não faz muito tempo...
"O Papa manda que as freiras abandonem a ociosidade"
Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Outubro 1958
Quando dizemos que a Igreja Católica está quebrando, um a
um, os seus tabus, na ânsia de sobreviver, é porque estamos no bom caminho. Não
faz muito tempo, um membro do clero aceitou a possibilidade de existirem outros
mundos habitados e, a propósito da ideia da viagem à Lua, outro ponderou que, e
sendo isso possível, para lá irá também a Igreja... Quase não se fala mais em heresia
a excomunhão. Tudo vem sendo aceito com estranha facilidade. Compreende o alto
clero, finalmente, que ninguém mais leva a sério certas atitudes estremadas da
Igreja e por isto esta agirá melhor concordando com o progresso, aceitando sem
revolta as conquistas da Ciência e renunciando, a pouco e pouco, os seus seculares
e atrasados preconceitos. Já há missas em português, os padres já aconselham os
fiéis dizerem “Pai - Nosso” em vez de “Padre-Nosso” e agora pleiteiam a abolição
da batina. Ninguém se espante se qualquer dia desses a Igreja resolver a apoiar
também o divórcio, contra o qual tão ferozmente se bate, considerando segundo
os seus pontos de vista, que Jesus era contra tal medida...
Como prova de que o Catolicismo está querendo fugir ao
triste destino que o espera, está a notícia de Castelgandolfo, recentemente distribuída
pela “United Press International”, de
que o papa Pio XII exortou “às freiras enclausuradas a não se encerrarem
hermeticamente atrás das paredes dos conventos e a não se oporem às alterações
sugeridas pela Igreja para a sua tradicional forma de vida. Em particular, o
Papa recomendou às freiras que dediquem alguma parte de seu tempo ao trabalho
produtivo, para ganhar a vida e ter
fundos para ajudar os pobres”.
Não podemos deixar de ver com simpatia essa atitude do
Papa. Ele vem quebrando, lentamente, velhos e inveterados maus hábitos
alimentados pelo clero que, de um modo geral, tem tido existência parasitária,
vivendo à custa de governos e donativos. Se Pio XII vem a público exortar as
freiras ao trabalho produtivo, é porque reconhece que elas nada faziam de útil.
Se acrescenta a necessidade de trabalharem para ganhar a vida, é porque não está
concordando com o tradicional parasitismo clerical. Se acrescenta que elas
precisam trabalhar para ter também meios de ajudar aos pobres é porque está
convencido de que os pobres têm sido lamentavelmente abandonados.
A Igreja sentiu que tem de atualizar-se para não perecer.
O Papa chama a atenção dos católicos para estas suas palavras: “Que os conventos e as ordens de freiras
enclausuradas protejam e sejam fiéis a seu próprio caráter (particular). Esse é
seu direito e seria injusto não levá-la em conta, mas devem defendê-lo sem estreiteza
de critério ou rigidez, PARA NÃO SE DJZER, COM CERTA OBSTINAÇÃO, QUE SE RESISTE
A TODA EVOLUÇÃO OPORTUNA E NÃO $E PRESTA À ADAPTAÇÃO ALGUMA, MESMO QUANDO ESTA É
EXIGIDA
PELO BEM COMUM.”
Claro, claríssimo. A Igreja vem já, há vários anos, procurando
adaptar-se aos tempos novos, renunciando a certas práticas, adotando outras. Só
não conseguiu, ainda, é libertar-se de mau hábito de politicar, de viver
grudada aos poderosos, a fim de sangrar governos e ricaços; principalmente através
de manobras políticas. O Papa se manifestou contra a preguiça que é mãe de
todos os vícios. Aponta a necessidade de trabalhar principalmente, talvez,
porque “Deus ajuda a quem trabalha”. Diz ainda o telegrama: Destacando a necessidade
de trabalhar, S.S. assinalou a pobreza de alguns conventos e O ISOLAMENTO DE
OUTROS QUE, EMBORA RICOS, NÃO CORREM EM SOCORRO DOS DEMAIS NECESSITAD0s.” E reiterou:
Para atender a tal necessidade, o meio normal e mais imediato é o trabalho das
próprias freiras, Em consequência, convidamo-las a dedicar-se a ele, para que possam
ganhar sua própria vida e não pensar, primeiro, em recorrer à ajuda dos outros.
Não sabemos se tal recomendação de trabalho e amor à
caridade foi feita também aos padres em geral. Se não o foi, deve ser feita sem
demora. Contam-se aos milhões talvez aqueles que preferem sombra e água fresca,
considerando mais fácil pedir do que criar. Mas não interrompamos a recente lição
dada pelo Papa, que assim concluiu sua exortação: “Este apelo é dirigido também
às que não vivem necessitadas e, per conseguinte, não estão obrigadas a ganhar
o sustento diário com o trabalho de suas mãos. DESSA MANEIRA, PODEREIS GANHAR
OS RECURSOS DE QUE SE NECESSITA PARA CUMPRIR A REGRA CRISTÃ E CARIDADE PARA COM
OS POBRES.”
Muito bem. Isto, dito pelo Papa, tem sabor especial. Se o
claro cumprisse seus deveres cristãos, não haveria necessidade alguma de vir S.S.
8.S. recomendar publicamente que cumpram “a regra cristã de caridade para com
os pobres.” Aliás, os deveres cristãos têm sido esquecido e abandonados pelo
alto clero porque o pequeno clero, o clero humilde e sofredor, este ainda
cumpre às vezes tais deveres, porque não está com o pensamento preso a interesses
políticos.
Se um espírita dissesse o que declarou o Papa, seria
heresia pura e simples, com direito a anátema, excomunhão, etc. Mas S.S. apenas
veio repetir o que tem sido apontado desde longos OS anos, como demonstração do
parasitismo nocivo do clero, principalmente nos países que, como o Brasil,
ainda não alcançaram certo nível de instrução.
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