Preparemos
nosso amanhã
Tobias
Mirco (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro
1975
É indisfarçável a
gravidade da crise moral que domina a Terra, neste derradeiro quartel do século
XX. Tal crise começou desde que a igreja romana, atrelada a ambições profanas,
se descurou da exemplificação evangélica, estabelecendo contradições flagrantes
e crescentes, embora mantivesse sua autoridade sobre as massas não esclarecidas,
preferindo a ação dura, radical e intolerante, à persuasão evangélica, ao apelo
à compreensão do homem, através da elucidação paciente e constante do
verdadeiro sentido do Cristianismo. Pelo contrário, à medida que ia perdendo a
autoridade moral, buscava socorrer-se de meios incompatíveis com as normas
evangélicas, igualando-se, e muitas vezes até ultrapassando, ao comportamento frio
e radical do poder político, que dispunha da liberdade e da vida das criaturas
humanas.
Ao mesmo tempo, a Ciência, irracionalmente combatida pela
igreja, orgulhosamente amparada em dogmas absurdos e ofensivos à inteligência do
homem, conseguia, pelo menos, alertar a Humanidade para a intolerância daqueles
que perseguiam os estudiosos e os sábios, impondo-lhes humilhações,
ameaçando-os de prisão e de morte, levando muitos à masmorra e à pena capital.
Galileu, Giordano Bruno, Campanella e tantos, tantos outros mártires do
progresso, não escaparam da sanha dos pretensos seguidores do Cristo. A Ciência
encontrava em seu caminho a oposição cega e asinina de teólogos fanáticos que
não podiam raciocinar livremente, porquanto já haviam enveredado pelo caminho
estreito e sombrio da intolerância e da cegueira. Religião sem amor não é religião.
Nestas condições, o Cristianismo, deturpado e aviltado por quem deveria prezá-lo
à custa de quaisquer sacrifícios, cedeu lugar a uma “doutrina” imediatista e
ambiciosa, criada para a conquista do poder temporal. E foi assim, em síntese,
que o Cristianismo ficou sendo uma capa a encobrir um corpo chagado de delitos,
com a qual foi possível a escalada ao poder político, com todo o seu cortejo de
violências, usurpações, etc.
A doutrina do Cristo servia apenas para engodar (enganar)
os menos precavidos enquanto os que dela se valiam com tão negregado propósito,
negavam-na a cada instante, criando uma “doutrina” maleável, condizente com os
planos estabelecidos. Semelhante procedimento, aliado ao autoritarismo papal,
aos desmandos clericais, às exorbitâncias a que se haviam habituado seus corifeus
(líderes), induziria ao descrédito, por falta de melhor observação e análise
dos que combatiam a igreja romana, o Cristianismo já então inexistente no
procedimento cotidiano dos sacerdotes mais audaciosos. Mas, na realidade, não
era o Cristianismo que desmoronava. Não. Ele permanecia intacto, puro, porque a
insensatez de seus monopolizadores não poderia jamais detê-lo. Entretanto, a
confusão havia sido criada, e com ela cresceu a reação contra a igreja, ativada
pelos Enciclopedistas que, em nome da Razão, desferiram golpes terríveis e
certos, cujas consequências pedem ser avaliadas pelo recrudescimento do ceticismo
e do ateísmo, que procuraram incentivar, no ódio que os impelia a excessos.
Opôs-se a Ciência à religião, como se Religião fosse
aquele simulacro de regras e normas ritualísticas, capaz de impressionar o povo
simples e ingênuo, mas recusado pelos que já haviam alcançado a madureza
intelectual e podiam ver, através da lente do raciocínio e da análise, os erros
que se cometiam contra a Religião legítima e o progresso moral. Disseminou-se
mais rapidamente a dúvida, em face das calamitosas contradições da igreja, já
divorciada do Cristo. Era preciso, porém que conservasse as aparências, como trampolim
para a realização de seus objetivos. Por via da natural reação a esses
desmandos, surgiu a Reforma. Mas, com ela, ressurgiram velho vícios, antigos hábitos,
dentre eles a intolerância, o sectarismo e a distorção dos elevados e profundos
princípios, cuja semente Jesus depositou nos Evangelhos. Nesse comenos (instante), ia a Ciência,
à custa de grandes lutas, ganhando terreno. Cada vitória significava uma brecha
mais funda e irremediável na fortaleza dos dogmas e preconceitos, as massas continuavam
ainda sugestionadas para apoiar a igreja contra as conquistas científicas, como
se viu, por exemplo, entre milhares de outros, no caso de Darwin. Como o mal
está no homem, também a Ciência se deixou contagiar pelo orgulho, porque,
criada sob a influência do materialismo negativista, mostrou-se infensa ao
espírito religioso, tornando-se, por vezes, tão dogmática quanto a igreja. Se o
homem não tem como imunizar-se, contagia-se e espalha o mal.
