A Prece e os Evangelhos
por Sérgio Thiesen
Reformador (FEB) Setembro
1993
1. Sucedeu que, ao tempo em que João batizava todo o
povo, também Jesus foi por ele batizado e, enquanto orava, o céu se abriu, e um
Espírito Santo desceu sobre ele, na forma corporal de uma pomba; e ouviu-se no
céu uma voz que dizia: és meu filho bem amado; em ti hei posto todas as minhas
complacências. (Lucas. 3:21 e
22.)
Eis ai o primeiro
exemplo e o primeiro ensinamento dado por Ele aos homens, mostrando-lhes que a
prece, não a dos lábios, mas a do coração, atrai as bênçãos do Senhor, os
testemunhos do seu amor, fazendo sobre eles descer a influência divina por
intermédio dos espíritos protetores da Humanidade.
2. Quando orardes, não façais como os hipócritas que
gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças públicas para serem
vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa.
Quando quiserdes orar, entrai para o vosso aposento e, fechada a porta, orai a
vosso Pai em segredo; e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos
recompensará. Quando orardes, não faleis muito como fazem os gentios,
imaginando que serão escutados por muito falarem. Não vos assemelheis a eles,
porque vosso Pai sabe do que precisais antes de lho pedires. (Mateus. 6:5 a
8.)
Prescrevendo o
segredo, o silêncio e o recolhimento para a prece, Jesus proscrevia, de então e de futuro, as
pompas e as cerimônias exteriores e as orações longas, pronunciada pelos
lábios, mas não saídas do coração. E ao mesmo tempo ensinava sobre o significado
do aposento da alma, do templo interior, do altar do coração e do valor da humildade
para que soubéssemos transformar as nossas almas em repositório de luz e
entendimento, paz e equilíbrio, harmonia e fé.
3. Pedi e se
vos dará; buscai e achareis; batei e se vos abrirá; porquanto, quem pede
recebe, quem procura acha e àquele que bate se abre. (Lucas, 11:9 e 10)
“Pedi, buscai,
batei...
Estes três imperativos da recomendação de Jesus não foram
enumerados sem um sentido especial.
No emaranhado de lutas e débitos da experiência terrestre,
é imprescindível que o homem aprenda a pedir caminhos de libertação da antiga
cadeia de convenções sufocantes, preconceitos estéreis, dedicações vazias e
hábitos cristalizados. É necessário desejar com força e decisão a saída do
escuro cipoal em que a maioria das criaturas perdeu a visão dos interesses
eternos.
Logo após, é imprescindíveI buscar.
A procura
constitui-se de esforço seletivo. O campo jaz repleto de solicitações
inferiores. (...) É indispensável localizar a ação digna e santificadora.
Muitos perseguem miragens perigosas, à maneira das mariposas que se apaixonam
pela claridade de um incêndio. Chegam de longe, acercam-se das chamas e
consomem a bênção do corpo.
É imperativo aprender a buscar o bem legítimo.
Estabelecido o roteiro edificante, é chegado o momento de
bater à porta da edificação; sem o martelo do esforço metódico e sem o buril da
boa vontade, é muito difícil transformar os recursos da vida carnal em obras
luminosas, de arte divina, com vistas à felicidade espiritual e ao amor eterno.
Não bastará, portanto, rogar sem rumo, procurar sem exame
e agir sem objetivo elevado.
Peçamos ao Senhor nossa libertação da animalidade
primitivista, busquemos a espiritualidade sublime e trabalhemos por nossa
localização dentro dela, a fim de converter-nos em fiéis instrumentos da Divina
Vontade.
Pedi, buscai,
batei!.. esta trilogia de Jesus reveste-se de especial significação para os aprendizes
do Evangelho, em todos os tempos.” (Emmanuel, Francisco Cândido Xavier, “Pão Nosso”, Três
Imperativos, Cap. 109, Ed. FEB).
4. Não se
expulsam os demônios desta espécie sendo por meio da prece e do jejum. (Mateus, 17;21.)
Os discípulos
haviam tentado livrar o lunático daquele processo obsessivo, sem êxito. Recomenda-lhes,
para tanto, a prece, para que se estabelecesse o vínculo deles com as forças
superiores da Vida, estas sim capazes de deslocar os algozes de sua vítima. Revela-lhes
que a fé concede vitalidade à prece e a transforma em recurso terapêutico. No
entanto, Jesus liberta-o da possessão, ordenando ao obsessor que o deixasse sem
utilizar a oração e revela-nos outro ensinamento: a prece ativa e permanente
dos atos da vida praticados com o pensamento em Deus, numa aspiração
incessantemente dirigida ao Criador, guiando a criatura na prática da verdade,
da caridade e do amor, a bem do seu progresso intelectual e moral e do
progresso de seus irmãos, aspiração que o liberta das condições humanas
limitadas, fazendo reinar o Espírito sobre o que lhe é vibratoriamente
inferior. A prescrição do jejum completa suas diretrizes, do jejum dos erros e
vícios morais, da abstenção dos pensamentos culposos e dos sentimentos primitivistas.
