Os
vendilhões do templo
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Junho 1929
No nosso artigo anterior, afirmamos que “infelizmente, não é só no Catolicismo que se
verifica a exploração das crenças alheias, visto que também, entre os que se
dizem Espiritistas, há quem pretenda explorar a religião”, e prometemos,
então, tratar destes últimos no presente artigo.
E o que vimos fazer, não deixando, porém, de frisar novamente.-
para que se lhe atribuam ao Espiritismo crimes que se lhe não podem atribuir -
que, enquanto a Igreja Católica é a única responsável pela exploração do
Catolicismo, porquanto é ela mesmo quem estabelece a tabela de preços para os
serviços religiosos; no Espiritismo não se dá o mesmo, porque, quem receber
qualquer importância a troco de preces, de receitas ou de quaisquer outros
serviços medianímicos, está em completo desacordo com a doutrina, que nos manda
“dar de graça o que de graça recebemos”,
e, consequentemente, não é Espiritista.
Somos daqueles que estão convencidos de que é necessário abrir os olhos ao povo, para que se não
deixe explorar pelos charlatães de
todas as religiões, o que não só o prejudica enormemente, como também faz que ele
contribua, com o seu dinheiro e com a sua presença, para que se perpetuem crimes - chamemos-lhes assim, porque é
esse o seu verdadeiro nome -; que, de há muito deveriam ter deixado de ser
cometidos.
Reputamos, pois, como verdadeiro serviço prestado à
humanidade, o esclarecer aqueles que - por ignorância, por falta de tempo, ou
por despreocupação absoluta por coisas que muito lhes deveriam interessar -
desconhecem o erro em que caem, a exploração de que são vítimas e o indevido
concurso que, contra os seus próprios interesses, prestam a tais abusos, e a
quem conscientemente os comete.
“Prometemos não citar os nomes, e não os citaremos, não
só porque isso nos faria descambar para o terreno do ataque pessoal - que é o
que mais desejamos evitar, por preferirmos combater fatos a combater pessoas -,
mas também porque, se citássemos nomes, poderia alguém supor-nos o propósito de
prejudicar aqueles a quem nos referíssemos, em proveito de outros a quem deixássemos
de nos referir por nem sabermos que eles existem.
Nas nossas palavras, pois, não há qualquer propósito -
nem poderia havê-lo - que não seja o de “expulsar os vendilhões do Templo”,
para que os incautos se não deixem explorar por eles.
Há cerca de um mês, vimos, no ‘Jornal do Brasil’ - que,
nas páginas cuja matéria ele paga, faz a defesa cerrada do Catolicismo,
enquanto que, nas páginas cuia matéria lhe pagam, publica anúncios, que poderiam
ser mui prejudiciais ao Espiritismo, se alguma coisa houvesse que pudesse
prejudicar a causa de Deus - um anúncio, que dizia assim: “MÉDICO ESPÍRITA - Dr. Fulano (o
nome de um médico completamente desconhecido) - Rua (uma das ruas mais centrais
da cidade, perto da Avenida Rio Branco) - Das 13 às 16 horas.”
Pareceu-nos que aquele anúncio encobria uma exploração torpe
e fomos verificar.
Introduzido no “consultório” do médico - um cavalheiro de
idade madura, com uma barbicha que o faz parecer alemão -, dissemos-lhe que,
tendo consultado os melhores médicos do Rio de Janeiro, por nos encontrarmos muito
doente, tínhamos já desanimado da cura, porque cada vez nos sentíamos pior; mas
que, tendo visto o seu anúncio, resolvêramos tratar-nos pelo Espiritismo e,
assim, o tínhamos ido procurar para lhe pedir uma receita.
- Sim, senhor; - disse-nos o suposto esculápio - queira
sentar-se.
- Mas - dissemos-lhe nós - eu desejava, antes de o Dr. Receitar,
que fizesse o obséquio de me informar se costuma cobrar as receitas Espiritistas.
- Sim, Senhor! - tornou o “médico espírita” - cobro trinta mil réis por cada receita!
E nós, que nem nos sentáramos mas que já sabíamos o que
desejávamos saber, dissemos simplesmente:
- Nesse caso, voltarei em outra ocasião, visto que não
estou prevenido para lhe pagar...
Queríamos poder ter-lhe dado uma lição de moral,
dizendo-lhe meia dúzia de verdades, mas, infelizmente, o asco que nos causou o
cinismo do charlatão, impediu-nos de proferir mais qualquer palavra.
Porque, diga-se de passagem, para que o fiquem sabendo
aqueles que desconhecem o significado das palavras da língua portuguesa: charlatães não são os que gratuitamente
recebem receitas dos Espíritos, e as dão pelo mesmo preço aos que delas
necessitam; Charlatães são os que por
qualquer forma e sob qualquer pretexto, exploram a credulidade alheia.
