A Crucificação/ Prodígios
27,32 E, quando O iam levando, tomaram um certo Simão, de
Cirene, que vinha do campo, e puseram-lhe a cruz às costas, para que a levasse
após Jesus.
27,33 Chegaram ao lugar chamado “Gólgota”, isto é, lugar do crânio.
27,34 Deram-Lhe de beber vinho misturado com fel. Ele provou mas, se recusou a
beber. 27,35 Depois de o haverem crucificado, dividiram Suas vestes entre si,
tirando a sorte. Cumpriu-se, assim, a profecia do profeta: “Repartiram entre si
minhas vestes e sobre meu manto lançaram a sorte (Salmo 21,19)
27,36 Sentaram e
montaram guarda
27,37 Por cima se Sua cabeça penduraram um escrito trazendo o
motivo de sua crucificação: - Este é Jesus, o Rei dos Judeus.
27,38 Ao mesmo
tempo foram crucificados com Ele dois ladrões, um à Sua direita e outro à Sua
esquerda.
27,39 Os que passavam O injuriavam, sacudiam a cabeça e diziam...
27,40 Tu, que destruís o Templo e o reconstruís em três dias, salva-Te a Ti
mesmo! Se és Filho de Deus, desce da cruz!
27,41 Os sacerdotes, os escribas e
os anciãos também zombavam Dele.
27,42 Ele salvou a muitos e a Si mesmo não
pode salvar-se! Se é Rei de Israel, desça agora da cruz e nós creremos Nele!
27,43 Confiou em Deus, Deus O livre agora, se O ama, porque Ele disse: “ -Eu
sou Filho de Deus!”
Para
Mt (27,42), - Salvou
a muitos e a Si mesmo não pode salvar-se...- encontramos em “Fonte Viva” (Ed. FEB), por Emmanuel:
“Sim, ele redimira a muitos...
Estendera o amor e a verdade, a paz
e a luz, levantara enfermos e ressuscitara mortos.
Entretanto, para Ele mesmo erguia-se
a cruz, entre ladrões. Em verdade, para quem se exaltara tanto, para quem
atingira o pináculo, sugerindo indiretamente a própria condição de Redentor e
Rei, a queda era enorme...
Era o Príncipe da Paz e achava-se
vencido pela guerra dos interesses inferiores. Era o Salvador e não se salvara.
Era o justo e padecia a suprema injustiça.
Jazia o Senhor flagelado e vencido. Para o
consenso humano era a extrema perda.
Caíra, todavia, na cruz. Sangrando,
mas de pé. Supliciado, mas de braços abertos. Relegado ao sofrimento, mas
suspenso da Terra. Rodeado de ódio e sarcasmo, mas de coração içado ao Amor.
Tombara, vilipendiado e esquecido,
mas, no outro dia, transformava a própria dor em glória divina. Pendera-lhe a
fronte, empastada de sangue, no madeiro, e ressurgia, à luz do sol, ao hálito
de um jardim.
Convertia-se a derrota escura em
vitória resplandescente. Cobria-se o lenho afrontoso de claridades celestiais
para a Terra inteira.
Assim também ocorre no círculo de
nossas vidas. Não tropeces no fácil triunfo ou na auréola barata dos
crucificadores. Toda vez que as circunstâncias te compelirem a modificar o
roteiro da própria vida, prefere o sacrifício de ti mesmo, transformando a tua
dor em auxílio para muitos, porque todos aqueles que recebem a cruz, em favos
dos semelhantes, descobrem o trilho da eterna ressurreição.”
A Crucificação / Prodígios
27,44
E os ladrões crucificados com Ele, também O maltrataram.
27,45 Desde a hora sexta até a nona, cobriu-se a
terra de trevas.
27,46 Próximo da hora nona, Jesus exclamou em voz
forte:“ Eli, Eli, Lamma Sabactâni!” o que quer dizer “ -Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?”
27,47 A estas palavras, alguns dos que lá estavam, diziam:
-Ele chama por Elias...
