Materialismo
Sacerdotal
A
Redação
Reformador (FEB) 1º Setembro 1917
Ao iniciar este
artigo, lembramos um fato ocorrido durante a era dos mártires, relatado
por Lactâncio, antigo sacerdote de Júpiter convertido ao cristianismo e seu eloquente
apologista.
Quando o prefeito do pretório em cumprimento de ordem do
imperador Diocleciano. foi demolir o principal templo cristão da Nicomedia, na
Bitinia não encontrou, porque não havia, nem podia haver, objeto algum material
destinado ao culto, a exceção da escritura sagrada.
A simplicidade do culto cristão, consoante as lições de Jesus
e como fora praticado na era apostólica, fazia violento contraste com as
magnificências, os esplendores, as pompas, os ritos e as cerimônias do culto
pagão.
Não permitiram os homens a conservação do puro manancial
primitivo. Turvou-se a límpida corrente. Se o tempo é edaz, mais destruidor
ainda é o homem – tempus edax, homo edacior. (‘O tempo é cego, o homem é
estúpido‘ frase de Victor Hugo)
Em fins do terceiro século começaram os cristãos a usar;
timidamente, de emblemas religiosos, que de suas casas passaram para as igrejas.
Seriam inocentes figuras alegóricas para representar
sentimentos religiosos? Não seriam antes ensaios de idolatria?
Toda gente sabe o que
houve depois. Já dissemos algo a respeito em artigos anteriores. A nova religião,
convertida em sacerdotal, absorveu o paganismo com os seus vícios, erros e
superstições. Os seus dirigentes hierarquizados e constituídos em castas não se
limitaram a adotar fórmulas, símbolos e emblemas para atrair e agradar as
multidões amantes de espetáculos teatrais. Foram além.
Coisas materiais, como a água, o óleo, o vinho, o pão,
foram, mediante palavras sacramentais, aplicados aqueles e ingeridos como coisas
essenciais, sob a sanção de penas eternas, para a adoração de Deus, que, sendo
Espírito, em espírito e verdade, deve ser adorado.
Afastando-se, a olhos vistos, das normas evangélicas, a igreja
foi aumentando o arsenal devocionário, que constituiu uma vasta exploração
mercantil. Não precisamos mencionar as indulgencias, os escapulários ou bentinhos,
os rosários, as palmas, os cordões, as fitas, as velas, os círios, as medalhas,
etc.
Supomos que alguns confrades não conhecem o fetiche papal denominado agnus dei.
No primeiro ano do pontificado, sábado in albis, o papal procede a benzedura,
com grande solenidade, de uma figurinha de cera que é distribuída entre os
fiéis, como objeto de máxima devoção.
De sete em sete anos o mesmo papa reproduz o ato. Os monges
da ordem de Citeaux gozam do excelso privilégio da fabricação do fetiche papalino. Se as feiticeiras da
idade média fabricavam figurinhas de cera para crivando-as de agulhas, perseguir
os desafetos - e por essa operação muitas foram queimadas - está claro que as figurinhas
do papa só podem produzir verdadeiros milagres, que já foram cantados nos versos
de Andrea Pari, enviados, com exemplares de agnus
dei, ao imperador João Paleólogo pelo papa Urbano V. (1)
No Evangelho de S. João não há esta palavra de N. S. Jesus
Cristo:
“O espírito é que vivifica:
a carne para nada aproveita - Spiritus est qui vivificat; caro non prodest
quid-quan” (VI, 64).
(1) Abbé André – Cours
alphabétique et méthodique de droit canon, vº Agnus dei.
Os teólogos e
liturgistas ensinam, ao contrário, que sendo o homem composto,
substancialmente, de corpo e espirito, o corpo destinado a ressurgir no juízo
final, deve adorar a Deus, como o espírito.
“Eis aí porque”, dizíamos em outro artigo: “as religiões sacerdotais, que acolhem e
ensinam essas monstruosidades, exigidas em dogmas, desprezaram e sepultaram os Evangelhos,
afastaram-se da espiritualidade, gravitam para a matéria, para a lama e
tornaram-se fatores positivos e decisivos, grandes fatores da incredulidade moderna,
da irreligião contemporânea.”
Voltemos ao Evangelho.
Materialismo
Religioso
A
Redação
Reformador (FEB) 16 Setembro 1917
Adotando uma cautelosa medida de prudência, nos moldes
da política eclesiástica, o concilio de Trento recomendou aos pregadores,
encarregados de doutrinar os fiéis, que evitassem dissertações sobre os dogmas.
Os que se aventurassem em explicações a respeito entrariam em terreno escabroso
onde Satã poderia armar ocultas ciladas.
Para que despertar a atenção dos crentes e aguçar lhes o desejo
de pesquisa? O raciocínio é inimigo perigoso e pernicioso.
Instituindo a missa para que a velha concepção do sacrifício
vinda do judaísmo e do paganismo, ficasse perpetuada e o sacerdócio mantivesse
o privilégio excelso de oferece-lo à Divindade, envolvendo-a em complicado e misterioso
ritualismo que pudesse impressionar os fiéis, prescreveu a igreja que ela fosse
celebrada em latim para que eles a não entendessem.