5. Disse ainda o Senhor: Simão, Simão, Satanás vos
reclamou a todos para joeirar-vos como se faz ao trigo. Eu, porém, roguei por
ti, a fim de que a tua fé não desfaleça.
(Lucas, 22: 31 e 32).
Naquela ocasião,
nenhum o compreendeu, tanto que nenhum recorreu a esse cordial da alma, pelo
que todos faliram, no momento do perigo. Foi uma lição para o futuro. Quando Jesus
diz que Ele rogara por Pedro, era porque sabia antecipadamente da negação do pescador
de Cafarnaum e dos demais, quando estes seriam testados, o que seria motivo de sofrimento,
decepção e talvez defecção do apóstolo da primeira Casa do Caminho e pedra
angular da edificação cristã, após a ascensão do Mestre. E o fizera a fim de sustentar
lhe a fé para os cometimentos que estavam por vir. Demonstra a prece intercessória
dos Espíritos Superiores pelos seus tutelados! Especialmente nos momentos mais
difíceis dos testemunhos que os aguardavam, e de resto a toda a Humanidade, no
presente e no porvir. Cabe ressaltar ainda a ameaça que o Cristo lhes revelara,
de que estariam visados pelos Espíritos inferiores, e apesar da advertência,
não se utilizaram dos antídotos da oração e O negaram.
6. Assim, vigiai e orai todo o tempo, a fim de que
mereçais evitar todas as coisas que hão de acontecer e possais comparecer diante
do Filho do homem. (Lucas, 21:36.)
Exortava os
discípulos a se manterem em contínuo alerta, na expectativa de todas aquelas
previsões sobre o que estava por suceder para a depuração e transformação do nosso
planeta e que Ele se punha a revelar lhes. Queria o Mestre forçá-los a uma vigilância
incessante sobre si mesmos, a um ardor constante no progredir e a depositarem inabalável
esperança nas promessas do Senhor. Ainda assim, alertava-os sobre como procederem
para evitar reencarnações sucessivas, sem se retardarem na caminhada de
progresso. Com vistas ao porvir, Jesus concitava os homens a trabalharem pelo
seu progresso, vencendo as tendências de estagnação espiritual que nos
caracterizam a marcha e fruto de condicionamentos e atavismos milenários de
almas fatigadas pelos erros e transgressões à lei divina. A prece verbal e a
das boas obras, da conduta reta e das realizações íntimas, a gerar progresso pessoal
e a todos que partilham conosco as sendas da evolução; estas, se o desejarmos,
podem ser uma realidade diuturna. Comparecer diante do Filho do Homem é
previsão para um futuro, quando a Humanidade redimida e purificada reencontrará
seu Divino Amigo, recebendo-o no altar de seu coração e Este se poderá mostrar
sem véus, no fulgor de sua condição estelar e majestosamente crística.
7. E tudo que pedirdes a meu Pai, em meu nome, eu o
farei, a fim de que o Pai seja glorificado no filho. Se me pedirdes alguma coisa
em meu nome, eu o farei. (João, 14:13 e 14.)
Jesus seguia
orientando seus discípulos para o período após Sua ascensão, eles que seriam os
continuadores e encarregados da difusão da Boa Nova nas primeiras décadas do
Cristianismo primitivo. Governador Espiritual da Terra, acompanharia todas as realizações
deles. O pedir em nome Dele ficaria memoravelmente eternizado nas páginas dos
Atos dos Apóstolos. Quando Pedro e João encontram um coxo na porta Formosa do
templo de Jerusalém a pedir lhes uma esmola, estes o fitam fazendo-o perceber
que receberia alguma coisa. Pedro, porém, lhe disse: “Ouro e prata não os
tenho, mas o que tenho isto te dou: Em nome de Jesus-Cristo, o Nazareno,
anda!.. E este, sentindo-se penetrar de força os pés e as mãos, de um salto se
põe de pé, entra com eles no templo, correndo, saltando e louvando a Deus. O
que glorifica o Pai é o progresso que os homens realizam e ao qual Jesus
preside como protetor e governador da Terra. Para o futuro ficaria a mensagem
de recomendação a pedirmos ao Pai em nome do Mestre, sob um impulso, pois, de
um pensamento puro e santo, objetivando o progresso individual e coletivo, tudo
aquilo que concorresse verdadeiramente para este progresso e que as nossas
almas se apercebessem, possibilitando-nos interagir com os desígnios do Alto e
nos tomarmos “o sal da terra e a luz do mundo”.
8. É por eles que rogo, não rogo pelo mundo, mas por
aqueles que me deste, porque são teus.
(João, 17:9.)