27,48 Imediatamente,
um deles tirou uma esponja, embebedou-a em vinagre e apresentou-Lha na ponta de
uma vara para que bebesse.
27,49 Os outros diziam:
-Deixa, Deixa,
vejamos se Elias virá socorrê-Lo.
27,50
Jesus de novo soltou um grande brado e entregou Sua alma.
27,51 E, eis
que o véu do templo se rasgou em duas partes, de alto a baixo, a terra tremeu,
fenderam-se as rochas.
27,52 Os
sepulcros se abriram e os corpos dos mortos justos ressuscitaram,
27,53 Saindo de suas sepulturas, entraram na cidade
santa, depois da ressurreição de Jesus, e apareceram à muitas pessoas.
27,54 O centurião e seus homens, que
montavam guarda a Jesus, diante do estremecimento da terra e de tudo o que se
passava, disseram entre si,, possuídos de grande temor:
-Verdadeiramente,
este Homem era Filho de Deus!
27,55 Havia ali algumas mulheres que, de longe
olhavam, e que tinham seguido Jesus
desde a Galileia, para o servir.
27,56 Entre Elas se achavam Maria Madalena e Maria,
mãe de Tiago e de José e Salomé, esposa de Zebedeu;
Para Mt
(27,45 et 51-53), lemos
em “A
Gênese”, de A. Kardec, no seu Cap. XV, a
orientação sobre essa passagem do evangelho:
“É singular que tais prodígios,
operando-se no momento mesmo em que a atenção da cidade se fixava no suplício
de Jesus, que era o acontecimento do dia, não tenham sido notados, pois que
nenhum historiador os menciona. Parece impossível que um tremor de terra e o
ficar toda a Terra envolta em trevas
durante três horas, num país onde o céu é sempre de perfeita limpidez, hajam
podido passar despercebidos.
A
duração de tal obscuridade teria sido quase a de um eclipse do Sol, mas os
eclipses dessa espécie só se produzem na lua nova, e a morte de Jesus ocorreu
em fase de lua cheia, a 14 de Nissan, dia da Páscoa dos judeus.
O obscurecimento do Sol também pode
ser produzido pelas manchas que se lhe notam na superfície. Em tal caso, o
brilho da luz se enfraquece sensivelmente, porém, nunca ao ponto de determinar
obscuridade e trevas. Admitido que um fenômeno desse gênero se houvesse dado,
ele decorreria de uma causa perfeitamente natural.
Quanto aos mortos que ressuscitaram,
possivelmente algumas pessoas tiveram
visões ou viram aparições, o que não é excepcional. Entretanto, como então não
se conhecia a causa desse fenômeno, supuseram que as figuras vistas saíam dos
sepulcros.
Compungidos
com a morte de seu Mestre, os discípulos
de Jesus sem dúvida ligaram a essa morte alguns fatos particulares, as quais
noutra ocasião nenhuma atenção houveram prestado. Bastou, talvez, que um fragmento de rochedo
se haja destacado naquele momento, para que pessoas inclinadas ao maravilhoso
tenham visto nesse fato um prodígio e, ampliando-o, tenham dito que as pedras
se fenderam.
Jesus
é grande pelas suas obras e não pelos quadros fantásticos de que um entusiasmo
pouco ponderado entendeu de cercá-lo.”
Humberto de
Campos, em “Boa Nova” (Ed. FEB), obra mediúnica de Chico Xavier, nos concede
esse inesquecível...
Maria
Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produzia dolorosa e indelével
impressão. Com o pensamento ansioso e torturado, olhos fixos no madeiro das
perfídias humanas, a ternura materna regredia ao passado em amarguradas
recordações. Ali estava, na hora extrema, o filho bem-amado.
