quinta-feira, 30 de abril de 2020

Os vendilhões do templo



Os vendilhões do templo
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Junho 1929

            No nosso artigo anterior, afirmamos que “infelizmente, não é só no Catolicismo que se verifica a exploração das crenças alheias, visto que também, entre os que se dizem Espiritistas, há quem pretenda explorar a religião”, e prometemos, então, tratar destes últimos no presente artigo.

            E o que vimos fazer, não deixando, porém, de frisar novamente.- para que se lhe atribuam ao Espiritismo crimes que se lhe não podem atribuir - que, enquanto a Igreja Católica é a única responsável pela exploração do Catolicismo, porquanto é ela mesmo quem estabelece a tabela de preços para os serviços religiosos; no Espiritismo não se dá o mesmo, porque, quem receber qualquer importância a troco de preces, de receitas ou de quaisquer outros serviços medianímicos, está em completo desacordo com a doutrina, que nos manda “dar de graça o que de graça recebemos”, e, consequentemente, não é Espiritista.

            Somos daqueles que estão convencidos de que é necessário abrir os olhos ao povo, para que se não deixe explorar pelos charlatães de todas as religiões, o que não só o prejudica enormemente, como também faz que ele contribua, com o seu dinheiro e com a sua presença, para que se perpetuem crimes - chamemos-lhes assim, porque é esse o seu verdadeiro nome -; que, de há muito deveriam ter deixado de ser cometidos.

            Reputamos, pois, como verdadeiro serviço prestado à humanidade, o esclarecer aqueles que - por ignorância, por falta de tempo, ou por despreocupação absoluta por coisas que muito lhes deveriam interessar - desconhecem o erro em que caem, a exploração de que são vítimas e o indevido concurso que, contra os seus próprios interesses, prestam a tais abusos, e a quem conscientemente os comete.

            “Prometemos não citar os nomes, e não os citaremos, não só porque isso nos faria descambar para o terreno do ataque pessoal - que é o que mais desejamos evitar, por preferirmos combater fatos a combater pessoas -, mas também porque, se citássemos nomes, poderia alguém supor-nos o propósito de prejudicar aqueles a quem nos referíssemos, em proveito de outros a quem deixássemos de nos referir por nem sabermos que eles existem.

            Nas nossas palavras, pois, não há qualquer propósito - nem poderia havê-lo - que não seja o de “expulsar os vendilhões do Templo”, para que os incautos se não deixem explorar por eles.

            Há cerca de um mês, vimos, no ‘Jornal do Brasil’ - que, nas páginas cuja matéria ele paga, faz a defesa cerrada do Catolicismo, enquanto que, nas páginas cuia matéria lhe pagam, publica anúncios, que poderiam ser mui prejudiciais ao Espiritismo, se alguma coisa houvesse que pudesse prejudicar a causa de Deus - um anúncio, que dizia assim: “MÉDICO ESPÍRITA - Dr. Fulano (o nome de um médico completamente desconhecido) - Rua (uma das ruas mais centrais da cidade, perto da Avenida Rio Branco) - Das 13 às 16 horas.”

            Pareceu-nos que aquele anúncio encobria uma exploração torpe e fomos verificar.         

            Introduzido no “consultório” do médico - um cavalheiro de idade madura, com uma barbicha que o faz parecer alemão -, dissemos-lhe que, tendo consultado os melhores médicos do Rio de Janeiro, por nos encontrarmos muito doente, tínhamos já desanimado da cura, porque cada vez nos sentíamos pior; mas que, tendo visto o seu anúncio, resolvêramos tratar-nos pelo Espiritismo e, assim, o tínhamos ido procurar para lhe pedir uma receita.

            - Sim, senhor; - disse-nos o suposto esculápio - queira sentar-se.

            - Mas - dissemos-lhe nós - eu desejava, antes de o Dr. Receitar, que fizesse o obséquio de me informar se costuma cobrar as receitas Espiritistas.

            - Sim, Senhor! - tornou o “médico espírita” - cobro trinta mil réis por cada receita!

            E nós, que nem nos sentáramos mas que já sabíamos o que desejávamos saber, dissemos simplesmente:

            - Nesse caso, voltarei em outra ocasião, visto que não estou prevenido para lhe pagar...

            Queríamos poder ter-lhe dado uma lição de moral, dizendo-lhe meia dúzia de verdades, mas, infelizmente, o asco que nos causou o cinismo do charlatão, impediu-nos de proferir mais qualquer palavra.

            Porque, diga-se de passagem, para que o fiquem sabendo aqueles que desconhecem o significado das palavras da língua portuguesa: charlatães não são os que gratuitamente recebem receitas dos Espíritos, e as dão pelo mesmo preço aos que delas necessitam; Charlatães são os que por qualquer forma e sob qualquer pretexto, exploram a credulidade alheia.