Tornou-se bonito ser materialista, e ainda mais bonito
ser ateu. Muitos escritores e “soi-disant” (pretensos) sábios fizeram profissão
de fé ateísta, criaram sua própria filosofia, passaram a combater veementemente
o espírito religioso, em nome de uma estranha liberdade de pensamento. Por isso,
esclarece Emmanuel, “nos tempos modernos, mentalidades existem
que pugnam pelo desaparecimento das noções religiosas do coração dos homens,
saturadas de cientificismo do século e trabalhadas por ideias excêntricas, sem
perceberem as graves responsabilidades dos seus labores intelectuais, porquanto
hão de colher o fruto amargo das sementes que plantaram nas almas jovens e
indecisas. Pede-se uma educação sem Deus, o aniquilamento da fé, o afastamento
das esperanças numa outra vida, a morte da crença nos poderes de uma
providência estranha aos homens. Essa tarefa é inútil. Os que se abalançam a
sugerir semelhantes empresas podem ser dignos de respeito e admiração quando se
destacam por seus méritos científicos, mas assemelham-se a alguém que tivesse a
fortuna de obter um oásis entre imensos desertos. Confortados e satisfeitos na
felicidade ocasional, não veem a caravanas inumeráveis de infelizes, cheias de
sede e fome, transitando sobre as areias ardentes.” (“Emmanuel – Dissertações
Mediúnicas”).
O espetáculo triste e doloroso do mundo atual reflete os
frutos produzidos pelo materialismo ateu. O homem tem todo o conforto, vive
embasbacado com as prodigiosas conquistas da Ciência. Já foi à Lua, pretende
ampliar suas investigações cósmicas, consegue invenções estupendas e descobertas
maravilhosas. Mas o amor está desertando dos corações. A imoralidade tomou
conta da vida humana, mercê da psicose mundial que arrebanha homens e mulheres
e leva-os a preferir os divertimentos e prazeres que menos podem contribuir
para sua real felicidade. O erotismo desbragado domina o cinema, o teatro, a
televisão e certos órgãos de publicidade, porque a preocupação de uns é “fazer
dinheiro” mais facilmente, e para isso os meios justificam os fins, até para
explorar a corrupção de caráteres.
A Ciência está dando o máximo de conforto material ao
homem, mas não lhe dá tranquilidade, não lhe acena com a paz que enriquece a
alma, não lhe promete conhecimentos que lhe dignifiquem o espírito. Um mundo
sem Deus é um mundo à deriva que se dirige ao encontro de catastróficas decepções,
porque a moral cristã, que lhe era bússola preciosa, vem sendo desprezada. Homens
casados abandonam o lar, deixando esposas e filhos, para se entregarem a
aventuras perigosas ou a pretexto de reconquistarem a liberdade que seus
instintos animalizados reclamam sem se aperceberem de que vão meter-se num círculo
de ferro, mais prisioneiros do que nunca, por se tornarem prisioneiros de tais
instintos, tendo como carcereiro a consciência vigilante, que, um dia, lhes
pedirá contas dos erros e desvios praticados. Mulheres levianas, que procedem da
mesma forma, terão o mesmo triste fim, porque, queiram ou não queiram, sofrerão,
cedo ou tarde, as consequências de seus desatinos. Deus é e Suas leis serão inexoravelmente
cumpridas. O mundo atual está caminhando para o mais doloroso e inevitável
ajuste de contas. É questão de tempo, ninguém se iluda.