Maria
deixava-se ir na corrente infinda das lembranças. Eram as circunstâncias
maravilhosas em que o nascimento de Jesus lhe fora anunciado, a amizade de
Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a assistência de Deus se
tornara incontestável nos menores detalhes de sua vida. Naquele instante
supremo, revia a manjedoura, na sua beleza agreste, sentindo que a Natureza
parecia desejar redizer aos seus ouvidos o cântico de glória daquela noite
inolvidável. Através do véu espesso das lágrimas, repassou, uma por uma, as
cenas da infância do filho estremecido, observando o alarma interior das mais
doces reminiscências.
Nas menores coisas, reconhecia a
intervenção da Providência celestial; entretanto, naquela hora, seu pensamento
vagava também pelo vasto mar das mais aflitivas interrogações.
Que fizera Jesus por merecer tão
amargas penas? Não o vira crescer de sentimentos imaculados, sob o calor de seu
coração? Desde os mais tenros anos, quando o conduzia à fonte tradicional de
Nazaré, observava o carinho fraterno que dispensava a todas as criaturas. Frequentemente,
ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde sua palavra carinhosa consolava os
transeuntes desamparados e tristes. Viandantes misérrimos vinham a sua casa modesta
louvar o filhinho idolatrado, que sabia distribuir as bênçãos do Céu. Com que
enlevo recebia os hóspedes inesperados que suas mãos minúsculas conduziam à
carpintaria de José!... Lembrava-se bem de que, um dia, a divina criança guiara
a casa dois malfeitores publicamente reconhecidos como ladrões do vale de
Mizhep. E era de ver-se a amorosa solicitude com que seu vulto pequenino
cuidava dos desconhecidos, como se fossem seus irmãos. Muitas vezes, comentara
a excelência daquela virtude santificada, receando pelo futuro de seu adorável
filhinho.
Depois do caricioso ambiente
doméstico, era a missão celestial, dilatando-se em colheita de frutos
maravilhosos. Eram paralíticos que retomavam os movimentos da vida, cegos que
se reintegravam nos sagrados dons da vista, criaturas famintas de luz e de amor
que se saciavam na sua lição de infinita bondade.
Que profundos desígnios haviam
conduzido seu filho adorado à cruz do suplício?
Uma voz amiga lhe falava ao
espírito, dizendo das determinações insondáveis e justas de Deus, que precisam
ser aceitas para a redenção divina das criaturas. Seu coração rebentava em
tempestades de lágrimas irreprimíveis; contudo, no santuário da consciência,
repetia a sua afirmativa de sincera humildade; -Faça-se na escrava a vontade do
Senhor!
De alma angustiada, notou que Jesus
atingira o último limite dos padecimentos inenarráveis. Alguns dos populares
mais exaltados multiplicavam as pancadas, enquanto as lanças riscavam o ar, em
ameaças audaciosas e sinistras. Ironias mordazes eram proferidas a esmo, dilacerando-lhe a alma sensível e
afetuosa.
Em meio de algumas mulheres
compadecidas, que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria reparou que alguém lhe pousara as mãos, de leve, sobre os
ombros.
Deparou-se-lhe a figura de João que,
vencendo a pusilanimidade criminosa em que haviam mergulhado os demais
companheiros, lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos.
Silenciosamente,
o filho de Zebedeu abraçou-se àquele triturado coração maternal. Maria
deixou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto
súplice, buscaram ansiosamente a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo
dos tormentos. Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente,
revelando perceber a ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento.
“Meu Filho! Meu amado
Filho!...” -exclamou
a mártir, em aflição diante da serenidade daquele olhar de melancolia
intraduzível.
O Cristo pareceu meditar no auge de
suas dores, mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradeiro, a
grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão com Deus, replicou com
significativo movimento dos olhos vigilantes:
“ -Mãe, eis aí teu filho!...” -E dirigindo-se,
de modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse: - “ -Filho, eis aí tua
mãe!