            E é o que faz o tal “médico espírita”; não tendo competência nem capacidade para ganhar a vida honestamente servindo-se do que aprendeu - se é que aprendeu alguma coisa – anuncia receitas espíritas, para explorar o Espiritismo, de que inda entende menos do que de medicina...

*
            Numa rua que desemboca em Haddock Lobo, perto da Rua Campos Salles, há um outro -- esse não é “médico espírita”, é simplesmente “médium” -, que recebe os doentes,
mui confidencialmente, no seu palacete, construído talvez à custa dos papalvos (tolos), e que, depois de ouvir do doente toda a descrição de seus padecimentos, se recolhe a um outro aposento, segundo diz, “para consultar os espíritos”. No entanto, o que vai fazer é consultar qualquer desses vulgaríssimos guias de medicina homeopática, enquanto o doente previamente industriado por quem lhe indicou o “médium”, coloca dez ou vinte mil réis em um vaso posto, para esse fim, sobre uma coluna existente no “consultório” ...

            E, não contente com essa exploração, inda receita em papel com o timbre de uma farmácia do centro da cidade, para, segundo presumimos, ir depois receber a sua comissão sobre os medicamentos vendidos por seu intermédio.

            O que é interessante, porém, é que o “médium”, quando sai do aposento, onde vai tirar a receita, volta de óculos, o que nos faz concluir que, para consultar os “espíritos”, precisa de os ver através das vidraças...

            Dessa exploração fomos nós vítimas quando inda éramos Católico. Podemos, pois, afirmar, sem receio de desmentido.

*

            Numa farmácia homeopática, situada bem próximo à Federação Espírita Brasileira, dá consultas um outro charlatão - esse é coxo e usa muleta-, que receita, com grande espalhafato, medicamentos homeopáticos, de mistura com um óleo e outras drogas de seu fabrico. Indo cada receita a trinta ou quarenta mil reis.

            O dono dessa farmácia, que se diz Espiritista e médium receitista, interpelado por nós a esse respeito, disse-nos, um dia, que “bem sabia que aquilo era charlatanismo, mas que essa era a parte comercial do negócio”!

            Realmente ele vive muito melhor depois que começou essa exploração, do que vivia até aí, e só nos admiraram as suas palavras até o dia em que deixamos de gastar dessa farmácia, por termos visto uma receita dele mesmo, do “médium receitista” que assim nos falara, que dizia o seguinte, a seguir ao nome da doente: “Laurus persea (tintura mater), - Persea gratissima (tintura mater), para alternar de hora em hora durante 6 dias.

            Foi então que nós compreendemos como é que esse “espírita) podia admitir o “outro” explorando a credulidade alheia dentro de sua própria farmácia ; é que ele mesmo também é “charlatão”; também explora a credulidade de seu próximo, visto que Laurus persea e Persea gratissima são sinônimos, são a tintura das folhas do Abacateiro; o que quer dizer que aquele “médium receitista”, quando está recebendo receitas, está pensando na melhor forma de extorquir ao doente seis mil reis, em vez de, três!..

            Ou, então, o “espírito” que lhe dá as receitas não entende nada do assunto, e ele, em vez de farmacêutico, não passa de simples lavador de frascos... 

*

            Nem só esses, porém, são dignos de lástima - que é caso mais para os lastimar que para os condenar. Há um outro assunto digno de atenção. São as “cartomantes espíritas”.

            Só em uma página do ‘Jornal do Brasil’, e seguidinhos na mesma coluna encontramos nós nada menos de doze anúncios, qual deles o mais cheio de sandices, chamando a freguesia, a quem se propõem dizer o passado e o presente, e revelar o futuro, a troco de quantias que variam entre dois e cinco mil reis!

            E, enquanto a polícia e a medicina oficial perseguem os verdadeiros médiuns, porque, com todo o direito praticam a Religião da Caridade, “dando de graça o que de graça recebem”, esses outros, os exploradores da medicina, da farmácia, do Espiritismo e da credulidade alheia, proliferam por aí, como verdadeiras quadrilhas, enchendo as algibeiras, e rindo-se daqueles que, preocupando-se de mil futilidades, se desinteressam lamentavelmente de saber donde vieram, ao que vieram e para onde vão. 

            Se se preocupassem de o saber estudariam necessariamente a doutrina Espiritista, e  ficariam, assim, aptos a defender-se da exploração desses “vendilhões”, que é necessário “expulsar do Templo”, a todo transe, para que se não julgue o Espiritismo conivente com eles...

            É com esse intuito que estamos prevenindo os incautos contra as explorações das cartomantes espíritas, dos médicos espíritas, e dos farmacêuticos espíritas, que nunca foram nem são e jamais serão senão, simples charlatões, exploradores da boa-fé dos que “andam no mundo por ver andar os outros”...


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