Por sua vez, a Ciência, tão severa e injusta com a
Religião, partilha de erros idênticos aos que a igreja praticou. O orgulho
domina-a assim como a intolerância e o preconceito. Tomé parece ser o seu
símbolo, não obstante os grandes avanços realizados notadamente no campo da
tecnologia. Um dia ela deixará de lado o utilitarismo e o negativismo que hoje
a caracterizam. Um dia, graças mesmo às suas conquistas, ela se renderá à
evidência máxima, confessando a realidade de Deus, reconhecendo que DEUS é a
superinteligência dominando com irrestrita sabedoria o Universo. Mas ainda
levará tempo, porque a evolução é naturalmente demorada. A turbulência de hoje,
os desvarios que sacodem quase todos os países da Terra e a corrida cada vez
mais veloz para o amanhã, passarão pelo crivo da dor, até que o homem desperte
do pesadelo e compreenda que, apesar de todas as loucuras, encontrará a paz, depois
de satisfeito o tributo cármico, do qual ninguém se livra.
Velho provérbio celta diz, com enorme sabedoria: “É a música dos fatos que acontecem.” E
essa música a humanidade já está ouvindo. Por ora, é ruidosa, ensurdecedora,
confusa e caótica. O tempo, porém, encarregar-se-á de ameigar-lhe os tons, de
disciplinar lhe os ritmos, de transformar os ruídos incômodos em sublime
harmonia. E virão dias de tranquilidade e amor. O homem passará a entende o
homem, pondo fim ao reinado do conceito plautoniano, de que “o homem é o lobo
do homem”. Para isso trabalham os espiritualistas de todos os matizes, aqueles
que creem em Deus, acreditam na imortalidade da alma e sabem que a lei da reencarnação,
determinada pela Justiça Divina, é acionada pela roda cármica, cuja tarefa é
promover, pelo resgate e a recuperação, a redenção humana!
O papel do Espiritismo Cristão vem sendo e será, cada vez
mais, importantíssimo. Essa importância multiplicar-se-á sempre, porque sua
Doutrina dá ao homem a oportunidade de conhecer-se a si mesmo, de valorizar e
ajudar seus semelhantes, de compreender que Jesus é o caminho que leva a Deus,
através do roteiro evangélico, pois ninguém poderá ser feliz enquanto não
trabalhar também pela felicidade alheia. Hoje, cada um cuida apenas de si, num
culto extremado à egolatria. Quando compenetrar-se de que o egoísmo é a causa de
tantos males, procurará recurso defensivo, estender a mão ao próximo, para por
termo ao exclusivismo que o entedia e desespera. Isso feito, encontrará mais
prazer íntimo e, então, compreenderá que pouco representamos individualmente,
se nos tornamos ególatras, mas que nos valorizamos muito, à proporção que nos interessamos
por nossos semelhantes. Aprenderá que a morte é simplesmente uma mutação.
Saímos do ambiente terreno, restrito, para a Espiritualidade, ampla e cheia de
possibilidades recuperatórias.
O Espiritismo Cristão desempenhará função de magnitude
progressivamente maior no próximo milênio, pois a ação que hoje desenvolve, dia
a dia mais se ampliará, para abranger toda a humanidade, para que esta conheça
que a doutrina do Cristo não desmereceu senão aos olhos dos cegos voluntários,
pois será por ela que o homem romperá os obstáculos que ainda o prendem às
vicissitudes da vida. Claro, não haverá milagres, não haverá predicações
aparatosas, mas vazias. Haverá, sim, a consciência da Verdade Cristã, a
consciência de que o homem não foi criado para ser “réprobo”, condenado a penas
eternas, mas para, pelo próprio esforço, alcançar o destino a que tem direito
todo aquele que, pelo esforço próprio, se faz digno de merecer a redenção que o
libertará de todas as dores e de todos os males. A dor é o látego que nos encaminha para a purificação moral e espiritual. Como disse Kardec, "a misericórdia de Deus é infinita, mas
não é cega.”
Portanto, façamos por merecê-la porque o principal
dependerá exclusivamente de nós.
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