Maria
envolveu-se no véu de seu pranto doloroso, mas o grande evangelista compreendeu
que o Mestre, na sua derradeira lição, ensinava que o amor universal era o
sublime coroamento de sua obra. Entendeu que, no futuro, a claridade do Reino
de Deus revelaria aos homens a necessidade da cessação de todo egoísmo e que,
no santuário de cada coração, deveria existir a mais abundante cota de amor,
não só para a círculo familiar, senão também para todos os necessitados do
mundo, e que no templo de cada habitação permaneceria a fraternidade real, para
que a assistência recíproca se praticasse na Terra, sem serem precisos os
edifícios exteriores, consagrados a uma solidariedade claudicante.
Por muito tempo, conservaram-se
ainda ali, em preces silenciosas, até que o Mestre, exânime, fosse arrancado à
cruz, antes que a tempestade mergulhasse a paisagem castigada de Jerusalém num
dilúvio de sombras.
Após a separação dos discípulos, que
se dispersaram por lugares diferentes, para a difusão da Boa Nova, Maria
retirou-se para a Bataneia, onde seus parentes mais próximos a esperavam com
especial carinho.
Os anos começaram a rolar,
silenciosos e tristes, apara a angustiada saudade de seu coração.
Tocada por grande dissabores,
observou que, em tempo rápido, as lembranças do filho amado se convertiam em
elementos de ásperas discussões, entre os seus seguidores. Na Bataneia,
pretendia-se manter uma certa aristocracia espiritual, por efeito dos laços
consanguíneos que ali a prendiam, em virtude dos elos que a ligavam a José. Em
Jerusalém, digladiavam-se os cristãos e os judeus, com veemência e acrimônia.
Na Galileia, os antigos cenáculos simples e amoráveis da Natureza estavam
tristes e desertos.
Para aquela mãe amorosa, cuja alma
digna observava que o vinho generoso de Caná se transformara em vinagre do
martírio, o tempo assinalava sempre uma saudade maior no mundo e uma esperança
cada vez mais elevada no céu.
Sua vida
era uma devoção incessante ao rosário imenso da saudade, às lembranças mais
queridas. Tudo que o passado feliz edificara em seu mundo interior revivia na
tela de sua lembranças, com minúcias somente conhecidas do amor, e lhe
alimentavam a seiva da vida.
Relembrava-se o seu Jesus pequenino,
como naquela noite de beleza prodigiosa, em que o recebera nos braços
maternais, iluminado pelo doce mistério. Figurava-se-lhe escutar o balido das
ovelhas que vinham, apressadas, acercar-se do berço que se formara de
improviso. E aquele primeiro beijo, feito de carinho e de luz ? As
reminiscências envolviam a realidade longínqua de singulares belezas para o seu
coração sensível e generoso. Em seguida, era o rio das recordações desaguando,
sem cessar, na sua lama rica de sentimentalidade e ternura. Nazaré lhe voltava
à imaginação, com as suas paisagens de felicidade e de luz. A casa singela, a
fonte amiga, a sinceridade das afeições, o lago majestoso e, no meio de todos
os detalhes, o filho adorado, trabalhando e amando, no erguimento da mais
elevada concepção de Deus, entre os homens da Terra. De vez em quando, parecia
vê-lo em seus sonhos repletos de sua presença e participava da carícia de suas
recordações.
A esse tempo, o filho de Zebedeu,
tendo presentes as observações que o Mestre lhe fizera da cruz, surgiu na
Bataneia, oferecendo àquele espírito saudoso de mãe o refúgio amoroso de sua
proteção. Maria aceitou o oferecimento, com satisfação imensa.
E João lhe contou a sua nova vida.
Instalara-se definitivamente em Éfeso, onde as idéias cristãs ganhavam terreno
entre almas devotadas e sinceras. Nunca olvidara as recomendações do Senhor e,
no íntimo, guardava aquele título de filiação como das mais altas expressões de
amor universal para com aquela que recebera o Mestre nos braços veneráveis e
carinhosos.
Maria escutava-lhe as confidências,
num misto de conhecimento e de ventura.
João continuava a expor-lhe os seus
planos mais insignificantes. Levá-la-ia consigo, andariam ambos na mesma
associação de interesses espirituais. Seria seu filho desvelado, enquanto
receberia de sua alma generosa a ternura maternal, nos trabalhos do Evangelho.
