A proibição
de Moisés
Irmão X (Humberto de Campos)
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Julho 1947
Conta-se que, ao
tempo de Moisés, no deserto, grandes sábios da Espiritualidade estudaram os
recursos de fornecer ao mundo novo roteiro de revelações. Com semelhante
empreendimento, os homens poderiam excursionar aos domínios da morte,
aprendendo, pouco a pouco, a se aprimorarem, de acordo com a Lei Divina.
Concretizado o projeto, cujas particularidades eram privativas das autoridades
superiores, intercâmbio natural se faria entre os vivos do Planeta e os vivos
do Além, religando-se a Terra, gradativamente, ao paraíso perdido, pelo
reajustamento espiritual de seus filhos.
Informado quanto à iniciativa, o grande legislador dos
hebreus passou a colaborar com os instrutores desencarnados, na execução da experiência.
Organizaram-se os primórdios do serviço.
Necessitavam, para começar, de uma organização feminina,
suficientemente passiva, que atendesse na qualidade de medianeira, entre os
dois mundos. Ouviria os espíritos desencarnados e encarnados, com a serenidade
precisa, colocada num campo de vibrações delicadas, entre ambas as esferas,
iniciando-se o arrojado experimento.
O assunto era novo e interessaria milhões de seres. Em
razão disso, a mulher - instrumento exibiria trajes despistadores para não
provocar obsessões afetivas. Não se lhe identificaria a condição pelas vestes.
Envergaria túnica de homem e não seria conhecida nem pela feminilidade
interior, nem pela masculinidade aparente. Seria o oráculo, destinado a abrir
novos caminhos à mente do povo escolhido.
Os hebreus teriam direito de indagar com nobreza e
valer-se do serviço em necessidades importantes, numa cota de vinte por cento
das atividades, reservando-se os demais oitenta por cento de possibilidades da
tarefa ao plano espiritual, a benefício coletivo. Quanto ao oráculo,
manter-se-ia em posição de serviço desinteressado a todos, sem grandes laços no
coração para não comprometer a obra e cultivando o trabalho comum do pão de
cada dia pelo suor digno, de modo a não parecer orquídea dos mortos ou
sanguessuga dos vivos.
Encontrada a pitonisa, que se submeteu às condições
estabelecidas, encetou-se o trabalho.
Moisés rejubilava-se. Quem sabe? Talvez a iniciativa viesse
melhorar o espírito geral. O povo necessitava iluminação pelos dons celestes.
Tentava explicar diariamente as obrigações da alma para com o Deus Único;
entretanto, encontrava somente dureza e ingratidão. A intervenção pública da
Esfera Maior provavelmente lançaria imensa luz sobre o Decálogo. Os mandamentos
divinos, certo, seriam interpretados com a beleza sublime de que se revestiam.
E o Testamento do Céu seria glorificado.
Inaugurou-se o serviço com grandes esperanças.
As primeiras semanas foram de ação ambientadora, que se
consumou, aliás, com a rapidez do relâmpago.
Quando o povo reconheceu que os mortos se comunicavam
efetivamente e que aquela organização se constituía de bálsamo e verdade, o
ministério assumiu característicos inquietantes.
Judeus de todas as tribos afluíram de todos os lados. Do
deserto em que se achavam, partiram mensageiros para as regiões circunvizinhas,
espalhando a notícia. Descendentes de Abraão em Mara e Socoth, Horma e Hesebon
foram cientificados. Remanescentes de Israel, no Egito e na Caldeia, receberam
informes. E, em breve, rodeava-se o oráculo de impulsiva multidão.
Moisés, que se alegrara a princípio, tremeu de receio.
A pitonisa, que se dedicara ao experimento, com sincero
otimismo, viu-se, de instante para outro, qual frágil barquinho no dorso de
vagas enfurecidas. Sustentada por um fio do plano espiritual que, a custo, lhe
evitava completa imersão nos estranhos recôncavos do abismo, resistia,
corajosa, nos primeiros tempos, e a missão prosseguiu curso anormal.
O povo, ao qual se destinavam as bênçãos do intercâmbio
com a esfera superior, não compreendeu o serviço instituído. Ninguém desejava
elucidações referentes aos mandamentos divinos. Não desejava informar-se quanto
à natureza da luz que visitara o Sinai e muito menos aceitava diretrizes
edificantes para que, mais tarde, atingisse mais altos círculos da vida. Queria
gozar a hora presente, assenhorear-se de patrimônios dos vizinhos, ganhar
guerras com o estrangeiro, armazenar trigo e vinho, pilhar terrenos devolutos,
conquistar rebanhos indefesos, construir carros de triunfos sanguinolentos.
Para isso, o oráculo, ao invés de ouvir a Espiritualidade Superior que o
sustentava na difícil empresa, passou a receber milhares de consultas sobre os
mais rasteiros interesses da vida material. Cruelmente enganados pelas próprias
ilusões, homens e mulheres de Israel cobriam-no de glórias exteriores;
transportavam-no, de um lugar a outro, sob manifestações festivas e
impunham-lhe destaque singular nos galarins da fama.
E a tarefa prosseguiu.
Abnegados orientadores da vida mais alta acompanhavam a
missão sempre dispostos a beneficiar; todavia, nunca chegaram a dez por cento
das realizações elevadas que lhes competiam.
O povo apenas procurava fugir à execução dos Desígnios do
Pai Supremo. Não pretendia ouvir as vozes do Alto e sim fazer vozerio e tumulto
em baixo. De modo algum, desejava elevar a Terra à luz do Reino Celeste e sim
converter o Reino Divino em escuro subúrbio das paixões terrestres. Em face dos
benfeitores que vinham atendê-lo, solicitamente, intentava somente alijar
dificuldades benéficas, resolver questões profundamente inferiores do drama
evolutivo, com plena obtenção de favores baratos e elixires da juventude.
Ninguém procurava trabalho, iluminação, elevação, conhecimento, aperfeiçoamento
ou melhoria própria. Em vista disso, o oráculo era muito mais pomo de discórdia
terrestre que elemento de construtividade espiritual. Vivia como um terreno
litigioso, provocando malquerença e desentendimentos sem fim.
Tantas lutas estéreis foram acesas, que os Missionários
de Cima deliberaram interromper a experimentação. A turba era demasiado
infantil para receber a revelação que não chegava nem mesmo a vislumbrar. No
auge da tempestade que se fazia cada vez mais intensa para a opinião israelita,
cortaram o fio de ligação e o oráculo desapareceu no torvelinho.
Acirrou-se a tormenta. Azedaram-se os debates. Surgiram
deploráveis semeaduras de ódio, desânimo e desesperação.
O grande legislador, apavorado com as atitudes de sua
gente, escreveu então as célebres palavras do Capítulo XVIII, do Deuteronômio,
situando a consulta aos mortos entre os assuntos abomináveis.
E a proibição perdurou, oficialmente, no mundo, por mais
de mil anos, até que o Cristo, em pessoa, a abolisse, no cume do Tabor,
conversando com o espírito do próprio Moisés, perante os discípulos espantados.
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