E é o que faz o tal “médico espírita”; não tendo
competência nem capacidade para ganhar a vida honestamente servindo-se do que
aprendeu - se é que aprendeu alguma coisa – anuncia receitas espíritas, para
explorar o Espiritismo, de que inda entende menos do que de medicina...
*
Numa rua que desemboca em Haddock Lobo, perto da Rua
Campos Salles, há um outro -- esse não é “médico espírita”, é simplesmente “médium”
-, que recebe os doentes,
mui confidencialmente, no
seu palacete, construído talvez à custa dos papalvos (tolos), e que, depois
de ouvir do doente toda a descrição de seus padecimentos, se recolhe a um
outro aposento, segundo diz, “para consultar os espíritos”. No entanto, o que
vai fazer é consultar qualquer desses vulgaríssimos
guias de medicina homeopática, enquanto o doente previamente industriado por
quem lhe indicou o “médium”, coloca dez
ou vinte mil réis em um vaso posto, para esse fim, sobre uma coluna existente
no “consultório” ...
E, não contente com essa exploração, inda receita em
papel com o timbre de uma farmácia do centro da cidade, para, segundo
presumimos, ir depois receber a sua comissão sobre os medicamentos vendidos por
seu intermédio.
O que é interessante, porém, é que o “médium”, quando sai
do aposento, onde vai tirar a receita, volta de óculos, o que nos faz concluir
que, para consultar os “espíritos”, precisa de os ver através das vidraças...
Dessa exploração fomos nós vítimas quando inda éramos
Católico. Podemos, pois, afirmar, sem receio de desmentido.
*
Numa farmácia homeopática, situada bem próximo à
Federação Espírita Brasileira, dá consultas um outro charlatão - esse é coxo e usa muleta-, que receita, com grande
espalhafato, medicamentos homeopáticos, de mistura com um óleo e outras drogas de
seu fabrico. Indo cada receita a trinta ou quarenta mil reis.
O dono dessa farmácia, que se diz Espiritista e médium
receitista, interpelado por nós a esse respeito, disse-nos, um dia, que “bem sabia que aquilo era charlatanismo, mas
que essa era a parte comercial do negócio”!
Realmente ele vive muito melhor depois que começou essa exploração, do que vivia até aí, e só
nos admiraram as suas palavras até o dia em que deixamos de gastar dessa
farmácia, por termos visto uma receita dele mesmo, do “médium receitista” que
assim nos falara, que dizia o seguinte, a seguir ao nome da doente: “Laurus persea (tintura mater), - Persea gratissima (tintura mater), para
alternar de hora em hora durante 6 dias.
Foi então que nós compreendemos como é que esse “espírita)
podia admitir o “outro” explorando a credulidade alheia dentro de sua própria farmácia
; é que ele mesmo também é “charlatão”;
também explora a credulidade de seu próximo, visto que Laurus persea e Persea gratissima são sinônimos, são a tintura das folhas do Abacateiro; o
que quer dizer que aquele “médium
receitista”, quando está recebendo receitas, está pensando na melhor forma de
extorquir ao doente seis mil reis, em vez de, três!..
Ou, então, o “espírito” que lhe dá as receitas não
entende nada do assunto, e ele, em vez de farmacêutico, não passa de simples
lavador de frascos...
*
Nem só esses, porém, são dignos de lástima - que é caso
mais para os lastimar que para os condenar. Há um outro assunto digno de
atenção. São as “cartomantes espíritas”.
Só em uma página do ‘Jornal do Brasil’, e seguidinhos na mesma coluna encontramos
nós nada menos de doze anúncios, qual deles o mais cheio de sandices, chamando
a freguesia, a quem se propõem dizer o passado e o presente, e revelar o
futuro, a troco de quantias que variam entre dois e cinco mil reis!
E, enquanto a polícia e a medicina oficial perseguem os
verdadeiros médiuns, porque, com todo o direito praticam a Religião da
Caridade, “dando de graça o que de graça
recebem”, esses outros, os exploradores da medicina, da farmácia, do
Espiritismo e da credulidade alheia,
proliferam por aí, como verdadeiras quadrilhas, enchendo as algibeiras, e
rindo-se daqueles que, preocupando-se de mil futilidades, se desinteressam lamentavelmente
de saber donde vieram, ao que vieram e para onde vão.
Se se preocupassem de o saber estudariam necessariamente
a doutrina Espiritista, e ficariam,
assim, aptos a defender-se da exploração desses “vendilhões”, que é necessário “expulsar
do Templo”, a todo transe, para que se não julgue o Espiritismo conivente
com eles...
É com esse intuito que estamos prevenindo os incautos
contra as explorações das cartomantes
espíritas, dos médicos espíritas, e dos farmacêuticos espíritas, que nunca foram nem são e jamais serão senão, simples charlatões, exploradores da boa-fé dos que
“andam no mundo por ver andar os outros”...
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