Demorara-se a vir, explicava o filho de Zebedeu, porque lhe faltava uma
choupana, onde se pudessem abrigar; entretanto, um dos membros da família real
de Adiabene, convertido ao amor do Cristo, lhe doara uma casinha pobre, ao sul
de Éfeso, distando três léguas aproximadamente da cidade. A habitação simples e
pobre demorava num promontório, de onde se avistava o mar. No alto de pequena
colina, distante dos homens e no altar imponente da Natureza, se reuniriam
ambos para cultivar a lembrança permanente de Jesus. Estabeleceriam um pouso e
refúgio aos desamparados, ensinariam as verdades do Evangelho a todos os
espíritos de boa-vontade e, como mãe e filho, iniciariam uma nova era de amor,
na comunidade universal.
Maria
aceitou alegremente.
Dentro de breve tempo, instalaram-se
no seio amigo da Natureza, em frente ao oceano. Éfeso ficava pouco distante;
porém, todas as adjacências se povoavam de novos núcleos de habitações alegres
e modestas. A casa de João, ao cabo de algumas semanas, se transformou num
ponto de assembleias adoráveis, onde as recordações do Messias eram cultivadas
por espíritos humildes e sinceros.
Maria
externava suas lembranças. Falava dele com maternal enternecimento, enquanto o
apóstolo comentava as verdades evangélicas, apreciando os ensinos recebidos.
Vezes inúmeras, a reunião somente terminava noite alta, quando as estrelas
tinham maior brilho. E não foi só. Decorridos alguns meses, grandes fileiras de
necessitados acorriam ao sítio singelo e generoso. A notícia de que Maria descansava, agora, entre eles,
espalhara um clarão de esperança por todos os sofredores. Ao passo que João
pregava na cidade as verdades de Deus, ela atendia, no pobre santuário
doméstico, aos que a procuravam exibindo-lhe suas úlceras e necessidades. Sua choupana era, então, conhecida pelo nome
de “Casa da Santíssima”.
O fato tivera origem em certa
ocasião, quando um miserável leproso, depois de aliviado em suas chagas, lhe
osculou as mãos, reconhecidamente murmurando:
- “Senhora, sois a Mãe de nosso
Mestre e nossa Mãe Santíssima!”
A tradição
criou raízes em todos os espíritos. Quem não lhe devia o favor de uma palavra
maternal no momentos mais duros? E João consolidava o conceito, acentuando que
o mundo lhe seria eternamente grato, pois fora pela sua grandeza espiritual que
o Emissário de Deus pudera penetrar a atmosfera escura e pestilenta do mundo
para balsamizar os sofrimentos da criatura. Na sua humildade sincera, Maria se
esquivava às homenagens afetuosas dos discípulos de Jesus, mas aquela confiança
filial com que lhe reclamavam a presença era para sua alma um brando e
delicioso tesouro do coração. O título de maternidade fazia vibrar em seu
espírito os cânticos mais doces. Diariamente, acorriam os desamparados,
suplicando a sua assistência espiritual. Eram velhos trôpegos e desenganados do
mundo, que lhe vinham ouvir as palavras confortadoras e afetuosas, enfermos que
invocavam a sua proteção, mães infortunadas que pediam a bênção de seu carinho.
“ -Minha mãe -dizia um dos mais
aflitos- como vencer as minhas dificuldades? Sinto-me abandonado na estrada
escura da vida...”
Maria lhe
enviava o olhar amoroso da sua bondade, deixando nele transparecer toda a
dedicação enternecida de seu espírito maternal.
“ -Isto
também passa! -dizia ela, carinhosamente - só o Reino de Deus é bastante forte para
nunca passar de nossas almas, como eterna realização do amor celestial.”
Seus conceitos abrandaram a dor dos
mais desesperados, desanuviavam o pensamento dos mais acabrunhados.