Bastar-lhes-iam as cerimônias, as pompas, as solenidades externas.
Como é sabido, a igreja proibiu a leitura da Bíblia, que
ficou neste particular equiparada aos livros heréticos, postos no Índex, e que os crentes não podem ler,
sob pena de excomunhão.
São expedientes da perspicaz política sacerdotal, que se afirma
sob diversos modos e sabe estender os tentáculos apreensores em várias direções.
Os nossos confrades estudiosos podem ler com proveito,
obras teológicas, apologéticas e litúrgicas para por em confronto as antigas
concepções eclesiásticas, consideradas religiosas (?) ora em declínio, com a
nossa doutrina.
Só temos a lucrar com esse confronto, mormente quando há leva
de broqueis entre os adversários.
Daremos, hoje, um exemplo.
Mais de uma vez nos temos referido, em artigos desta
seção, ao materialismo religioso predominante nas igrejas, radicalmente oposto
ao ensino evangélico, ao ensino espírita.
Consideramos o corpo físico um instrumento de que se serve
a alma durante a encarnação.
Novos corpos materiais adquire o espírito em vidas sucessivas,
necessárias ao seu adiantamento, impostas pela lei do progresso.
As igrejas tem uma
grande preocupação pelo destino do corpo humano putrescível – caro data
verminibus. (carne dada aos vermes (?))
Aceitam e proclamam
o dogma da ressurreição da carne. Admitem dois julgamentos, após a morte.
O primeiro é particular e vai sendo pronunciado a proporção
que as almas vão deixando os seus amados corpos.
O segundo é
universal. Será proferido no dia, dies irae, (palavras iniciais da evocação do dia do Juízo Final no
famoso hino atribuído ao monge Tomás Celano (meados do sXIII)), em que acabar o
mundo. (1) Então todos os corpos humanos destruídos,
desde o começo do mundo, durante o decurso dos séculos e dos milênios, ressurgirão.
(1) Como curiosidade: O reverendo abbé De La Tour de
Noé, comentando a profecia sobre os papas, de S. Malaquias, sustenta que o fim
do mundo terá Iugar ao terminar o pontificado de Petrus Romanus, último da
série.
Calculando a vida média dos papas, o autor fixa para o fim do mundo o ano de 1933. (‘La fin du monde’, 21ª ed. Paris – H. Daragon 1904.)
Calculando a vida média dos papas, o autor fixa para o fim do mundo o ano de 1933. (‘La fin du monde’, 21ª ed. Paris – H. Daragon 1904.)
Cada alma tomará ou receberá o seu antigo companheiro de
carne e ossos, com os seus órgãos e aparelho, e, formando com ele um só todo indivisível
seguirá para o céu ou para o inferno.
O padre Goud (2) procura sustentar (?) o dogma com largas
transcrições de Tertuliano c fazendo a apologia da carne.
(2) Anthelmo Gould –
‘A eternidade ou destinos futuros do homem, do mundo e da humanidade’. Ed. de
1879.
Inserimos alguns trechos, que dispensam comentários:
“A carne do homem está cheia de dignidade e de nobreza na
sua origem, na sua união com a alma, na sua santificação e nas suas imolações:
logo, não pode ser presa eterna do túmulo...
“A sua (do corpo) dignidade exige que Deus lhe restitua um
dia a vida, uma vida gloriosa e imortal. E não se diga que a sua carne, infecionada
pelo pecado, merece ser para sempre sepultada nas profundezas da terra ou do
nada, porquanto ela foi purificada, enobrecida, e, em certo modo, divinizada
pelo sangue de Jesus Cristo."
Admira-se o leitor? O principal argumento (?) com pretensões
a filosófico, é o seguinte: Depois de nos informar que homem é composto,
essencialmente, de alma inteligente e de corpo carnal, diz o padre:
“É tão contrário à natureza o homem o ter uma
alma sem corpo, como um corpo sem alma; e como nada daquilo que é violento e
oposto à essência das coisas pode ser perpétuo, é mister concluir pela ressurreição
futura dos corpos, a não ser que se admita (o que não pode ser e é mesmo blasfematório)
que Deus arranca cruelmente à alma humana a sua tendência natural para unir-se
ao corpo de que ela é a forma necessária: forma corporis: que faça decair da sua
condição própria; que ai condene a permanecer eternamente em um estado contrário
a natureza; que se esqueça no tumulo o seu indispensável companheiro, e que
consinta em ver eternamente quebrado sob os seus olhos o homem, obra prima do
seu poder.”
Não precisamos prosseguir.
Eis aí porque as religiões sacerdotais, que acolhem e ensinam
essas monstruosidades, erigidas em dogmas, desprezaram e sepultaram os Evangelhos,
afastaram-se da espiritualidade, gravitam para a matéria, para a lama, e tornaram-se
fatores positivos decisivos, grandes fatores da incredulidade moderna da irreligião
contemporânea.
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