Inquietações
por Martins Peralva Reformador (Julho) 1964
O homem moderno vive dominado pela inquietação.
Ansiando por multiplicar, exagerada e, muita vez, desnecessariamente,
seus recursos materiais, o homem contemporâneo luta e desgasta-se,
exaustivamente, transformando a existência, aqui no plano físico, em permanente
razão de intranquilidade.
O ângulo de visão do homem-espírita, contudo, é algo
diferente, pois sabe ele que o Espiritismo, embora não preconizando a inércia,
nem desestimulando as iniciativas atinentes ao progresso material, considera o
trabalho por elemento de equilíbrio e aperfeiçoamento.
A Doutrina Espírita, como autêntica sentinela da paz e
eficiente construtora da felicidade na Terra está sempre a lembrar-nos que o
trabalho foi criado, dentro da vida, para que o homem o converta em
oportunidade de redenção e de aperfeiçoamento da inteligência e do sentimento.
Quem lê, estuda e medita acerca dos postulados
doutrinário-evangélicos, compreende, naturalmente, que o homem deve dar ao
mundo contribuição normal no sentido de que se efetivem as aspirações de ordem
material, as quais, sem dúvida, constituem elemento de estímulo e de progresso.
As aspirações humanas, portanto, no tocante ao problema
do trabalho, devem orientar-se em função do que ensina e esclarece o
Espiritismo - doutrina admirável que se desenvolve, no coração e na
consciência, sob os auspícios do Evangelho do Cristo.
A palavra do Mestre reveste-se, neste particular, de
profunda significação, quando nos adverte: “Não
andeis, pois, a indagar o que haveis de beber ou comer, e não vos entregueis a
inquietações.”
Emmanuel, o admirável orientador, repete em nossos dias,
embora noutro acondicionamento verbal, o conselho de Jesus: "Não te
preocupes, assim, com o problema da fartura ou da carência de utilidades
materiais, porque riqueza e pobreza à frente da Lei Divina, muitas vezes apenas
significam infortúnio e felicidade, cativeiro e libertação, respectivamente
considerados."
Se crêssemos em Deus e em Sua Justiça que não falha,
seríamos mais tranquilos, mais serenos, mais comedidos no trato com os
problemas mundanos. Se crêssemos, firmemente, na Divina Proteção, limitar-nos-íamos
a trabalhar, adequadamente, com o objetivo de assegurar o progresso, e prover,
em termos de normalidade, as necessidades da família que o Senhor nos concede,
e de atender, em nome do Bem Infinito, aos que estagiam em provações dolorosas,
na carência, na pobreza.
Revela ausência de confiança, nos ilimitados recursos de
amparo do Supremo Doador, o afã de reter, a preocupação de acumular sem
proveito coletivo, a obsessão de guardar.
Nossas inquietações indicam, no fundo, que ainda não
entendemos Aquele que sabe vestir lindamente os lírios do campo dando-lhes
perfume e graça, beleza e magnitude que nem o próprio Salomão, “em toda a sua
glória”, conseguiu imitá-los, consoante alegoriza o Evangelho.
O homem previdente tem o seu trabalho substancialmente
abençoado.
O homem que se equilibra, ou procura equilibrar-se no
esforço de obtenção dos indispensáveis recursos à subsistência, demonstra
crença em Deus e conhecimento da indefectível lei: “faze, que o céu te ajudará.”
O homem exageradamente preocupado na multiplicação, indiscriminada
e a qualquer título e propósito, dos patrimônios materiais, é um fabricante de
inquietações.
Vã é a luta e estéril o esforço, obsessivo, perturbador e
alucinante, tendo em vista a acumulação, improdutiva, de tesouros que a traça
consome, a ferrugem destrói e o ladrão rouba, segundo a figura eternamente
admirável e sublime do Mestre.
A criatura que se inquieta por tais problemas furta à
vida o seu lado mais belo, o seu aspecto mais encantador.
Nega à própria existência a sua característica mais
harmoniosa, qual seja a de poder desfrutar, com tranquilidade de espirito, os
bens que procedem da Augusta Misericórdia - cujos celeiros são, inegavelmente,
imensos, grandiosos, inexauríveis.
O Mestre, observando a ansiosa solicitude pela vida que
assinalava o comportamento dos homens do seu tempo, advertira frequentes vezes:
“Não andeis ansiosos pela vossa vida.”
Em termos de interpretação espírita, poderíamos traduzir
a palavra do Senhor da seguinte maneira: “Trabalhai, calmamente, buscando o
Reino de Deus e Sua Justiça, porquanto o mais vos será dado por acréscimo de
misericórdia.”
Todavia, apesar do celestial conselho, prosseguimos inquietos,
afadigados, suarentos, sem atentar para a superabundância das provisões do
Nosso Pai e Criador, o que indica a dificuldade com que vimos lutando para a
superação dos milenários grilhões da materialidade e do imediatismo.
O nosso esforço, a nossa perseverança, contudo, nos
labores e meditações diuturnos, ajudar-nos-ão, sem dúvida, no trajeto
espiritual libertador.
Até lá, permaneçamos atentos e operosos, prudentes e
vigilantes, a fim de que não desfaleçam os impulsos que já impedem a nossa
permanência à margem dos caminhos, pelos quais transitam os homens de boa
vontade.
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