A igreja de Éfeso exigia de João a
mais alta expressão de sacrifício pessoal, pelo que, com o decorrer do tempo,
quase sempre Maria estava só, quando
a legião humilde de necessitados descia o promontório desataviado, rumo aos
lares mais confortados e felizes. Os
dias e as semanas, os meses e os anos passaram incessantes, trazendo-lhe as
lembranças mais tenras. Quando sereno e azulado, o mar lhe fazia voltar à
memória o Tiberíades distante. Surpreendia no ar aqueles perfumes vagos que
enchiam a alma da tarde, quando seu filho, de quem nem um instante se esquecia,
reunindo os discípulos amados, transmitia ao coração do povo as louçanias da
Boa Nova. A velhice não lhe acarretava nem cansaços nem amarguras. A certeza da
proteção divina lhe proporcionava ininterrupto consolo. Como quem transpõe o
dia em labores honestos e proveitosos, seu coração experimentava grato repouso,
iluminado pelo luar da esperança e pelas estrelas fulgurantes da crença
imorredoura. Sua meditações eram suaves colóquios com as reminiscências do
filho muito amado.
Súbito recebeu notícias de que um
período de dolorosas perseguições se havia aberto para todos os que fossem
fieis à doutrina do seu Jesus divino. Alguns cristãos banidos de Roma traziam a
Éfeso as tristes informações. Em obediência aos éditos mais injustos,
escravizavam-se os seguidores de Cristo, destruíam-se-lhes os lares, metiam-nos
nas prisões. Falava-se de festas públicas, em que seus corpos eram dados como
alimento a fera insaciáveis, em horrendo espetáculos.
Então, num crepúsculo estrelado, Maria entregou-se às orações, como de
costume, pedindo a Deus por todos aqueles que se encontrassem em angústias do
coração, por amor de seu filho.
Embora a soledade do ambiente, não
se sentia só: uma como força singular lhe banhava a alma toda. Aragens suaves
sopravam do oceano, espalhando os aromas da noite que se povoava de astros
amigos e afetuosos e, em poucos minutos, a luz plena participava, igualmente,
desse concerto de harmonia e de luz.
Enlevada nas suas meditações, Maria viu aproximar-se o vulto de um
pedinte.
-Minha Mãe - exclamou o
recém-chegado, como tantos outros que recorriam ao seu carinho -, venho
fazer-te companhia e receber a tua bênção.
Maternalmente, ela o convidou a
entrar, impressionada com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia. O
peregrino lhe falou do céu, confortando-a delicadamente. Comentou as
bem-aventuranças divinas que aguardam a todos os devotados e sinceros filhos de
Deus, dando a entender que lhe compreendia as mais tenras saudades do coração. Maria sentiu-se empolgada por tocante
surpresa. Que mendigo seria aquele que lhe acalmava as dores secretas da alma
saudosa, com bálsamos tão dulçorosos? Nenhum lhe surgira até então para dar;
era sempre para pedir alguma coisa. No entanto, aquele viandante desconhecido lhe
derramava no íntimo as mais santas consolações!? Que emoções eram aquelas que
lhe faziam pulsar o coração de tanta carícia ? Seus olhos se umedeceram de
ventura, sem que conseguisse explicar a razão de sua terna emotividade.
Foi quando o hóspede anônimo lhe
estendeu as mãos generosas e lhe falou com profundo acento de amor:
“ -Minha Mãe, vem aos meus braços!”
Nesse instante, fitou as mãos nobres
que se lhe ofereciam, num gesto da mais bela ternura. Tomada de comoção
profunda, viu nelas duas chagas, como as que seu filho revelava na cruz e,
instintivamente, dirigindo o olhar ansioso para os pés do peregrino amigo,
divisou também aí as úlceras causadas pelos cravos do suplício. Não pode mais.
Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe enviava ao coração, bradou com
infinita alegria:
- “Meu Filho! Meu Filho! as úlceras
que te fizeram!...”