Os discípulos
tinham ainda rudes provas a suportar. É para fortalecê-los que Jesus profere
essas palavras. A prece pode e deve ser considerada de diversos pontos de
vista. Ao ouvido do homem ela ressoa como a promessa de um amparo, de uma
proteção divina. Do ponto de vista espiritual a prece é uma emanação dos mais
puros fluidos, por meio da qual amparo e força recebem, mesmo a seu mau grado,
aqueles a favor de quem ela é feita. É uma magnetização
moral que se opera a distância. Jesus distinguia os apóstolos naquela
ocasião, haja vista que “não eram do mundo”, por serem, pelos seus sentimentos,
Espíritos mais elevados do que os outros então encarnados, os quais, mais atrasados
do que eles, os “odiavam”, não por suas personalidades, mas por causa da palavra
de Deus que eles haviam recebido do Mestre que, também e com muito mais forte razão,
não era do mundo, porquanto era Espírito de pureza perfeita e imaculada, a desempenhar
uma missão superior e que se destinava àquela e às demais futuras gerações.
9. Quando vos aprestardes para orar, se tiverdes
qualquer coisa contra alguém, perdoai-lhe, a fim de que vosso Pai, que está nos
céus, também vos perdoe os vossos pecados. (Marcos, 11:25.)
Coração sem ódio
para sintonizar-se com a luz. Estímulo aos homens de todas as épocas à prática
do perdão, como elemento vivo de libertação espiritual, a dissolver os liames escuros
e densos que nos atrelam às circunstâncias cármicas e nos tornam pesados os
corações. Se buscamos o exercício da fé, no sentido de fidelidade ao Cristo, se
agora ansiosos pela luz e pelas verdades eternas imutáveis, precisamos nos
despojar destes vínculos para substituí-los, porque se faz necessário, por
aqueles que caracterizam os homens de bem, as virtudes
da alma ao alcance do esforço de cada um.
10. Dois homens subiram ao templo para orar, um era
fariseu, publicano o outro. O fariseu, conservando-se de pé, orava assim, consigo
mesmo: Meu Deus, rendo-vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões,
injustos, e adúlteros, nem mesmo como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana;
dou o dízimo de tudo o que possuo. O publicano, ao contrário, conservando-se afastado,
não ousava, sequer, erguer os olhos ao céu; mas, batia no peito, dizendo: Meu
Deus, tende piedade de mim, que sou um pecador.
Declaro-vos
que este voltou para sua casa justificado, e o outro não; porquanto aquele que
se eleva será rebaixado e aquele que se humilha será elevado. (Lucas, 18:10 a 14.)
Parábola que nos
remete à situação do orgulho que, de qualquer espécie, turva o coração,
aprisiona a alma que anseia por reiniciar a sua ascensão espiritual e obstaculiza
qualquer desprendimento e sintonia com as fontes sagradas da Vida Superior.
Estimula-nos à dificílima conquista da humildade, que muitas vezes só nos chega
através de dolorosos episódios expiatórios e provacionais.
11. Orai assim: Pai nosso que estás nos céus... (Mateus, 6:9 a 15.)
Repetidas vezes,
referem os Evangelhos que Jesus, ao anoitecer, retirava-se às alturas dos
montes ou à solidão dos desertos e lá, a sós com Deus, passava horas, por vezes
noites inteiras, absorto em profundíssima comunhão com o Eterno, o Infinito, o
Absoluto, ou na linguagem poética dele, em comunhão com o Pai celeste. Tinha o
Mestre uma predileção especial por esses silenciosos santuários de Deus.
Ninguém sabe o que acontecia nessas longas horas que passava a sós com Deus,
nas inspiradoras alturas das montanhas e matas da Galileia ou na vasta solitude
dos ermos da Palestina, sob o misterioso brilho das estrelas longínquas e o
discreto sussurro das brisas... Certa manhã, ao clarear do dia, ainda estava Jesus
imerso nessa comunhão com Deus, no deserto, quando discípulos o surpreenderam para
o levarem novamente ao meio das turbas que o procuravam. Deve ter sido profunda
e intensa a impressão que tiveram do aspecto de Jesus em oração, porque, arrebatados
pelo espetáculo, prorromperam nessas palavras: “Mestre, ensina-nos a orar!” Os
apóstolos, como filhos de Israel, eram acostumados à oração e já haviam
aprendido muito com o próprio Mestre. Mas, diante do que presenciavam,
sentiam-se ignorantes ainda e despreparados para estes cometimentos. Cheios de
encantamento e sagrada reverência assistiram, a seguir, a uma das mais belas e
profundas lições, sublime legado inscrito nas páginas dos Evangelhos, comparável
ao Sermão do Monte, em síntese religiosa e sublimidade, para a inscrição do amor,
definitivamente, nos corações humanos.
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Obras pesquisadas: “0
Evangelho segundo o Espiritismo” de Allan Kardec, edição FEB; “Pão Nosso”, de Francisco
Cândido Xavier, edição FEB; “A Metafísica do Cristianismo”, de Huberto Rohden, edição
União Cultural Editora Ltda.
Nota do autor: Trabalho em parte compilatório, em
parte inspirado em “Os Quatro Evangelhos, Revelação da Revelação”, de J.-B.
Roustaing, edição FEB.
Obrigada, ensinamentos muito valiosos.🙏❤️
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