A reencarnação
e o esquecimento do passado”
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Janeiro 1924
O consulente muito delicadamente nos pede desculpas do
incômodo que supõe nos dar, e declara que, assediado por amigos que lhe fazem
perguntas que tais, não sabe como responder-lhes.
Também não o saberíamos, se os espíritos que nos vieram
trazer a Nova Revelação, já nos não
tivesse dito alguma coisa a respeito, como que prevendo essas interrogações e dúvidas.
O esquecimento das vidas anteriores é uma necessidade.
Se não olvidássemos o passado, as novas gerações, tendo
na lembrança os rancores com que se foram, conservando, vívidas, as imagens de
antigas inimizades, viriam continuar na nova existência as mesmas lutas, engolfar-se
nas mesmas contendas, praticar as mesmas iniquidades; seria uma nova existência
com os mesmos ódios, existência, por consequência, ainda de fel e de crimes.
E não é só.
A lembrança das faltas passadas, caso o indivíduo tivesse
o propósito de regenerar-se, trar-lhe-ia uma vida de remorsos e de vergonha.
Teria ele que viver se escondendo daqueles a quem ofendera ou maltratara. Suplício
ingente seria esse, e a que poucos poderiam resistir. E se ele, o indivíduo,
soubesse que teria que pagar essas faltas, a expectativa contínua do momento da
prova, ser-lhe-ia suplício ainda maior que a maldade humana até agora não soube
inventar.
Espere a criatura uma desgraça e essa desgraça tornar-se-á
um castigo inominável.
Deus, porém, na sua bondade, escondeu aos homens a
previsão do futuro, como lhes tirou a memória do passado. Assim, eles passam
pela Terra, esquecidos do que fizeram e inconscientes do que lhes vai suceder.
É essa a lei, lei de benignidade, para a qual só deveríamos ter agradecimentos
e louvores.
Depois de passadas as nossas provas; depois de termos na
nossa vida de relação, nos aproximado de pessoas outrora desafetas e inimigas,
e extinto, por novos atos, por favores, pela convivência e pela amizade que
então se forma, os antigos ressentimentos, é que, tornando ao espaço, vemos
voltar a pouco e pouco as reminiscências das várias existências que
percorremos. Mas aí, já as provas fizeram os seus efeitos; já os inimigos estão
amigos, já os sentimentos de rancor estão apagados.
Deus assim fez para que os homens não prolongassem
indefinidamente as suas raivas, os seus ciúmes, fugindo à lei divina - que é a
da estima, da fraternidade, do amor.
Amai-vos uns aos outros - é o grande princípio de direito
divino; e para que nós nos amemos, força é que se apaguem, nas sombras do
passado, os sentimentos de azedume que nos traziam desunidos.
O fato de se não lembrar tira-lhe, porventura, a
responsabilidade? Deixa ele de ser o criminoso, porque o crime se lhe apagou da
memória?
Muitas vezes, o tempo faz com que a justiça humana
considere prescrito o delito.
Mas, nem por isso, deixa
de ser o seu autor, um delinquente. E a justiça divina, que não pode deixar
impune o culpado, o traz de novo ao cenário de suas iniquidades para que ele
pague o mal que fez.
Não se conta o tempo no além; para as coisas do além ele
é como se não existisse. As vidas são solidárias umas com as outras, e como o
SER é o mesmo, qualquer que seja a sua vestidura carnal, uma segunda vida para
ele é continuação da primeira, a sua consequência inevitável.
É como se uma criatura, na mocidade, comete-se uma falta,
que viesse a pagar anos depois. Ninguém acharia isso injusto. Todos diriam:
pagou o que fez, - inda mesmo que o faltoso houvesse esquecido a falta.
Pois uma segunda existência, é uma dilação no tempo,
dilação que não é nada perante o Supremo Juiz e diante da Eternidade.
Platão
dizia: aprender é recordar. Os casos de precocidade, os gênios, as aptidões
extraordinárias, nada mais são que a armazenagem de conhecimentos anteriores. E
isso vem demonstrar que nem sempre a memória do passado jaz completamente
mergulhada em trevas. Mozart é um exemplo. Foram outros tantos exemplos.
Paganini, Thereza Milanollo; Liszt, Beethoven, Rubinstein, que, antes dos dez
anos de idade, já se faziam admirar.
Pascal aos 12 anos descobriu a Geometria plana.
Jacques Chrichton, aos 15, discutia qualquer assunto em
latim, grego, hebreu ou árabe.
Henrique de Heinecken falou quase ao nascer; aos dois
anos já sabia três idiomas.
Mezzofanti conhecia setenta línguas e atualmente o Sr. Trombetti
parece passar, em conhecimentos poliglóticos, o ilustre cardeal. Ele consegue
aprender uma língua em poucas semanas.
O prof. Richet, no Congresso Internacional de Psicologia,
de Paris, apresentou uma criança, que sem saber ler, nem conhecer música, aos 3
anos de idade, improvisava vários trechos musicais muito interessantes.
George Stephenson, o inventor da locomotiva a vapor, nunca
entrou numa escola. Aprendeu a ler e a escrever já na maturidade.
Donde teriam vindo esses conhecimentos?
A hereditariedade não pode explicar o gênio. Nem sempre os
pais inteligentes produzem filhos prodígios; nem os filhos prodígios são sempre
nascidos de pais inteligentes.
Os filhos de Péricles, o grande Péricles, que deu nome a
um século, eram dois tolos. E o de Cícero, de Carlos Magno, de Goethe, de
Napoleão?
E quem eram os pais de Mozart, de Newton, de Shakespeare,
de Dante?
Quem nos diz, ainda, a nós, que as pessoas se não
recordam das vidas anteriores?
Lamartine, na sua viagem à Palestina, antes de chegar a
certos lugares, descrevia os como se já houvesse passado por eles. Era, no entanto,
a primeira vez que os visitava.
São muitas as pessoas notáveis que declaram parecer-lhes
ter vivido uma outra vida, de cujos episódios se recordam.
É muito comum, em algumas crianças, ouvi-las dizer que já
viveram em outras regiões, que já tiveram outros pais, que já possuíram outro nome.
Tem-se mesmo procurado verificar se o que elas dizem é
verdadeiro, quando mencionam nomes e circunstâncias que ninguém conhece, e, por
várias vezes, conseguiu-se averiguar que tudo era de exatidão surpreendente.
Enfim, os livros sagrados nos falam dessas vidas sucessivas,
doutrina que já vem de remota antiguidade.
Virgílio nos diz que a alma, mergulhando no Letes, perde a lembrança de suas existências
passadas.
Assim é. E feliz daquele que, mesmo nesta vida, pode
mergulhar no Letes do esquecimento, e
assim amortece na memória os dias que mal empregou, as injustiças que praticou,
as más doutrinas que pregou, o que ruim aconselhou, todas as maldades que
engendrou.
Feliz seria se tudo pudesse esquecer, como nos esquecemos
dos fatos de uma existência para outra.
Mas a voz da consciência nos acompanha às portas da morte
e mesmo depois da morte, até que um arrependimento profundo a faça calar.
Transpomos, então, de novo o espaço, acalentados pela esperança da redenção e
mergulhamos de novo no Letes da vida,
onde vimos saldar as nossas contas, sem o peso temível das recordações do
passado.
É essa a Lei.
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