E precipitando-se para ele, como mãe
carinhosa e desvelada, quis certificar-se, tocando a ferida que lhe fora
produzida pelo último lançaço, perto do coração. Sua mãos ternas e solícitas o
abraçaram na sombra visitada pelo luar, procurando sofregamente a úlcera que
tantas lágrimas lhe provocara ao carinho maternal. A chaga lateral também lá
estava, sob a carícia de suas mãos. Não conseguiu dominar o seu intenso júbilo.
Num ímpeto de amor, fez um movimento para se ajoelhar. Queria abraçar-se aos
pés do seu Jesus e osculá-los com ternura. Ele, porém, levantando-a, cercado de
um halo de luz celestial, se lhe ajoelhou aos pés e, beijando-lhe as mãos,
disse em carinhoso transporte:
“Sim, minha mãe, sou Eu!... Venho
buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu reino a Rainha dos Anjos...”
Maria cambaleou, tomada de
inexprimível ventura. Queria dizer da sua felicidade, manifestar seu
agradecimento a Deus; mas o corpo como que se lhe paralisara, enquanto aos seus
ouvidos chegavam os ecos suaves da saudação do Anjo, qual se entoassem mil vozes
cariciosas, por entre as harmonias do céu.
No outro dia, dois portadores
humildes desciam a Éfeso, de onde regressaram com João, para assistir aos
últimos instantes daquela que lhes era a devotada Mãe Santíssima.
Maria já não falava. Numa
inolvidável expressão de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura
dos derradeiros laços que a prendiam à vida material.
A alvorada desdobrava o seu formoso
leque de luz quando aquela alma eleita se elevou da Terra, onde tantas vezes
chorara de júbilo, de saudade e de esperança, Não mais via seu filho bem-amado,
que certamente a esperaria, com as boas vindas, no seu reino de amor; mas,
extensas multidões de entidades angélicas a cercavam cantando hinos de
glorificação.
Experimentando a sensação de se
estar afastando do mundo, desejou rever a Galileia com os seus sítios
preferidos. Bastou a manifestação de sua vontade para que a conduzissem à
região do lago de Genesaré, de maravilhosa beleza. Reviu todos os quadros do apostolado
de seu filho e, só agora, observando do alto a paisagem, notava que o
Tiberíades, em seus contornos suaves, apresentava a forma quase perfeita de um
alaúde. Lembrou-se, então, de que naquele instrumento da Natureza Jesus cantara
o mais belo poema da vida e amor, em homenagem a Deus e à humanidade. Aquelas
águas mansas, filhas do Jordão marulhoso e calmo, haviam sido as cordas sonoras
do cântico evangélico.
Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o
coração e já a caravana espiritual se dispunha a partir, quando Maria se lembrou dos discípulos
perseguidos pela crueldade do mundo e desejou abraçar os que ficariam no vale
das sombras, à espera das claridades definitivas do Reino de Deus. Emitindo
esse pensamento, imprimiu novo impulso às multidões espirituais que a seguiam
de perto. Em poucos instantes, seu olhar divisava uma cidade soberba e
maravilhosa, espalhada sobre colinas
enfeitadas de carros e monumentos que lhe provocavam assombro. Os mármores mais
ricos esplendiam nas magnificentes vias públicas, onde as liteiras patrícias
passavam sem cessar, exibindo pedrarias e peles, sustentadas por misérrimos
escravos. Mais alguns momentos e seu olhar descobria outra multidão guardada a
ferros em escuros calabouços. Penetrou os sombrios cárceres do Esquilino, onde
centenas de rostos amargurados retratavam padecimentos atrozes. Os condenados
experimentaram no coração um consolo desconhecido.
Maria
se aproximou de um a um, participou de suas angústias e orou com as suas
preces, cheias de sofrimento e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembléia de
torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a claridade misericordiosa de seu
espírito entre aquelas fisionomias pálidas e tristes. Eram anciães que
confiavam no Cristo, mulheres que por ele haviam desprezado o conforto do lar,
jovens que depunham no Evangelho do Reino toda a sua esperança. Maria aliviou-lhes o coração e, antes
de partir, sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos uma
lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Deveria suplicar a Deus para eles
a liberdade?! Mas, Jesus ensinara que
com Ele todo jugo é suave e todo fardo seria leve, parecendo-lhe melhor a
escravidão com Deus do que a falsa liberdade nos desvãos do mundo. Recordou que
seu filho deixara a força da oração como um poder incontrastável entre os
discípulos amados. Então, rogou ao Céu que lhe desse a possibilidade de deixar
entre os cristãos oprimidos
a força da alegria. Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcerada, de
rosto descarnado e macilento, lhe disse ao ouvido:
“-Canta, minha filha! Tenhamos bom
ânimo! ... Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o Céu!...
A triste prisioneira nunca saberia
compreender o porquê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o coração.
De olhos extáticos, contemplando o firmamento luminoso, através das grades
poderosas, ignorando a razão de sua alegria, cantou um hino de profundo e
enternecido amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão pelas dores que lhe eram
enviadas, transformando todas as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo
e esperança. Daí a instantes, seu canto melodioso era acompanhado pelas
centenas de vozes dos que choravam no cárcere, aguardando
o glorioso testemunho.
Logo, a
caravana majestosa conduziu ao Reino do Mestre a bendita entre as mulheres e,
desde esse dia, nos tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm cantado na
Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua alegria, guardando a suave herança de
nossa Mãe Santíssima.
....................................................................................
Por essa
razão, irmãos meus, quando ouvirdes o cântico nos templos das diversas famílias
religiosas do Cristianismo, não vos esqueçais de fazer no coração um brando
silêncio, para que a Rosa Mística de
Nazaré espalhe aí o seu perfume!
Para (Mt 27,46) -Senhor, por que me desamparaste? - leiamos a Bittencourt Sampaio por
Frederico Jr em “Jesus perante a Cristandade”:
“Antes., porém, tendo o Divino
Mestre prometido ao bom ladrão, assim chamado na frase do Evangelho, que
consigo ele seria no paraíso, este, vendo baixar a fronte do Senhor, proferiu
estas palavras que foram atribuídas a Jesus; Ely, Ely, lamma sabachtani!
-Senhor, Senhor, por que me abandonaste!?
Tal era a confusão, tão medonha a
tragédia, tão negro o quadro, que, conturbados os espíritos, julgaram partirem
dos divinos lábios do Amantíssimo Cordeiro essas palavras de aflição e
desalento!
Mas, assim não foi, nem poderia ser:
Jesus, o Justo pré-eleito, cujo Espírito se eleva constantemente aos pés do seu
glorioso Pai; Jesus, que afrontara todas as iras, todas as maldades dos homens,
não podia, nesse momento supremo, participar desses desfalecimentos que só
provam as almas pecadoras.
Não, cristãos em Cristo, eu vos afirmo,
como Espírito que sou, e pela verdade que recebo dos meus maiores, os Espíritos
elevados que me assistem neste trabalho: a palavras de Jesus, nos seus últimos
momentos, foram estas e unicamente estas:
Tudo
está consumado! A Vós, Senhor, entrego o Meu Espírito!
Respeitado
e tomado como verdadeiro o texto de Bittencourt Sampaio não podemos deixar de
fazer constar nesta compilação uma nota, fruto da pesquisa do virtuoso Antônio
Lima que, em “Vida de Jesus”, em
nota de rodapé, informa que o Rev. J. Davis em sua obra ‘In League with Life‘ diz
ser possível que Jesus houvesse exclamado; “Eli, Eli, Lama Azahhthani”, que
significa: Senhor, Senhor, como me glorificas! cuja frase era pronunciada pelos
iniciados quando passavam por uma grande prova. Essa frase também parece uma
reminiscência de Davi, nos Salmos Cap. XXI, v.1: Deus meu, Deus meu, olha para
mim; por que me desamparaste? Os clamores dos meus pecados são causa de estar
longe de mim a salvação.’
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