Um
"Diabo" versado em latim,
na Borda da Mata
Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Junho
1953
De quando em quando, o "Diabo" (com
"D" maiúsculo) resolve despreocupar-se de seus múltiplos quefazeres e
subir à Terra para distrair-se um pouco. É o que está acontecendo na cidade
mineira de Borda da Mata, segundo interessante reportagem de Margarida bar, na
revista “O Cruzeiro”, desta capital, em sua edição de 9 de Maio, sob o título “O
Capeta apareceu no sul de Minas...” Naturalmente, o “capeta” está necessitando
de “matéria prima” para as caldeiras de Pero Botelho, prejudicado, sem dúvida,
pelas restrições de Cexim... E o “Diabo” está fazendo o diabo na Borda da Mata.
Pedimos vênia a “O Cruzeiro” para transcrever alguns trechos da deliciosa
reportagem, ilustrada com fotografias expressivas dos protagonistas do
acontecimento, inclusive do valoroso sacerdote que, em vez de negar o fato, pelo
contrário o confirma, com a seguinte frase: "Embuste não houve,
afirmo". Começa a repórter: “A crer na voz do povo, o Diabo subiu das
profundezas do inferno para, na Terra, habitar a casa-de-fazenda que fica no
cimo da mais alta montanha de Borda da Mata, município do Sul de Minas. Isso
dizem os 4.000 habitantes da cidade, os 15.000 do município e, por cidades
mineiras e paulistas, milhares de outras pessoas repetem, aumentando, no pavor
do sobrenatural, o propagado eco das serras.”
Esclarece a reportagem que o “Diabo” costuma ser pontual.
Convenhamos que isto já é uma virtude. Mas, prossigamos: “Depois que o Vigário
Cooperador de Borda da Mata, Padre José Oriolo, falou do púlpito da velha
igreja, dizendo que o Demônio tinha aparecido na casa da montanha, e depois que
se soube ter Frei Belchior, da Ordem dos Capuchinhos, de Ouro Fino, adoecido em
virtude da forte impressão que tivera do contato com o diabo, durante o
exorcismo, não foi mais possível controlar o povo da região.” Após algumas
considerações, a repórter elucida: "Conosco ficou Padre Oriolo, Vigário
Cooperador, a quem coube, e mais ao Sacristão Manoel Cardoso. na noite de
quinta para sexta, 11 de Abril, acompanhar o Padre Capuchinho de Ouro Fino,
Frei Belchior, à casa mal-assombrada. Nessa noite, o Padre Capuchinho, com
ordem expressa do Bispo de Pouso Alegre, praticara a cerimônia do exorcismo.
Eis o que disse o Vigário da Borda da Mata:
- Diante dos rumores de barulho e vozes sobrenaturais,
fomos à casa além da Ponte da Pedra. É natural, o Padre precisa ver. Mas nada
lhe posso adiantar porque foi Frei Belchior quem interrogou a voz. A minha
parte se resumiu em rondar ao derredor da morada com o sacristão, de lanterna
em punho, varejando inclusive o porão, em vigilância contra algum embuste.
Embuste não houve, assevero-lhe."
Louvável, portanto, a sinceridade do sacerdote: “não
houve embuste”. Adiante, na reportagem, lê-se: “em outra noite, ao invés de um,
apareceram dois espíritos”. A casa mal-assombrada é a residência de “Alberto
Simões de Carvalho, mais conhecido por Alberto Proença (ou o “Português”), com
a família, a mulher, Durvalina e seis filhos”. Suspeitavam eles da menina Valdalina,
que foi vigiada e chegaram à conclusão de que não era ela que fazia “aquilo”. E
nós atribuímos que ela seja médium, simplesmente, e, por força da sua
capacidade mediúnica, encontre o espírito, que tanto barulho está fazendo na
Borda da Mata, condições para se manifestar.
Entretanto, não desejamos fazer muitos comentários, mas
cingirmo-nos apenas ao que se encontra publicado na revista acima referida.
Assim, transcrevemos a palavra de Frei Belchior ali estampada:
“Sem rodeios, assim se manifestou o irmão religioso da
Ordem dos Capuchinhos:
- Que as coisas que se passam na casa da montanha não são
brincadeira, não são. São coisas muito sérias. Mas provas positivas de que são
coisas demoníacas, ainda, não tenho. Posso afirmar-lhe, porém, que não se trata
nem de visão nem de assombração. Será obsessão ou possessão do demônio. A voz
que eu ouvi não é a da menina Valdalina, de jeito nenhum. Agora, se ela está
envolvida no caso, é um assunto a estudar.”
- Donde vinha a voz que o senhor ouviu, Frei Belchior?
- A voz vinha do teto, e a casa não tem forro. Eu a
interroguei fazendo uso do latim e de uma mistura de dialetos italianos, E a
voz respondia por vários modos, mas sempre afirmando: “Eu sou o Capeta, o
Demônio, o Diabo”. E sempre em voz cavernosa.”
E deste modo termina a curiosa reportagem: “O povo diz
que Frei Belchior, aliás com reputação de sábio e santo, está fazendo
penitência para novamente defrontar o fantasma.”
*
Aí está, como a ocorrência de um simples fenômeno
espírita põe alguns milhares de pessoas, sem esclarecimento da Verdade, em
polvorosa... Não se trata de “capeta”, “diabo” ou “demônio” pois que tudo isto
é imaginário. Trata-se, evidentemente, de Espirito perturbado que, encontrando
ambiente propício à sua manifestação, o faz, valendo-se de algum inconsciente
médium de efeitos físicos. Já o fato de sacerdotes católicas confirmarem a
realidade dos fenômenos, já vale alguma coisa. Vê-se que o “Diabo” é versado em
latim, dialetos italianos, etc. Não é para se desprezar, portanto, essa prova
salutar de cultura linguística...
E é para se admirar que, numa época tão conturbada, em
que o inferno deve estar superlotado, tenha o “capeta” tempo disponível para
vir brincar na Borda da Mata...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir