é a Federação:

 ADVERTÊNCIA AOS QUE DESESPERAM

             Vai, ó criatura, e conquista, com o suor de teu rosto, o pão de cada dia.

            Palmilha, passo a passo, a via dolorosa da expiação para limpares teu Espírito das manchas que o cobrem. Eis a exortação que ao Espírito fazem os que velam pelo seu progresso, quando a lei das existências várias o arroja a tomar a libré da terra.

            E porque vez o Espírito à masmorra da carne? Será por um capricho da Divindade? Será por uma manifestação da cólera divina, que os pretensos representantes de Deus lhe atribuem para manterem, em seu proveito, presa a humanidade ao terror supersticioso? Não, o Espírito delinquente, aquele que um dia olvidou a lei do amor que esqueceu a sua origem, que fez tábua rasa (esqueceu) da humildade, esse sim, é condenado à estação de cura, pelas paragens da dor. E nada, que não ela, o pode libertar dessa lei, que é a manifestação mais lídima do amor do Deus.

            Se as religiões radicadas nas massas ensinassem ao homem a razão de ser da dor, se lhe mostrassem a dupla significação das lágrimas, que tanto podem ser a expressão de um sofrimento horrível, como a cristalização da alegria mais pura do Espírito cheio de gratidão, por certo, livros como este não precisariam ser espalhados em nossos dias. Mas... não é aqui o lugar próprio para grafar em letras candentes a responsabilidade que pesa sobre os ombros dos primeiros convidados para o banquete do Pai de Família.

            A amizade de um irmão dedicado quis colocar o meu nome no frontispício desta obra. Esse desejo traduz mais uma prova de afeto, a que prazerosamente correspondo, do que necessidade de valorizar a obra, já de si mesma tão valiosa, pelo seu contexto. Quero, apenas, dizer o que meu Espírito sabe destas coisas; quero bradar aos incautos, que caminham na vida conduzidos por cegos, que o fosso os espera, se não se precaverem da companhia. Isto tenho de o dizer com o Evangelho na mão, porque só esse é o roteiro capaz de levar a porto seguro a nau da vida.

            Não valem sofismas, não colhem subterfúgios, nem há ritos, nem dogmas, nem fórmulas, nem aberrações que evitem o exato cumprimento da lei. A vida do homem é divina, porque é criação e desígnio do Ser Supremo. Ele no-la dá, Ele no-la mantém e quer somente com ela e por ela a purificação do delinquente. Como, pois, fugir à dor física, ao opróbio (vexame), a desonra, se esse foi o ferrete que nodoou o nosso Espírito, marcando-o, até que a purificação apague o estigma? Como evitar a chaga, quando o sentimento destila veneno que empeçonha a alma?

            Insensatos, que desprezam o único meio de regeneração que a misericórdia lhes concede em meio de sua desdita! Cegos, que têm o remédio nas mãos e o deixam escapar ofuscados pela tentação da liberdade, uma liberdade que a falta de fé mal lhes deixa vislumbrar!

            Eu, porém, digo a quem me ler: só há uma saída para o prisioneiro da dor; só há uma chave para abrir a porta do cárcere expiatório - é a resignação; é aceitar a vida terrena tal qual seja, dolorosa, rude, cheia de pesares e desilusões.

 *

             Pretendia apenas colocar ao lado do de Camilo o meu nome; com isto teria dito tudo quanto poderia dizer sobre tão relevante assunto. Suas “Palavras aos Desgraçados” são um grito da experiência, são o brado da sinceridade que a sua consciência de Espírito arrependido soltou aos quatro ventos, a fim de ser ouvido pelos tentados à deserção do campo da luta. Ele disse, enumerando os crimes mais hediondos que podem aculcar (?) a consciência de um filho de Deus: “o suicídio é a suprema ofensa a Deus.” De fato, ninguém definirá melhor, ninguém poderia ligar palavras que exprimissem tão ao vivo o que representa esse crime para a vida do Espírito. Pintando com cores carregadas a região onde choram os desgraçados falidos, disse, com aquela sinceridade tão sua, que nem o Dante soube combinar as tintas para patentear aos olhos humanos o quadro que se defronta ao suicida, ao ingressar nas regiões do Infinito.

            Poderia eu dizer mais? Não, nem creio mesmo que alguém pudesse faze-lo, de modo a melhor calar no ânimo dos que aí são levados à tentação, pelo peso do fardo que não sabem tornar leve.

            Mas, e não posso tornar mais tétrico o quadro, permite, no entanto, o Senhor eu Deus que o servo possa tornar mais suave as tintas da paisagem triste, que leva o Espírito inclinado ao máximo crime a descrer da própria salvação. Permite o meu Senhor que eu diga ao peregrino da dor: Sofreia as tuas cogitações pessimistas e olha para as aves que te cercam, para a vegetação que te rodeia, para esse ar festivo que a Natureza ostenta, É a mão do Criador que aí se patenteia! Nesse ritmo perfeito, que tudo move e tudo regula, está a ação da invisível Vontade que domina sobre tudo quanto é criado.

            Detém-te, pois, nas tuas cogitações pessimistas, mísero pecador; dá novo rumo ao teu pensamento. Leva-o para o seio de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aí, aguarda a voz do teu guia e ele te dirá: “Será possível que a mão que veste de galas a erva do prado e põe na garganta dos pássaros o gorjeio de alegria possa ferir-te, a ti criatura dotada de livre arbítrio? Dirá mais essa voz amiga: “Penetra, sofredor, no âmago de ti mesmo e procura no teu sentimento pecaminoso a causa do teu sofrer. Então, sim, poderás compreender a dor, bendize-la mesmo, porque só ela será capaz de fazer brotar no teu Espírito alvoradas sem fim.”

            Posso ainda dizer: Olha para a frente caminheiro: na estrada a percorrer há caminhos íngremes e carreiros suaves, numa promiscuidade que assombra o teu olhar; mas, fita ao longe e verás, embora distante, o oásis reparador, onde poderás restaurar as forças combalidas, para recomeçares a jornada, já agora, por trilhas menos ásperas.

            Toma o teu bordão e segue.

            Eis o que posso dizer aos que me lerem. Só esse caminho liberta o Espírito das urzes da viagem terrena. O outro, de que fala o Camilo, é o atalho que leva à montanha escarpada do desespero.

             Bittencourt  


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